Capítulo 9

1233 Words
Eu esperei a semana inteira por uma ligação de Ethan. Eu não sabia os meus motivos, eu não entendia as minhas limitações e o luto me pegou em cheio. Eu fiquei deitada tomando sorvete e olhando em volta, sentindo aquele vazio existencial. O vazio pelo Tommy a culpa por ter transado com o irmão dele sem nem ter conseguido enterrar o seu corpo. Todas essas informações iam se concentrando na minha cabeça ao ponto de me enlouquecer. Eu o mandei embora. Eu tinha que ter isso muito claro na minha cabeça, eu não tinha nenhum direito de estar pensando em todas essas coisas e ainda por cima me fazer de vítima. Eu me coloquei na posição de vilã, que era o que me competia naquele momento. Minha campainha tocou, e eu me levantei sem jeito arrumando o meu coque horrível e tentando limpar pelo menos um pouco das remelas grudadas no meu olho misturadas com o meu choro. Eu abri a porta lentamente, era como se eu tivesse esperança de encontrar algum presente ali. - Ah meu Deus – disse Olívia olhando nos meus olhos – quanto tempo faz que você não toma um banho? Olívia era minha prima. E em resumo: A p**a da cidade. Toda a minha família tinha o mesmo julgamento e eu não poderia me eximir da minha culpa. - O que faz aqui? – Falei de m*l humor. - Eu trouxe vinho! – ela disse balançando a garrafa. - Entra! – disse sem pensar. Eu fui direto a cozinha pegar uma taça, pouco me interessava o motivo da visita da Olívia eu só precisava sentir o gosto do vinho tinto e a sensação de me sentir um pouco menos abalada enquanto eu ficava mais chapada. - Pegou uma taça só? p***a Megan! – disse ela já mexendo em meus armários, eu nem liguei. Nunca fomos íntimas e a visita com certeza tinha algum motivo escondido. Ela serviu finalmente as taças e ficou me olhando como se eu fosse um tipo de alienígena. - O que foi? Para de me olhar assim, não está tão m*l! – eu me defendi fechando o blusão de Tommy que eu estava mantendo no meu corpo a três dias. - É só que nunca te vi nessa situação e a coisa está triste! – ela disse com um pouco de compaixão - Não preciso de pena Olívia, veio aqui para que? – disse meio ríspida. - Eu vi as pessoas chorando em bando na casa da sua mãe, memoriais e tantas medalhas do seu marido e eu não te vi, aliás, ninguém está te vendo. Então eu resolvi ser para você o que você nunca foi para mim! – ela jogou aquela verdade na minha cara sem nem pensar e continuou – APOIO! – ergueu os braços para mim abraçá-la e eu só me joguei nos braços dela. Eu não senti vontade de questionar ou me fazer de orgulhosa. Ela não estava errada, eu tinha apenas que me calar e chorar. Aceitar que eu errei com ela uma vida para estar no meio de gente fundamentalista, eu tinha que aceitar que eu estava em um luto infinito e tinha que aceitar que eu realmente estava acabada. - Sério Megs, quanto tempo faz que você não toma um banho? – ela me afastou olhando nos olhos. - Eu nem sei Liv, eu juro que eu perdi a noção da p***a do tempo! - Entendo, vou te dar uma brecha de mais umas duas horas, vamos nos sentar e conversar um pouco! Mas eu me sento no outro sofá – ela disse rindo. - Tudo bem, eu entendo! – eu dei a primeira gargalhada daquela semana e talvez a primeira gargalhada sincera que eu dei em meses. - Me conta Megan Flitch, além de tentar se matar com sorvete o que você tem feito? - Tenho sofrido! Tenho Sofrido muito! Você disse... Memorial? - Não é como um memorial, é a sua mãe querendo assunto no bairro! Então ela colocou uma foto do Tommy na porta de casa com uma felicitação por ele ter sido soldado e ter morrido em serviço. E tem também uma bandeira no quintal. - Inacreditável! Ela está mesmo tentando chamar atenção da vizinhança com a morte do meu marido e nem me convidou para isso! – eu disse irritada - Para você se sentir um pouco melhor – ela pausou para bocejar – um bonitão colocou fogo na bandeira com a “cerimônia” – ela fez aspas com as mãos – acontecendo! Acredita? - Bonitão? – meu coração acelerou – como ele era? - Igual ao Tommy, com todo respeito, não quero dar em cima do seu marido morto! Deve ser irmão dele, um primo! - É irmão do Tommy... Ethan... - E como eu nunca vi? Nem em um Natal? - Primeiro que você nunca é convidada para a ceia de Natal – eu dei uma risada e ela me acompanhou – e segundo que Ethan não vem muito aqui no final da terra, ele é da cidade. - Ele estava com uma jaqueta de couro e uma moto, tem cara mesmo de gente da cidade. Mas é então, me conta, ficou animada demais! – disse ela sacando tudo, talvez o fato de ela ter vivido muito mais do que eu começasse a pesar em algum momento. Mas naquele eu estava feliz em ter uma prima maluca para poder pelo menos desabafar. Nada do que eu contasse a Olívia iria ser pior do que as coisas que ela fez, isso me deixava um pouco mais confortável. - Não tem nada... Ele me beijou... No dia do velório do Tommy! – disse entredentes - Certo, eu poderia engolir essa sua historinha se eu não tivesse visto você sair do bar da estrada bêbada aquele dia. Eu poderia deixar passar se o Max um i****a que eu fiquei uma vez não tivesse visto você nua com o irmãozão no riacho – ela tomou a taça de vinho de uma vez. - Ah meu Deus... Ah meu Deus Liv, você está falando sério? Isso vai acabar com a minha vida! Porra... eu sei o que você está pensando eu sou uma pessoa horrível, me perdoa eu... - MEGAN p***a RESPIRA! Me escuta, eu já molhei a mão do Max para ele ficar de boca fechada e tem mais que medo é esse de alguém saber? - Minha vida acabaria. - Gata, olha em volta, sua vida acabou. Eu olhei em volta e senti os meus olhos marejando. - Mas a boa notícia é que você vai renascer agora e vai ser comigo por perto! – ela sorriu com o sorriso mais afetuoso do mundo e aquele gesto me acolheu. – Vamos, temos que arrancar a foto do seu marido da porta da sua mãe... O... como é o nome dele? - Ethan. - Ethan já colocou fogo na bandeira, vamos fazer alguma coisa também! – ela disse com cara de menina travessa. - Tudo bem, pega as chaves do meu carro! – falei sem pensar colocando as pantufas que estavam à minha frente. - BANHO AGORA MEGAN! Não posso deixar você sair fedendo desse jeito! Se recompõe! – disse com humor, mas firmeza. Eu tive que ir e aquela foi a primeira vez que eu subi as escadas após ter descido um dia depois de Ethan ter ido embora. Eu consegui.
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