Rita deixou Rosângela com as crianças em casa e foi pra casa dela.
Assim que entrou, Sergio perguntou:
- Como foi? Conseguiram falar com um advogado?
- Conseguimos e ela já vai começar a receber no mês que vem. Por um ano vai receber cinquenta por cento do salário dele, depois cai pra pouco mais de trinta e sete por cento, porque ela perde o direito de pensão pra ela. Só as crianças que vão receber.
- O problema é que as crianças são muito pequenas. Se ela tiver que pagar alguém pra tomar conta dos filhos, não vai valer a pena trabalhar.
- A advogada deu a idéia de dar aulas de reforço em casa. Ela é professora formada.
- Mas é uma coisa incerta.
- Nem tanto. Sempre tem gente procurando explicadora.
- E nas férias? Tem praticamente três meses de férias por ano.
- Te garanto que ela vai saber dividir o que ganhar para dar para o ano todo e depois a gente pode ajudar.
- E você acha que ela vai nos dizer se precisar de alguma coisa?
- Nós temos que estar por perto e ver como ela está se virando. Por um ano, podemos ficar sossegados. Te garanto que ele não dava a metade do salário para as despesas.
- Disso eu tenho certeza. A maior parte gastava nas farras.
- Além de tudo, era muito dissimulado. Eu nunca desconfiei de nada.
- Ela também não. Nós erramos em ter consentido que ela se casasse tão inexperiente. Só teve ele de namorado. E agora parece que ele ainda tem dúvidas sobre a paternidade das crianças.
- Como é que é?
- Fala das crianças como se fossem filhos apenas dela.
- Nunca imaginei que fosse tão baixo. Isso é pra fugir da responsabilidade. Mas vai ter que arcar.
- Será que é melhor a gente pegar alguma coisa que ele tenha esquecido de levar e fazer o exame logo?
- Não. Podem botar em dúvida o resultado. Vamos esperar pra ver se ele tem coragem de falar isso perante a justiça. Se ele falar, o juiz pede o exame e tem que ser feito no laboratório que ele indicar. Aí não vai ter como ter dúvida nenhuma.
- Então o jeito é esperar.
Na casa de Rosângela, o ambiente estava mais calmo. Pediu a uma vizinha pra dar uma olhadinha nas crianças e foi na papelaria comprar um quadro para anunciar que iria dar aulas de reforço.
A vizinha perguntou:
- Vai voltar a trabalhar?
- Tenho que voltar. O Ronaldo saiu de casa para morar com outra mulher e só as crianças têm direito a pensão.
- É, as leis mudaram.
- Durante um ano, eu vou receber, mas depois só as crianças.
- Ainda bem que você tem os seus pais. Eu vi que estiveram aqui no sábado e fizeram compras.
- É que ele tinha recebido o salário no dia anterior e como já tinha decidido ir embora, não me deu nada.
- Que safadeza! E as crianças?
- Disse que não ia sustentar duas casas. Que eu tinha que trabalhar pra sustentar meus filhos.
- E não são dele também?
- Parece que ele tem dúvida.
- Se você precisar de testemunha no processo, pode contar comigo. Você sempre foi uma mulher direita.
- Obrigada. Eu vou pendurar o quadro, mas me ajuda a divulgar.
- Conta comigo. Vou falar pra todas as vizinhas que tiverem filhos na escola.
- Obrigada. Vai ajudar muito.
- Te garanto que logo você vai estar cheia de alunos.
- Deus te ouça. Não quero voltar a depender dos meus pais.
- Não é bom mesmo. Você já é independente e aceitar ajuda faz com que você tenha que voltar a obedecer.
- Isso também, mas meu pai trabalhou muito para receber a aposentadoria e não é justo ficar gastando comigo. Afinal, sou uma mulher casada.
- Te garanto que eles ajudam por amor a você e as crianças.
- Eu sei. Mas tenho que aprender a me virar.
- Vou pra casa, se precisar de alguma coisa me chama.
- Obrigada.
Telma, a vizinha, cumpriu o prometido. Assim que entrou em casa, ligou para diversas amigas que tinham filhos, oferecendo o serviço de Rosângela.
Logo no dia seguinte, tocaram a campainha. Era uma mulher com duas crianças, que perguntou:
- Você está dando aulas de reforço?
- Ainda não tenho alunos, mas vou dar sim. Sou professora formada.
- Meus meninos estão com dificuldades na escola. Você pode ajudar eles?
- Claro. Entre por favor. Quem me indicou?
- Foi a Telma. Eu nem sabia que tinha uma professora aqui perto.
- É que quando casei, parei de trabalhar, mas agora que voltei a ficar sozinha, tenho que me sustentar.
- Ficou viúva?
- Não. Foi morar com outra.
- E você ficou sozinha com três crianças pequenas?
- Eles vão receber pensão. Eu é que não tenho direito porque sou nova ainda.
- Posso te dar um conselho?
- Claro.
- Paga autonomia. A mocidade passa e você vai ficar velha um dia. Assim, se aposenta também.
- Vou procurar saber como funciona.
- Você tem que tirar um NIT no instituto e comprar o carnê.
É muito fácil.
- Obrigada. Vou fazer isso assim que puder.
Conversaram e combinaram o preço das aulas. Combinaram que os meninos viriam todos os dias depois da escola e ela ajudaria com os deveres de casa. Assim eles iriam aprender mais fácil.
A mulher foi embora e Rosângela comemorou. Já tinha seus primeiros dois alunos.
Logo apareceu mais gente procurando e rapidamente, Rosângela estava com mais de vinte alunos de idades variadas. Procurou combinar as aulas para cada grupo da mesma idade e série.
O mês passou rápido e sempre apareciam novos alunos. Os que melhoraram na escola, indicavam Rosângela para os colegas de turma, e muitos vinham a procura de entender a matéria.
O dinheiro da primeira pensão caiu na sua conta. Pelo visto, Ronaldo tinha desistido de pedir demissão. Logo deveria ter a audiência de conciliação. Estava nervosa, Ronaldo não tinha procurado ver as crianças nenhuma vez.
No dia marcado, seus pais lhe acompanharam para ajudar a olhar as crianças.
Ronaldo chegou, e nem olhou pra eles.
Dentro da sala, durante a audiência, falou:
- Porque eu tenho que sustentar essas crianças se não tenho certeza que são minhas?
O juiz perguntou:
- A sua esposa cometeu adultério?
- Não sei. Trabalho o dia inteiro e não tenho tempo para vigiar.
- Mas encontrou tempo para arranjar outra mulher e deixar a sua esposa com seus filhos, que só não passaram fome porque os avós, pais dela, ajudaram. O senhor vai fazer o exame de DNA e as crianças também.
- Eu não vou fazer exame nenhum.
- O senhor está me desacatando. Vai fazer o exame porque eu estou ordenando. O senhor sabe muito bem que os filhos são seus e vai continuar a sustentar eles sim.
- Eu vou pedir demissão e trabalhar sem carteira assinada.
- O senhor está preso!
- O senhor não pode fazer isso!
- Estou fazendo.
Ronaldo saiu da sala algemado. Foi levado para a delegacia próxima e no dia seguinte, uma enfermeira foi tirar seu sangue para o exame.
Ele tentou impedir, mas diante da ordem judicial, dois policiais seguraram ele e o material foi colhido.