V

1614 Words
A sensação de ter os braços esticados de forma grosseira ao ponto de sentir uma dor agonizante, tendo os nervos e músculos se rompendo por tal ato, não impediam com que aquele ser se forçasse ao limite. O mundo ainda estava em uma desordem descomunal; onde os raios do Sol já se faziam presentes queimavam a pele, os desertos com tempestades de areia que impediam a quem quer que fosse de enxergar um palmo a frente ou o que quer que estivesse acima. Nas regiões onde ainda era inverno, o frio rigoroso agora congelava até os ossos. Maremotos e terremotos por toda Terra seguiam como contrações de uma mãe em pleno parto, e onde estava o "Nucleo" a tempestade ainda pairava por toda extensão arrancando as raizes das árvores do chão, ao ponto de até formar algumas colunas de ar que giravam de forma violenta envoltas por raios e trovões. A Terra gemia ao que gritos de pavor e súplicas lhe acompanhavam como um hino de terror. Com um pouco mais de força as correntes se quebraram. O tilintar do metal contra o cristal n***o ecoava pelo vasto lugar. A b***a estava solta e seus olhos se voltavam para o cristal n***o que agora se dava como um vasto espelho onde via-se a si mesmo com veias negras subindo pelo corpo, os olhos dourados se voltando ao mais puro breu no que as trevas lhe envolviam como uma nuvem n***a incorpórea. Sua atenção agora se voltava aos quatro seres celestes e os quatro seres demoníacos que, surgindo naquele confinamento, o olhavam com espanto e temor. Incrédulos de que aquilo realmente estava acontecendo. Aquele que havia se despertado ajeitou a postura levando a destra ao peito e a canhota atrás das costas se curvando majestosamente para aqueles que ali estavam presentes. Confusão agora lhes preenchia a face, olhando entre si sem nada compreender. Mas ele logo ergueu a cabeça com um sorriso mais que demoníaco no canto dos lábios e então tudo se tornou obscuridade, dando espaço somente aos gritos estridentes e sons de dilaceração presentes ali. [•••] Luce agora se despertava com o toque sútil de Sarah, que lhe chamava pacientemente pra se levantar e irem para casa. A garota não se lembrava bem ao certo quando de fato teria se rendido ao sono, ainda mais com a tempestade louca que surgiu logo após a brincadeira de invocação que havia feito com seus amigos. Muita coincidência? Talvez. Mas Luce e os demais juraram a si mesmos de que não havia nada relacionado, afinal, onde estaria o demônio que invocaram se fosse o caso? Os olhos azulados foram de encontro ao canto do quarto onde um "garoto" que não aparentava mais do que dezesseis anos, mas de estatura alta; de pele pálida, longos e lusos fios negros e olhos igualmente escuros, que a observava com uma expressão neutra e os braços cruzados. Suas vestes composta por uma blusa de manga longa até os pulsos e uma calça, também não diferenciavam na tonalidade escura como se estivesse de luto. Sendo aparentemente de um tecido mais leve e largo, tendo em vista que seus pés estavam descalços. Um arrepio gélido lhe percorreu pela espinha quando o garoto descruzou os braços e ameaçou dar um passo à frente. Luce então tratou logo de voltar a atenção para a amiga assentindo com um simples gesto de cabeça ao que se levantava e agora seguiam andando rumo à porta. Já dentro do Táxi , Luce chegou a questionar sobre quem seria aquele garoto. Mas pro pior dos males Sarah teria jurado de que não havia mais ninguém naquele quarto além das duas e que até mesmo Samy e Diego já haviam voltado pra casa, sendo que Luce definitivamente havia sido a última a se levantar. Novamente aquela sensação atemorizante subiu-lhe pelo corpo como um calafrio gélido que lhe apertava o coração e não mais insistiu naquele assunto com a amiga. [•••] Quando finalmente chegou em casa um suspiro lhe escapou dos lábios. Alívio de finalmente estar onde achava ser o lugar mais seguro em todo o mundo. Mas, parando para pensar melhor ela não viu nada de diferente o caminho inteiro até onde estava. As ruas estavam completamente secas, árvores no lugar sem uma folha sequer fora de seu devido galho, pessoas caminhando e conversando normalmente como se fosse o dia mais alegre e ensolarado do ano. Seus olhos se arregalaram de imediato onde agora se via correndo até a televisão e a ligava colocando no primeiro canal de jornalismo que viu pela frente. E nada. Nenhum canal quer que fosse jornalístico, de fofoca ou de entretenimento comentavam a respeito da terrível tempestade que teve noite anterior. Era como se a versão aterrorizante e original do que passou fosse destruída e substituída pela habitual e rotineira cena de sempre. A mulher televisão com sons e imagens nítidas agora se via com interferência e ruídos estranhos. Medo. Luce sentiu cada parte do seu corpo se estremecer ao sentir que não estava sozinha em casa e que algo estava bem ali a observando. E instintivamente suas mãos chegaram aos lábios, quando este finalmente decidiu se pronunciar, afim de não deixar com que um grito lhe escapasse. ── Consegue mesmo me ver e me sentir presente aqui. Que... peculiar para um humano. ── a voz límpida e aveludada do ser, não impediu com que a de cabelos loiros fechasse os olhos fortemente, desejando que isso fosse apenas mais um de seus pesadelos e que ao abrir os olhos tudo estaria bem. Não podia acreditar que alguém havia conseguido entrar na casa de sua avó, mas se negava a abrir os olhos e se virar para ter a certeza de que nada havia ali e que era apenas fruto de sua imaginação. ── Vamos! Abra os olhos, não precisa se sentir amedrontada perto de mim. Não vou te matar. E não era como se ele conseguisse tal coisa no momento, não com Luce. Apesar de ter tentado se livrar do que aparentemente o prendia a aquele maldito mundo, os efeitos teriam atingido apenas a si mesmo. E a prova disso seriam as marcas visíveis em seu pescoço. Por sorte não teria tentado algo pior. Com muito custo a garota entreabriu os olhos, podendo ver os pés descalços ali. E subindo mais as íris azuladas, deu-se de encontro com o mesmo garoto que estava no quarto quando se despertou mais cedo. Um sobressalto da garota fez com que o ser desse um sorriso ladino. ── Diga-me, como conseguiu quebrar o selo e me trazer pra este maldito mundo? ── Eu... eu não sei. ── O respondeu com voz falha, novamente no automático. Não era como se quisesse ficar ali e o responder, mas também não era como se pudesse ficar em silêncio. Algo a fazia falar. ── Então quer me dizer, que... ── o "demônio" que andava a passos lentos agora parava bem ao lado de Luce, com aqueles olhos penetrantes fixos aos dela, os quais ela podia jurar lhe ver a alma. ── uma criança humana quebrou o selo sem mais nem menos? ── Foi o que eu disse, não foi? Ainda não acredito que consegui invocar mesmo um demônio. O de cabelos negros como noite lançou um riso escarnecido ao que o sorriso ladino permitia a visão de seu canino pontiagudo e afiado. ── Demônio? Acha mesmo que me pareço com um deles? ── o sorriso ligeiramente mudou para uma linha fina e séria, mantendo os olhos inexpressivos. ── não me compare com porcos imundos e traiçoeiros. Mas... já que estou aqui, diga-me seu nome, criança. ── As palavras não soaram como um pedido. Mas Luce não conseguiu conter os lábios que novamente o respondiam de forma ainda falha mas simples e direta. ── Luce... Luce Anarom. ── Silêncio. O ser ficou a observar em silêncio enquanto parecia analizar minuciosamente a garota que engolia em seco. ── Tem certeza? ── os braços que estavam atrás das costas agora se cruzavam a frente do peitoral, levando a destra sobre o queixo, como se pensativo. "Anarom, Anarom, Anarom, Anarom, Anarom..." o ser dizia a si mesmo incessantemente em pensamento. Como se aquele maldito nome lhe fosse familiar mas que lhe escapasse como água escorrendo entre os dedos. ── Não acho que esteja sendo sincera, garota. ── Como pode querer saber mais do que eu sobre meu nome, hm? É assim que me chamo. E você o que seria? ── Não faço por m*l, cada alma vivente possui... o que posso chamar de "marca". A sua está... turva. ── deu de ombros ── mas não posso julgar quem m*l sabe a respeito do próprio passado. E como não vai me dizer quem é de verdade, acho mais sábio que apenas me chame por... Kiernan. Por mais inexpressivo que fosse, uma aura fria e tenebrosa era o que exalava da essência daquele ser que a olhava fixamente. Luce podia jurar que já o teria visto antes, mas... onde? Como seria possível? Dúvidas e medos que não teriam solução, não no momento já que haviam sido interrompidos pelo abrir repentino da porta. No segundo seguinte apenas o viu colocar o indicador sobre os lábios, ordem de silêncio absoluto, também o vendo sumir como poeira ao vento bem diante dos olhos. Assim que a pessoa adentrou na casa, Luce desabou-se sobre os joelhos, com o coração acelerado e os olhos marejados de terror e confusão como se todo o sentimento que queria realmente expressar desde o início finalmente fosse liberto. E ali estava agora, com ambas as mãos sobre os ouvidos gritando de pavor, em crise. [•••]
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