Suicídio

1718 Words
Inês contou para o pai sobre o ocorrido, e José disse à filha que ela não iria mais dar aulas, pois a escola ficava numa rua pra dentro, em direção ao povoado onde o rapaz que lhe ameaçou morava. A jovem disse que não iria parar de trabalhar por causa de um maluco que não sabia ouvir não, e seu pai lhe disse que caso acontecesse algo com ela todos iriam suspeitar, já que ela estava na rota de onde o homem morava e já havia sido avisada por ele. Inês retrucou novamente que o errado era Hélio, e não ela. Arlete chegou em casa esbaforida e com cara de choro, fato que logo foi notado por Margareth. - Letinha o que que aconteceu filha? - Nada mãe. - Tu chorou? - Não. Deu uma ventania e entrou terra no olho. E passou correndo pro quarto. Sexta-feira de manhã Inês deu falta de uma de suas camisolas que estavam no varal, mas na correria para ir trabalhar decidiu procurar depois. Domingo de manhã, todos que chegaram para a missa se depararam com uma cena grotesca: entre a cruz que havia em cima da paróquia e a copa de uma árvore à frente da mesma, havia uma corda com um pano rosa. Conforme o vento soprava se via que o pano na verdade era uma camisola, e que estava sujo de sangue. Um rapazinho subiu na árvore e desatou um lado da corda, fazendo com que a mesma caísse no chão. Inês vinha chegando com os pais e viu a camisola caindo. A jovem correu até o pano e o juntou do chão. - Essa camisola é tua? – Perguntou um dos populares. - É. O que ela tá fazendo aqui? Ela sumiu do varal Sexta de noite. Todos olharam feio para a jovem. Além da mancha de sangue havia um papel colado na roupa. “Inês Rodrigues não é moça. Quem quiser tirar a prova que veja o sangue na roupa e pergunta a moça se não dela. Tanto o sangue quando a camisola” Inês leu o papel e se desesperou, Diva e José foram até a filha e também leram a inscrição cheia de erros. Diva arregalou os olhos como se buscasse uma explicação da menina, mas José lhe puxou pelos cabelos. - Sua rameira! Essa camisola é tua! - José! Para! Diva correu e tentou tirar o marido de cima de Inês. José batia na filha de maneira descontrolada e a boca da jovem estava sangrando. As mulheres ali presentes olhavam horrorizadas, ora para a camisola, ora para a cena de espancamento. Naquele tempo não era de bom tom uma moça ficar dispensando uma proposta de casamento sem haver um bom motivo, ainda mais em uma comunidade onde todos se conheciam. Porém Inês recusou a proposta de Hélio, e para se vingar ele furtou sua camisola e a manchou com sangue para difamá-la. José arrastou Inês pelos cabelos, e o corpo da menina se ralava pelo chão. Desesperada, Arlete queria intervir, mas Margareth segurou a filha. Agnes, que não se emocionava com nada, agora chorava como fosse ela quem estivesse apanhando. - Mamãe ela não fez nada! - Fica aqui Arlete! Não vai lá. Não defende! - Mas ela não... Margareth gritou para o marido ajudá-la a segurar a filha, mas José Aldo já estava vários metros à frente, junto de outros homens que tentavam – em vão – tirar o homem de cima de Inês. - Para Zé! Tu vai matar a guria! – Pedia Diva. - Eu vou esganar essa p**a! – Berrava o homem a plenos pulmões. *** Nos fundos de sua casa, Arlete e Agnes cuidavam de Inês. O estado da mais velha era deplorável. - Eu trouxe o balde. Agnes vinha com um balde cheio, que sendo baixinha ela m*l podia carregar. Diva vinha logo atrás tendo em mãos um vestido de Arlete, que a mesma pediu para pegar no roupeiro para que Inês pudesse se trocar. - Agora vai arder um pouco quando eu jogar a água. Tem que tirar o vestido primeiro, se não ele cola nas ferida. Cheia de vergonha Inês tirou a roupa rasgada. Arlete pegou um copo e jogou água do alto de seu ombro para limpá-la e a mais velha deu um grito agudo pela dor provocada. Em seguida ela tremeu de frio, pois a água não havia sido fervida. Diva estava dilacerada de ter que contemplar aquilo. O banho acabou e Inês se vestiu. - Obrigada. – Agradeceu ela pela roupa. - Que isso. Ficar do jeito que tava antes é que não dá. Ficou acertado que Inês dormiria na casa de Arlete aquela noite junto com a mãe. - Vocês podem ficar sim Diva. Durmam no quartinho da costura. - Deus lhe pague Margareth. No outro dia pela manhã Davi veio ver o que estava acontecendo. Chegou junto da esposa e foram direto até o mercadinho da família. Bateram mas José Carlos não atendia, e com a ajuda de mais gente eles puseram a porta abaixo. Qual não foi a surpresa de todos ao encontrarem o homem enforcado perto do caixa. - Pai! Davi berrava desesperado e até cortou a corda, porém já não havia mais o que se fazer. Seu pai estava morto. Sua esposa desmaiou em choque, e ele quis saber da mãe e da irmã. Alguém falou que elas estavam na casa do radialista, e para lá Davi se dirigiu esbaforido, sem se importar com o que via pela frente. - Abre essa porta sua meretriz! Eu sei que tu tá aí! Abre se não eu boto essa porta abaixo! Margareth e Arlete estavam tomando café na cozinha, no maior silêncio para não acordar às hóspedes, quando escutaram os berros e murros na porta. - Santo Deus! Que isso? – Gritou Margareth dando um salto da mesa e pondo a mão no peito. - Quem é? – Berrou a mulher levantando e indo até a porta. – Para com isso agora que se não eu te dou dois tiro de espingarda! A pessoa ia responder, mas ao ouvir “tiros de espingarda” se calou. - Sou eu, o Davi. Ao ouvir o nome Arlete foi abrir a porta. Davi já estava todo descomposto, e além de tudo ele arfava e tremia. - Davi! Que isso?! O rapaz já foi entrando diante de mãe e filha assustadas. - Que isso? Eu casei semana passada e oito dia depois recebo a notícia que a minha irmã se perdeu! - Ela não se perdeu. Eu tava com ela esses dias todos, eu trabalho com ela. Aquele bebum fez isso pra se vingar! - Que bebum? - Ora como “que bebum”? Tu vem aqui brigar com a tua irmã e nem sabe direito o que houve? - Arlete, não se mete. Deixa eles conversarem. - Eu tava com ela e vi. O... Nisto Diva e Inês apareceram na porta que dava para o corredor. - Filho. Davi olhou a mãe, e sua expressão se enuviou, como se ele lembrasse de algo terrível. - Mãe, o pai tá morto. Arlete olhou a mãe e olhou Davi de novo. Margareth estava sem acreditar, e Diva deu um berro. - NÃO! Inês caiu no choro e Davi gritou que aquilo era culpa dela, por dormir com um desconhecido e manchar a honra da família. A jovem se defendeu e disse que não havia feito nada, assumindo novamente sua postura forte e de peito aberto. Arlete foi até a frente da amiga e ali se posicionou defendendo-a. Ela reforçou o que Inês disse, de que a amiga realmente não fez nada errado. Margareth mais uma vez pediu à filha que não se metesse, e dessa vez Arlete surtou. - Já chega! É da vida de uma guria que tão falando! Uma guria inocente que não fez nada de errado! Aquele homem pediu ela em casamento e ela não quis!!! Não é estranho que depois disso tenha surgido a camisola lá?! E mais: vocês não tavam com ela esse tempo todo? Diva levantou do chão. - É Davi. A Inês só ficou em casa esses dias todos. Ela só sai pra trabalhar! - Então o que a camisola tava fazendo lá? – Retrucou Davi. - Eu senti falta da minha camisola Sexta-feira de noite. A senhora lembra quando foi recolher roupa mãe? Diva pareceu cair em si, e lembrou da cena. Ela lembrou que Inês reclamou de não ter achado a roupa, e chorou muito. Por capricho de um homem rejeitado toda a família estava destruída. Arlete teve que parar e respirar, pois ouvir o choro de Diva ela sentiu o coração partir. Inês chorou e abraçou a mãe, e nisto chegaram mais pessoas que confirmaram a morte de seu Zé. *** O enterro foi feito no dia seguinte, e todos os presentes se dividiram entre o luto pela perda de uma das pessoas mais queridas do bairro e os olhares tortos para Inês. Debruçada sobre o caixão do pai chorava Inês. - Pai, eu não fiz nada paizinho. Por que o senhor fez isso? De longe Arlete observava o sofrimento da amiga. Aquilo não estava certo. Inês diferia delas por ser um pouco mais velha e ainda não ter casado, mas ela era virgem sim! Uma das características mais marcantes da amiga era ser verdadeira. Elas iam e voltavam juntas do trabalho sempre e nunca paravam pra ficar de conversinha com ninguém. Quantas meninas não se davam ao desfrute nas festas de santo, ou ficavam de agarramento com alguém escondido dos pais? Depois quando engravidavam tinham que casar às pressas. Inês não era assim. Muitas mentiam que iam estudar na casa de alguém, que iam rezar ou qualquer outra coisa e iam namorar. Depois queriam ser o pilar da moral e dos bons costumes, apontando o dedo para os outros como agora faziam com sua amiga. Davi assumiu o comando do mercado, mas Diva não conseguiria mais viver ali. Ela conversou com José Aldo e Margareth, e eles concordaram que ela morasse na casa deles e trabalhasse como empregada. José já queria alguém para trabalhar lá, e Diva era alguém que eles já conheciam. Inês foi junto com a mãe, mas logo em seguida ela arranjou um casamento com um rapaz de Viamão.
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