O vestido era pior usando do que visto. Eu passei longos minutos diante do espelho, tentando ajeitar meus s***s dentro do bojo, mas nada dava jeito. Pelo tamanho tão exagerado, eu não conseguia manter os s***s dentro do bojo sem que eles caíssem para o lado. Foi uma tortura.
Tive a ideia de tirar o bojo, só que meus s***s continuavam caindo. Eu bufei de frustração, levando um susto quando um g**o cantou. Eu não era acostumada com a vida no campo. Eu nem sabia que as galinhas poderiam sobreviver num quintal de casa.
Foi assustador saber que eu era tão mimada que nunca tinha sentido nenhuma vontade de conhecer a realidade de inúmeras famílias brasileiras. A impressão era de que eu sequer era daquele país. A diferença cultural era muito gritante.
De tempos em tempos, ainda mais pela janela do quarto estar virada para a rua, eu escutava alguns carros com som alto passando. Eu odiava música alta. Eu odiava show ao vivo. Odiava multidões. Não havia nada no mundo que me faria torcer o nariz com tal força quanto um baile na favela.
Eu odiava tudo que representava aquilo. Não conseguia entender como é que as pessoas consideravam tão legal estar espremidas e suadas e admirando carros rebaixados. Eu achava um desperdício de dinheiro quando visualizava, pela cidade grande, algum carro rebaixado tentando passar por uma lombada.
Eu sempre ria daquilo, debochando, agora teria de encontrar alguma forma de debochar sem que ninguém percebesse e tomasse aquilo como ofensiva.
Olhando-me no espelho, percebi o quanto aquilo era ridículo. Não só a minha roupa e aquela missão dos infernos. O fato de eu ter que ficar me policiando para saber os momentos certos de sentir medo. Eu não queria deixar ninguém pensar que eu tinha medo de alguma coisa. Só que não podia colocar tudo a perder.
Eu tinha de me enfeitar feito uma árvore de natal, e me equilibrar em saltos para atrair a atenção dos homens, ou não chegaria em lugar algum com aquela operação. Eu odiava meu superior. Odiava meu trabalho. Odiava a mim mesma, por ter aceitado aquela situação. Não havia como julgar Mariana por utilizar daquelas táticas para chegar a algum lugar.
Eu estava fazendo o mesmo, até pior. Ainda não tinha dormido com ninguém em busca de informações, mas, o que impediria de isso acontecer? Certamente que não o meu cargo e a minha expressão esnobe.
— Juju, usa isso aqui — disse Mariana, irrompendo repentinamente pela porta aberta do quarto. Ela me entregou o que parecia um t**a s**o do tamanho de uma moeda. Eu a observei com um olhar indagador. — É para os m*****s. Você tira os adesivos de cada lado e prende na altura que fica melhor no tecido. Se quiser, eu faço isso por você.
— Ah, não. Não, não. Obrigada — falei, virando-me com as duas mãos no seio para os esconder. Já bastava ter ficado nua para que aquela força tarefa de maquiadores e depiladores me despelasse como um frango, eu não tinha de ficar nua na frente da minha colega de trabalho. Mariana deu de ombros, afastando e cantarolando baixinho uma música bem característica daquele lugar. — Só não me diga que vou ser obrigada a aprender a gostar de Funk. Isso, sim, é suicídio social.
— Ah, Juju, quem vê até pensa que gostar de Funk é um crime — murmurou ela, abrindo a boca para passar o batom nos cantinhos. A maquiagem dela estava mais forte do que a minha, e até apagava um pouco da sua beleza. — Além do mais, você terá de frequentar os bailes se quiser descobrir alguma coisa. Foi em um deles que o patrão quase foi morto. Você terá de estar lá para encontrá-lo.
— Mas a intenção de trabalhar no bar não é justamente essa? — perguntei, arqueando uma sobrancelha.
— E onde você acha que o bar se localiza? — indagou ela, também arqueando as sobrancelhas. Eu revirei os olhos. Mariana deu risada. — Juju, vai por mim, você vai ficar bem. Eu sobrevivo há um ano neste lugar. Eu sei do que estou falando. Ninguém vai mexer com você, se você andar na linha e não mexer com ninguém também. Você sabia que a maioria das pessoas ricas vem até aqui não só para comprar drogas, mas por gostar verdadeiramente da favela?
— E o que mais tem para se gostar além das drogas nesse lugar? — indaguei.
Mariana me lançou um olhar afiado, mas não falou nada. Ela sabia que se defendesse o local com muita vivacidade, eu poderia delatar tudo para o nosso superior. Ela tinha medo de mim, e era bom que tivesse.
Pelo menos assim não ficaria no meu caminho e eu não teria de forçar a barra para deixar bem claro como é que aquilo terminaria. Mariana continuou se maquiando em silêncio, enquanto eu tentei acessar meu celular. Ele não tinha internet mesmo, e os meus colegas de trabalho nem se deram ao trabalho de colocar créditos para mim.
Mesmo assim, eu recebi alguns torpedos com instruções para viver sem riscos na favela. Era como um manual de sobrevivência, e foi ridículo que alguém tivesse se dado ao trabalho de escrever. Dei risada enquanto deslizava os dedos pela mensagem, e fiquei indignada por não encontrar nada útil até o fim dela.
Ninguém mandou alguma mensagem querendo saber se eu estava bem. Ninguém se preocupou. Mas eu não estava triste. Eu realmente não tinha alguém que se importasse comigo. Por isso minhas missões eram tão bem sucedidas.
Eu nunca tive nada para perder. Então era quase certeza de que eu teria todo o sucesso em capturar Picasso com minhas próprias mãos. Tudo o que eu precisava, era de uma oportunidade, e graças ao destino, ela chegou naquela noite.