Ela não avisou o esposo sobre suas intenções, e continuou indo até a mesa sem dar atenção às chamadas de Luciano. Pedro estava sentado fumando e apenas ficou quieto.
- O que a tua mãe quer fazer? O homem da rádio nem vai dar atenção pra ela.
Paula se aproximou. - Perguntou Luciano ao filho.
- Boa noite. Eu sou a Paula. Acho que o senhor não lembra de mim, mas quando o senhor foi lá no Santo Anjo ver onde ia ficar a antena da rádio o senhor foi na minha casa.
- Boa noite. Eu lembro da senhora sim. Sua casa é uma branca e grande que fica na beira da faixa. Estou certo?
- Sim! Podemo sentar aqui? Eu tô com meu filho e meu marido!
- Ah claro, venham!
Margareth arregalou os olhos de susto. Detestava a mania do esposo de querer fazer amizade com todo mundo.
Paula fez sinal para Luciano e Pedro virem, e o homem não acreditou no que a mulher conseguiu fazer.
Pedro levantou e foi com o pai. Ele estava receoso pois a família ser composta por gente fina, e ele tinha consciência de que ele e seus pais eram apenas pessoas de pouca instrução, vindas lá da grota.
E a filha do radialista era professora ainda!
Sentaram-se à mesa, e Pedro viu Arlete o observar com um olhar feliz e ao mesmo tempo curioso.
- Boa noite.
- Boa noite moça linda. – Cumprimentou Paula. – É bonita ela né, Luciano?
- É. – Respondeu o homem cheio de vergonha e olhando para a mesa.
- Vocês me dão licença, eu vou lá na rua fumar.
- Peraí Margareth, vamo conversar. – Pediu Zé Aldo tentando fazer a esposa ficar.
- Não. Eu tô com calor.
Ela se foi, sobrando um clima constrangedor para pai e filha administrarem.
- E então, vocês moram aonde? – Perguntou Arlete querendo quebrar o gelo.
Por baixo da mesa Paula cutucou o filho com o pé, e Pedro entendeu que era pra ele responder.
- A gente mora em Santo Anjo da Guarda. Fica perto de Dom Pedro de Alcântara.
- E onde é isso?
- É perto de Torres. – Inteirou ele deixando a moça ainda mais perdida.
- Eu já fui na casa deles filha. É um lugar lindo, fica na beirinha da Itapeva. – Disse Zé.
Arlete virou para Pedro, com um sorriso ainda maior em seu delicado rosto.
- Verdade?! Nossa! Perto da nossa casa tem um rio, mas ele é muito pequeno. A Itapeva é grande?
- Se é! É a perder de vista! – Respondeu Paula.
José Aldo se sentiu feliz ao ver a filha se enturmando e conhecendo gente nova. Também observou que ela parecia interessada no rapaz, e demonstrava isso perguntando tudo para ele. Já o moço era mais reservado, e parecia ter medo de conversar.
- Eu vou lá na rua ver por que a tua mãe tá demorando. Fica ai e faz sala pras visita. – Brincou.
- Pode deixar meu pai.
- E então, onde tu mora? – Perguntou Pedro ao ver o pai de Arlete se afastando.
- Provavelmente vocês passaram em frente de onde eu moro pra vir pra cá. A gente vive em Águas Claras, que é uma vila que pertence à Viamão. E só pegar a Bento Gonçalves e seguir reto toda vida.
- E tu já é noiva? – Disparou Paula completamente do nada.
Pedro e Luciano ficaram corados de vergonha.
- Não. O meu pai disse que eu só vou me casar no ano que vem, por que ano que vem eu faço 21 anos. Vocês são casados há muito tempo?
- Esse ano faz 35 anos. – Disse Luciano, enfim entrando na conversa.
Nisso Paula inventou uma desculpa qualquer para ela e o marido saírem da mesa e deixarem os jovens sozinhos.
- O que tu tem na cabeça? Tu não viu que a mulher até foi lá pra rua pra não falar com nós?
- Mas o marido dela não. Ele nos tratou muito bem. – Mencionou ela sorrindo.
Na mesa Arlete seguiu puxando assunto.
- E tu é casado?
- Não.
- Não?! Que idade tu tem?
- Faço 24 agora em Fevereiro.
- E não é casado ainda?
Ela percebeu que Pedro estava acanhado, e achou que talvez tivesse sido invasiva demais. A mesa era de cinco lugares, e o rapaz estava sentado exatamente em frente à moça, que estava do outro lado da mesa. Arlete levantou para ir procurar os pais.
- Onde tu vai?
- Vou na rua.
- Por que?
- Eu acho que perguntei demais. Tu pareceu que não gostou de conversar comigo.
- Não! Eu gostei sim! – Disse ele fazendo sinal para que Lete não saísse.
Arlete sorriu e se sentiu novamente.
- Eu perguntei sobre tu ter essa idade e não ter casado ainda por que lá em Águas Claras todo mundo casa cedo. Antes os pais da gente casavam com 15,16 anos. Agora que tão esperando mais pra casar os filhos. Me desculpa se eu fui encherida. Não sei como é onde tu mora.
- Não. Não foi encherida não. É que eu ainda não achei ninguém que me queira.
Pedro tinha pressa em desfazer o m*l entendido.
- Mas tu é lindo! Como ninguém te quer?
Quando Arlete se deu conta de que havia chamado o desconhecido de lindo foi a vez dela corar. Já Pedro sorriu de satisfação.
- Ai que vergonha meu Deus!
- Vergonha? Eu te agradeço pelo elogio.
“Meu Deus! O que ele vai pensar de mim?!”
- Desculpa. É que eu não sou acostumada a elogiar ninguém.
Pedro ficou encantado com o rosto corado de Arlete. Ela tinha olhos muito verdes, tinha bochechas cheinhas e cabelos negros como uma noite sem lua.
Quem dera se por um descuido um caipira como ele pudesse ter uma princesa como aquela em sua vida. Mas ao contrário de Paula ele conhecia seu lugar, e sabia que jamais teria aquela chance.
Seus pais retornaram à mesa, e em seguida vieram Zé Aldo e Margareth. Esses últimos estavam de cara amarradíssima devido à conversa que tiveram na rua.
A mulher de quem Arlete herdou os olhos verdes ficou observando a conversa, e desaprovou mentalmente – como fizera tantas outras vezes – a capacidade do marido se dar bem com todo mundo. Estava estampado na cara da alemoa gorducha que ela queria casar o filho com Lete.
Ora essa! Era muita pretensão daqueles jecas acharem que levariam sua menininha para o fim de mundo de onde saíram. Ela já sonhava em mudar de Águas Claras para o centro de Porto Alegre, pois detestava o lugar. Se fosse para avançar sim, retroceder jamais.
Arlete avisou que iria fumar na rua, e Pedro mais que depressa inventou uma desculpa para ir atrás dela, apenas para descobrir que a moça realmente foi fumar, e a saída não foi uma desculpa para se beijarem escondido dos pais.
Essa era uma característica de Arlete, obedecer até quando não havia ninguém para fiscalizar. E principalmente não se dar ao desfrute com ninguém.
- Que tu tá fazendo aqui?
Desconcertado com o engano, Pedro pensou rápido.
- Ah eu vim fumar também.
- Eu tô exausta, mas te achei muito legal. Um dia eu vou pedir pro meu pai me levar onde vocês moram
- Mesmo?
- Sim.
Pedro ficou feliz, e acabou falando algo sem pensar.
- Tu sabia que o teu nome é uma junção do nome do teus pais?
- O que?
- Sim. O teu nome é Arlete né?
- Sim.
- Então. José Aldo e Margareth: Arlete.
Arlete ficou em dúvida. Será? Anotou mentalmente que devia perguntar isso ao pai depois. Quando terminou o seu pensamento viu que Pedro a observava. Ele se inclinou para lhe dar um beijo e ela quase retribuiu, mas lembrou de Inês e recuou.
- Que foi?
- Eu não posso te beijar. Eu nem te conheço.
Pedro ficou sem jeito. Mesmo no interior, lá no d***o que carregue, nunca lhe negaram um beijo. Aliás, tinha era fila para beijá-lo.
- Mas é só um beijinho.
- Não.
- É só um beijinho. – Afirmou ele impaciente.
Arlete queria beijar o rapaz. Mas se Inês nunca chegou perto de Hélio e lhe aconteceu tudo que aconteceu, imagine se ela beijasse Pedro m*l o conhecendo? Apesar que o rapaz era bonito.
- Não! – Retrucou ela num tom firme.
- Mas tu não quer?
Arlete saiu correndo e entrou no salão de novo. Antes que pudesse chamá-la, ela já havia saído de suas vistas.
- Eita bicheira. Cadê a guria?!
Voltou para dentro do salão e a encontrou na mesa junto dos pais, que se preparavam para ir embora.
- Mas vocês vão aparecer lá né? Não tem erro! Botamo até placa pra sinalizar! Tá escrito “Aguas Claras”. É dia 28 de Fevereiro.
- Claro que a gente vai! – Dizia Paula em tom alegre. Vamos Pedro?! – Mencionou aí ver o filho se aproximando.
- Vamo mãe.
Antes de saírem ele olhou Arlete mais uma vez, e Margareth percebeu.
Já no caminho para casa Paula falou claramente ao filho e ao marido o que queria fazer. Luciano disse que José Aldo parecia um homem bom e humilde, mas daí a achar que ele daria a mão de Arlete em casamento para Pedro já era demais.
- E tu Pedro? Não fala nada?
- Se ele der a mão dela pra mim, por mim tudo bem.
- Perfeito! É assim que se fala meu filho! O pai dela convidou nós pro aniversário dele. 28 de Fevereiro lá na casa deles!
- Então era isso que ele tava falando quando a gente foi embora?
- Sim! E tem mais ele anotou aqui o endereço e eu já tive uma idéia.
- Eu tô com medo. – Interveio Luciano.
- Tu vai escrever uma carta pra ela! Ela é moça de família. Toda moça de família adora carta de amor!
- Santa mãe do céu!
- Não cria barreira Luciano. Deixa que dessa parte eu cuido!
- É, ela é moça de família mesmo. – Afirmou Pedro.
- Como tu tem tanta certeza disso se conheceu ela hoje? – Questionou o pai.
- Eu tentei beijar ela e ela correu. Disse que não podia e me deixou sozinho.
Luciano arregalou os olhos e deu um peteleco na cabeça do filho, ralhando com Pedro sobre a falta de respeito.
- Bater nele por que criatura? Isso é bom! Se fosse mulher que não presta tinha ido lá e se dado aos agarramentos.
- Imagina se essa moça chama o pai dela! Daí em vez de casamento tu ganharia um olho roxo!
Pedro riu e desejou que o almoço chegasse logo.