Antonella
— Não se preocupe! — Eu a cobri com uma manta de retalhos vermelha. — Vou dar um jeito de conseguir pagar a dívida! — disse com veemência. — Agora descanse, vou acordar a Luca.
Após acordar o meu irmão caçula, eu me arrumei. Estava escovando os meus cabelos quando Luca apareceu.
— Não quero comer esse pão duro. — Ele jogou no chão.
O meu meio-irmão tinha dez anos e reclamava de tudo
— Hei, é pecado desperdiçar comida dessa maneira! Devia agradecer por ter o que comer. Tem muitas crianças no mundo que estão passando fome.
— Você devia casar como a mamãe falou.
Eu prendi os meus cabelos com um elástico. Decidi manter o silêncio, pois não queria me estressar demais naquela manhã.
— Odeia essa pocilga ridícula. — Luca disse, revoltado. — Tenho vergonha de trazer os meus amigos da escola para cá.
A casa de um estilo rústico, com paredes de pedra e pisos em terracota, não tinha muito conforto. O teto com vigas de madeira expostas era atacado por cupins.
— Já chega, Luca! Pegue suas coisas, vou te deixar na escola e correr para o trabalho.
Desde que completei dezoito anos, a minha madrasta insistia que eu deveria me casar. Eu queria sair daquela cidade para continuar os meus estudos em Milão, mas o meu pai deixou a responsabilidade de cuidar do meu irmão caçula e da minha madrasta quando partiu dessa vida.
Eu já estava na porta quando uma vizinha apareceu e fez companhia para Francesca. Elas ficaram entretidas com a conversa que nem perceberam quando eu saí.
No meio do caminho de paralelepípedos, eu diminuí os passos e olhei para trás. O meu irmão andava devagar.
— Depressa, Luca.
— Estou cansado, Antonella!
— Nós já estamos chegando.
Após caminharmos por meia hora, paramos na entrada da escola, onde deixei o Luca. Logo depois, eu andei mais alguns quilômetros até o meu trabalho.
— Antonella, você está atrasada de novo! — O dono do estabelecimento reclamou. — Onde estão as alcachofras, os tomates e as alfaces frescas que te pedi?
— Infelizmente estavam ruins, senhor! — Eu desviei os meus olhos para a banca de verduras vazia. — Uma praga atacou a horta e eu não tive uma boa colheita.
— Muito bem, eu não vou pagar o que você trouxe na última semana, os vegetais também não estavam bons. — O dono do estabelecimento falou.
— Não pode fazer isso, o senhor tem que me pagar… — Eu segui o velho robusto que foi para trás do balcão. — Eu selecionei as melhores verduras na semana passada.
— Comece a trabalhar antes que eu me arrependa de ter dado um emprego para você. — Ele coçou a barba, olhando-me de um jeito estranho.
Silenciei e não retruquei. Eu tinha que arrumar uma maneira de ganhar mais dinheiro antes que os homens do senhor Matarazzo retornassem.
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Na semana seguinte, o prazo se extinguiu.
O desespero tomou conta de mim no dia em que Giuseppe viria cobrar a dívida.
— Antonella! — Chamou e, em seguida, bateu palmas.
Eu abri a cortina e olhei através da janela. Giuseppe não estava sozinho. Além dos dois homens que sempre o acompanhavam, ao lado dele estava o dono da propriedade que observava tudo à volta.
— Olá! — Giuseppe disse num tom forçadamente gentil.
Eu me afastei da janela ao notar o olhar dele sobre mim.
— Venha até aqui, Antonella. — Desta vez, a voz profunda do senhor Matarazzo chamou.
— O que está acontecendo? — A minha madrasta perguntou fracamente.
— Não é nada, descanse.
— Quem está lá fora? — Luca indagou.
Eu puxei o meu irmão pelo braço, quando ele tentou espiar pela janela.
— Chega de perguntas, — sussurrei para que os homens lá fora não me ouvissem. — Fique embaixo da cama e não saia daí até eu voltar.
— Por quê?
— Faça o que te mandei, Luca!
A contragosto, ele desapareceu do meu campo de visão.
— Vou resolver isso! — falei para minha madrasta.
Eu enfiei a mão num jarro onde peguei o envelope com o dinheiro que recebi pelo meu trabalho na venda nos últimos sete dias.
— Boa tarde, senhores!
— Olá, Antonella! — O senhor Matarazzo tirou o chapéu, revelando sua vasta cabeleira branca. — O meu encarregado disse que você se recusa a pagar a dívida.
— Eu sei que atrasei um pouco, mas eu consegui algum dinheiro, — entreguei o envelope.
O velho abriu e contou as notas de euros e então, olhou para o lado, frustrado.
— Isso não paga metade do que deve.
— Logo, eu lhe darei o restante, senhor.
— Não é assim que as coisas funcionam, Caspita! — Joaquim bufou ao me olhar. — O seu pai pagava em dia.
— Eu sei, mas a minha madrasta está doente e meu irmão…
— Os seus problemas não me interessam.
— Só o que o senhor deseja é dinheiro, não é mesmo, — desabafei num ímpeto de fúria
Slapt! O som do tapa estalou dentro de meus ouvidos. Fiquei ligeiramente tonta por alguns segundos. A palma da mão comprida estava marcada em meu rosto. Toquei a minha pele que ainda ardia.
— Sou um homem generoso e estou lhe dando bastante tempo, mas não me desrespeite, ragazza! — O senhor Matarazzo esbravejou entre os dentes cerrados.
Permaneci calada, engolindo tudo o que eu pretendia falar para aquele homem ambicioso e avarento. Joaquim era o filho de Don Domênico Matarazzo, um dos líderes do clã ligado à máfia. Embora Joaquim se esforçasse para ficar no lugar do pai, todos na aldeia diziam que Domênico pretendia preparar o neto para administrar os negócios da família.
Apesar de tudo, Joaquim possuía diversos hectares de terras e era dono da próspera fazenda com um palacete imerso em vinhedos, além de ter uma vinícola na região da Umbria.
— Na próxima vez que você me desrespeitar, — ele estreitou o olhar para minha casa. — Vou acabar com tudo o que você tem! Você entendeu?
— Responda ao chefe, Antonella! — Giuseppe ordenou.
— Entendi, senhor.
De repente, o semblante austero me examinou. O velho observou-me de cima a baixo e passou a língua em torno dos lábios.
— A partir de amanhã, você vai trabalhar na minha casa para pagar o resto da dívida.
— Acho melhor ela trabalhar no vinhedo, senhor… — Giuseppe não parecia gostar da ideia.
— Caspita, eu não te pago para me dar conselhos. — Joaquim vociferou entre dentes. — A minha esposa despediu a última empregada e a cozinheira precisa de ajuda.
O meu coração se agitou quando vi o rosto do meu irmão na janela. Luca nunca fazia o que eu pedia.
— Agradeça ao senhor Matarazzo! — Giuseppe segurou com força em meu braço, sacudindo-me.
— Obrigada, senhor! — Resignada, eu abaixei o rosto.