Paula! Onde tu vai Paula?!

1709 Words
Foi no dia 1° de Novembro daquele ano que José Aldo ficou sabendo quando a filial da rádio em Águas Claras iniciaria as atividades. E mais: a rádio teria alcance para municípios próximos da lagoa Itapeva, que já ficava na direção do litoral. A luz elétrica havia chegado na vila no início do ano e estava sendo instalada pras bandas onde a rádio seria ouvida, para que o alcance chegasse logo. Em seus 19 anos de existência, foi a primeira vez que Arlete viu o pai chorar. E ela teve a certeza de que a situação financeira da família iria melhorar dali em diante. A inauguração da rádio se daria em 10 de Janeiro de 1947, e no dia 12 seria a festa comemoração ao fato. Festa essa que aconteceria num luxuoso hotel em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. Viriam autoridades políticas, radialistas, e famílias que representavam os lugares onde a emissora passaria a ter alcance. Margareth fez um vestido lindo para Arlete. Era azul e de alcinhas, tendo um casaquinho para usar por cima. A mãe por sua vez iria de vestido longo verde escuro, e também com uma sobreposição cobrindo os ombros. José Aldo foi de terno branco, com gravata borboleta vermelha. *** Quando foi conhecer os locais onde sua voz seria ouvida Zé Aldo passou por todas as localidades, até chegar em Santo Anjo da Guarda, quase na divisa com Dom Pedro de Alcântara. Lá ele conheceu uma família influente, formada por pai, mãe e filho: a família Donato. A matriarca Paula era muito falante, e logo tomou a frente da ocasião. - Opa! O senhor é o moço da rádio? - Sou eu sim. Meu nome é José Aldo, e eu vim conhecer os lugares onde vai chegar a minha voz. – Respondeu rindo. - Eu sou a Paula. Esse é meu esposo Luciano. – Apontou. Um homem alto que usava um chapéu velho e roupa puída estava parado logo atrás dela. Em silêncio, ele apenas estendeu a mão e cumprimentou brevemente o radialista. Nisto chegou um rapaz ainda mais alto do que o pai e veio logo até o casal. Apesar da aparência judiada, provavelmente pela lida no campo, se arrumado ele passaria facilmente por um jovem da cidade. Ele tinha fartos cabelos loiros e olhos muito claros, aparência quase igual à da mãe. Já seu pai tinha os cabelos pretos e olhos castanhos. - Pai, mãe. - Ô Pedrinho, olha aqui o moço aquele da rádio. - Muito prazer. – Pedro entendeu a mão para Zé. - O prazer é meu. Eu já passei por todas as cidades até aqui, pois preciso saber quem vai ir de cada localidade representando na festa de inauguração em Janeiro. Cada família vai representar sua vila ou município. As pessoas do salão foram unânimes em dizer que a família de Pedro devia ir, e José Aldo avisou que na semana seguinte voltaria, para entregar uma carta escrita de próprio punho convidando-os para a festa. Saíram do salão, e Paula mostrou onde era a residência deles. *** José chegou alegre em casa e contou para a esposa e para Arlete que todos lhe foram muito receptivos. - E o pessoal tá ansioso meu pai? - Minha filha! Tu tem que ver! Tu tinha que ver! A luz chegou lá e tá todo mundo mais feliz que não sei o quê. Olha, eu achei que as casas eram mais pobre, mas não. São bonitas e enormes. - O senhor entrou em alguma casa? - Entrei numa casa bonita. É da família que vem representando Santo Anjo. Muito querido eles. Agora antes de dormir vou preparar os convites pra semana que vem. Arlete olhava o sorriso no rosto do pai e agradecia a Deus. Zé fez tantos sacrifícios por ela e para ter reconhecimento na profissão, que todo aquele sucesso era mais do que merecido. Terminaram a janta e ela lavou a louça, enquanto seus pais estavam sentados na sala preparando os papéis. Deu a benção a eles após terminar e foi se deitar. A casa tinha três quartos: o dos pais, o dela e o da costura, que Margareth usava pra trabalhar e guardar seus materiais. O quarto de Arlete tinha um roupeiro pequeno e baixo, uma cama de casal que era de ferro e havia sido de seus avós, e o chão era todo coberto com carpete. Após trocar a roupa por uma camisola, a jovem deitou e ficou imaginando como seria melhor quando seu pai fosse um homem de prestígio. Será que ela seria uma cantora famosa? Aliás, ela já estava em idade de casar. Será que ainda daria tempo de ela ser famosa antes de subir ao altar? Suspirou pensando em casamento. Já iria completar 20 anos no ano seguinte, e se questionava se casaria com alguém que lhe daria uma empregada ou teria que ela mesma cuidar da casa. Arlete e sua mãe faziam isso até Diva vir morar com eles, e Margareth comentava que com tanta ajuda Arlete poderia ficar m*l acostumada. Mas Lete sabia que não era assim, pois ela ainda trabalhava muito depois que chegava da rua. Virou-se de bruços e apoiou os braços no travesseiro. Que futuro lhe aguardava? O que seria dela? Seu maior medo era ir embora pra longe dos pais, e de um dia precisar deles e não estarem por perto. E sua maior alegria era cantar na rádio com a mãe, além de dar aulas, é claro. Amava ensinar seus pequenos alunos, e desejava muito que um dia, se possível, não houvesse mais nenhum analfabeto no mundo. *** Porto Alegre, 12 de Janeiro de 1947. Chegou o dia da festa e a família não podia estar mais nervosa. Chegaram no hotel de carro, e Arlete ficou impressionada com a magnitude do evento. Seus pais entraram na frente juntos, e ela veio logo atrás. Já haviam ensaiado antes, mas a jovem teve um branco e morreu de medo de passar vergonha ou cometer alguma gafe. Passaram pelo tapete vermelho, atravessaram todo o enorme salão e subiram ao palco, que ficava lá no fundo. O dono da rádio os aguardava, junto do governador do Rio Grande do Sul. Eles subiram e foram saudados por ambos, e Margareth e a filha receberam buquês de flores. Em seguida o dono da emissora começou a discursar. - Esse homem aqui presente é um sonhador! Há oito anos atrás, tendo uma filha mocinha, ele deixou sua casa em Águas Claras e veio com a família para uma pensão aqui em Porto Alegre. Desistiu de reformar a casa em que sempre viveu, e trouxe a filha Arlete para estudar na Escola Normal. E em vez de arranjar um emprego convencional, aventurou-se buscando um emprego na rádio Verdes Mares. José Aldo e Margareth se entreolharam muito discretamente e sorriram, relembrando a época difícil da vida. - Tudo isso em 1939, em pleno começo da Guerra. Sempre almejou um programa só seu, em que pudesse ler o jornal, informar, fazer sua voz conhecida. Trabalhou como auxiliar até 1943, quando ganhou seu primeiro programa. A filha já era formada e haviam voltado à antiga residência, mas ele seguiu vindo todos os dias de bicicleta até a rádio, até que conseguiu comprar o primeiro carro. Partiu de José Aldo, ainda lá em 43, a idéia de se ter uma filial da rádio em sua localidade. Hoje ele conseguiu. E para além disso, sua voz será ouvida até a região da lagoa Itapeva. Venha José Aldo, agora esse mundo inteiro é seu! O radialista deu um passo a frente emocionado. Ele agradeceu a Deus e a sua esposa e filha por terem o apoiado em toda aquela dura jornada. Margareth foi até junto do marido, e em seguida ele discursou. - O meu nome é José Aldo da Rosa. Eu tenho 45 anos, e estou aqui para dizer a todos que o sucesso é difícil, mas nunca impossível! Eu era pequeno, filho de agricultores, tinha estudado pouco. Tinha família pra sustentar, e achava que somente minha filha Arlete teria um futuro, se eu conseguisse formar ela professora. Mas meu Deus é grande, e ele me mostrou que eu também poderia ter uma vida boa e realizar meus sonhos! Houve uma chuva da aplausos, e Arlete chorou, ainda que discretamente. - Hoje o pequeno guri, que chegou em Porto Alegre pra formar a filha professora é a voz da nossa terra! Nova salva de palmas, e em seguida ele concluiu. - Eu quero agradecer à minha esposa Margareth. Eu também quero dizer que se início ela não acreditou em mim, mas era normal. Que chances eu tinha? Tínhamos a pensão pra pagar, uma filha pra sustentar. Ela estava certa. Não era pra eu ter a menor chance. Mas a Nossa Senhora, que cuida de cada um de nós que busca pelo certo, olhou por mim. Se houve alguém que desde o começo nunca colocou dúvida que eu conseguiria, e muitas vezes antes de dormir me ajudou a sonhar, esse alguém é minha filha Arlete. José apontou para a filha, e Arlete sentiu todos os olhares do salão em sua direção. Meu Deus, que suador! Que nervoso! - “Pai, quando o senhor for famoso eu posso ser cantora?” Ela perguntava isso pra mim quase sempre antes de ir deitar. Confesso que muitas vezes eu pensei que não devia prometer aquilo pra ela, por que teve muitas vezes que tive certeza que não ia conseguir. Mas olha meu rouxinol da minha vida, o pai conseguiu. Aqui em Porto Alegre já ouvem a tua voz, agora vão ouvir até lá pras banda da praia! Pai e filha se abraçaram forte, e novamente o salão se desmanchou. A família nem imaginava, mas Paula os observava atentamente entre a multidão que ocupava o salão. Lembrava muito bem de José Aldo dizer que tinha apenas uma filha. Ele não falou muito sobre a menina, mas ela pôde perceber que Arlete não tinha compromisso. Por volta de nove e meia da noite muitos convidados já haviam ido embora, o que permitiu a aproximação que ela tanto desejava. Levantou da mesa onde estava com marido e filho e foi andando até o alvo. - Paula. Onde tu vai? Paula?! – Chamou Luciano.
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