Curiosidade e medo tomaram Marielle de assalto. Curiosidade, pois queria saber se o bebê havia nascido, se o destino tinha sido mais brando com a pobre garota. Medo, porque era impossível se aproximar de Deirdre e, ao mesmo tempo, manter-se afastada de Cedric. Durante o dia, o medo venceu a curiosidade. Marielle ignorou o recado. Embora se comovesse com a situação da moça, não estava disposta a se envolver. Se quisesse ajudar alguém, enfiaria alguns dólares num envelope e o enviaria a uma instituição de caridade. Deirdre, Cedric e seus problemas não lhe diziam respeito. Mas à noite, na solidão do apartamento, Rusty tinha ido à casa de um velho amigo, a curiosidade foi mais forte. Armando-se de coragem, Marielle pegou o telefone e discou o número. Cada toque tornava a espera mais tensa.
Quando enfim a enfermeira atendeu, o coração de Marielle saltou. Deirdre não podia falar. Estava em pleno trabalho de parto. Para ter notícias da criança e da mãe, deveria ligar mais tarde. Ela desligou, soltando um longo suspiro de alívio. Pelo menos estava livre das crises histéricas de Deirdre. Bem, o melhor agora era esquecer o assunto e dar uma olhada nos folhetos de turismo. Desde sua visita à agência de viagens estava convencida de que Paris não representava apenas um sonho. A excursão estava a seu alcance. Era possível pagar as despesas em prestações. Dessa forma, lhe sobrariam alguns dólares para compras. A ideia a entusiasmava cada vez mais. Passaria uma semana visitando museus, igrejas, monumentos erguidos ao longo da história... Seria maravilhoso! Isso sem contar a comida, os vinhos e a romântica música francesa! Voltaria de lá um pouco mais culta. Poderia até esticar o passeio a outros países. Por que não? Oferecia-se muitas facilidades e um passeio como aquele se equiparava a um verdadeiro aprendizado. Com certeza Cedric Greenleaf passaria a respeitá-la mais, quando soubesse. Ora, por que diabos estava pensando nele? De que lhe importava a opinião dele?
Durante a segunda semana, ficaria sozinha, desligada da excursão. Na realidade, relutara bastante em aceitar a viagem com uma turma preestabelecida. Detestava se submeter a horários rígidos. Afinal, o que mais prezava na vida era a independência e liberdade. Contudo o agente lhe havia assegurado que não existia outra opção melhor, pois o guia se encarregaria dos hotéis, refeições e eventuais imprevistos. Além disso, conheceria outras pessoas, faria novas amizades. Quando já estivesse familiarizada com o local e os hábitos da cidade, aí sim, seguiria só, gozando de total liberdade. Estava tão ansiosa que não conseguia dormir.
Três dias depois, não resistiu e foi até a agência de viagens fazer as reservas. Desta vez, porém, não usou o carro. Colocou um abrigo vermelho de moleton, meias grossas, tênis, e foi correndo. É claro que não achava bom praticar esporte daquela maneira, no meio do tráfego, respirando ar poluído. Mas não suportava os engarrafamentos.
— A senhora tem certeza de que já quer a reserva? — o agente repetiu pela terceira vez. — Se mudar de ideia, perderá o sinal. Olhe que é a metade do p*******o!
— É isso mesmo que quero.
O coração de Marielle batia forte pela ansiedade. Há algum tempo, quando não tinha o suficiente para pagar um sanduíche, não sonhava em preencher um cheque daquele valor, em gastar tanto dinheiro de uma só vez. Por isso, valorizava cada tostão que ganhava. Conhecia bem o que era uma existência na pobreza e considerava-se uma exceção por ter conseguido enriquecer. A maioria das pessoas que como ela vinham de classes mais humildes dificilmente conseguia o que ela havia conquistado. Porém, ter consciência disso não a impediria de ser feliz. Ia viajar a Paris. Ao entregar o cheque, sorriu. A emoção era grande, Paris... mais um sonho que se tornava realidade. Ao sair da agência, estava tão distraída que esbarrou numa moça grávida.
— Perdão! — desculpou-se, sem graça.
— Não foi nada. Eu é que ando meio desequilibrada com esta barriga enorme — a ruivinha era simpática.
Devia ter uns vinte e cinco anos. Usava óculos grossos que lhe encobriam um pouco a beleza.
— É seu primeiro filho?
— Não. Já tenho uma menina de dois anos. — Ela sorriu espalmando as mãos sobre o ventre dilatado. — Aqui dentro tem dois garotões.
— Dois? São gêmeos?
— Sim. Não é maravilhoso?
Pouco depois, despediram-se. Marielle gostava de conversar com pessoas desconhecidas, de trocar pequenas amabilidades com quem nunca tinha visto antes e provavelmente nunca mais veria. Achava que, se todos agissem assim, o mundo seria melhor, mais cordato e humano. Era h******l sair por aí e ver gente carrancuda sem ânimo e disposição. A estes, talvez faltasse apenas uma palavra amiga ou um gesto delicado. Respirou fundo e começou a correr, em ritmo cadenciado. Era um de seus exercícios favoritos. Todos os músculos do corpo se movimentavam, sem excesso de esforço para qualquer um deles. A respiração seguia o compasso das passadas.
Àquela altura, Deirdre já devia ser mãe, pensou. Seria um menino ou uma garotinha? Estaria tão contente quanto aquela ruiva? Toda mulher deveria se sentir feliz após o parto. Adiante, ao cruzar a praça, Marielle afundou o tênis na terra molhada. O que estava havendo ali? A sujeira era enorme, com blocos de granito e mármore empilhados em toda parte. Homens em uniformes azuis andavam de um lado para outro, como num formigueiro... Oh! Como não havia se lembrado? Tratava-se da construção da fonte luminosa Greenleaf. Tanta movimentação para promover o ego de um único homem, Cedric Greenleaf. Parou por um instante a fim de observar a obra. Como a vaidade de alguém podia ir tão longe? Com a doação da fonte à cidade, Cedric apenas demonstrara seu poder e prestígio. Um t**o, que não via prazer nas coisas simples da vida. Bem, para que se perturbar com ele? Nunca mais o veria...
Ao olhar para o outro lado da praça, deparou-se com o gigantesco arranha-céu de mármore rosado da Companhia de Doces Greenleaf. Era ainda mais imponente e austero que a mansão em que seus proprietários moravam e uma das primeiras construções do gênero na cidade. A porta era enorme, de ferro entalhado. Sobre ela, a data de fundação da companhia, 1883. O edifício se transformara num monumento histórico, bem no coração de San Diego. Pelo menos, era o que o Conselho do Patrimônio Público dizia. Tudo ali era original, construído e idealizado pelo bisavô de Cedric, um homem empreendedor e arrojado. Marielle já ia se preparando para seguir a corrida, quando se deteve outra vez. Nunca havia entrado naquele prédio. Há alguns anos, não ousaria transpor a magnífica porta, pois não poderia pagar doces finos.
Hoje, professora de ginástica, era radicalmente contra o uso de açúcar. Engordava, criava celulite e flacidez. Assim ela não conhecia a loja do andar térreo, que, ao que diziam, parecia um sonho. Vencida pela curiosidade, resolveu entrar e dar uma olhada. O movimento era intenso. Olhou para os dois lados da rua, com medo de ser reconhecida por algum aluno. Então, como uma criança marota, entrou depressa.
O cheiro de chocolate a envolveu. Aquilo era mais, muito mais que um sonho; era um mundo de cores, formas e fantasias. No salão imenso de assoalho de mármore preto, tudo reluzia. As paredes e colunas eram revestidas com madeira escura e espelhos, nos quais o emblema da família estava gravado. Os balcões, colocados lado a lado em toda a extensão, seguiam o mesmo padrão das paredes, a madeira encerada contrastava com as prateleiras de espelho e o tampo de cristal.
Das janelas pendiam cortinas de veludo vermelho, presas por laços acolchoados. A parede do fundo sustentava uma pintura bucólica que faria inveja a qualquer pintor barroco. Porém, o mais impressionante era o lustre preso ao teto por uma corrente de bronze. Parecia uma cachoeira de gotas de água cristalina, refletindo todas as luzes. E, por todos os lados, havia caixas enfeitadas com fitas multicoloridas, vasilhas antigas, repletas de bombons, balas e outras guloseimas. Maravilhada, Marielle atentava para todos os detalhes daquele mundo mágico. A decoração e os móveis eram originais, antigos e pesados. Mas o conjunto todo possuía uma leveza incrível, uma beleza que fazia lembrar os sonhos da infância. Impossível estar ali sem nutrir uma certa admiração por Cedric. Se não fora o criador de tudo aquilo, pelo menos tivera o bom senso de não alterar nada.
— Aí está você. Por que demorou tanto? — Uma voz impaciente e rude a despertou para a realidade.
Marielle se virou para encontrar o rosto angular de Cedric.
— Eu nunca havia entrado aqui... — ela murmurou, como se tivesse despertado do sonho. — Devia haver lugares como este em todas as cidades...
— Temos quarenta e uma lojas espalhadas pelo país.
— Não podem ser mais bonitas do que esta — ela comentou fascinada.
— Fazemos o possível. — Agora, ele tinha um jeito amistoso. — Todas as nossas filiais seguem o mesmo estilo. Na minha opinião algumas superam a matriz.
— Não acredito!
— É verdade. — Ele sorriu, envaidecido. — Você gostou?
De repente, Marielle percebeu que estava demonstrando admiração demais.
— É bem apropriada para uma loja de doces. — Conteve-se, esfriando o assunto.
— Por que está vestida desse jeito? — Os olhos negros de Cedric lhe percorreram o corpo. — Está bancando a garota-propaganda?
— Eu tinha uns negócios a tratar do outro lado da praça e resolvi vir correndo da academia. — Marielle pensou um pouco e sorriu. — Sim, acho que tem razão. Estou mesmo bancando a garota-propaganda. Afinal, não há melhor publicidade do que a proprietária de uma academia correr pelas ruas, exibindo saúde, disposição e flexibilidade!
— Você se esqueceu de mencionar beleza. — Pela primeira vez a surpreendia, dizendo-lhe algo agradável. — Proprietária?! Você é dona de uma academia?
— Isso mesmo. — Marielle disfarçou a satisfação.
Era tão empresária quanto o famoso Cedric Greenleaf!
— Sou faixa preta em caratê — ele continuou. — É assim que gasto minha energia. — E novamente os olhos dele exploraram as curvas de Marielle.
Ela não corou, mas sentiu o coração bater descompassado. Sabia muito bem a que Cedric se referia. E com que sensibilidade ele fazia! Insinuava-se sem se alterar, deixando no ar um convite velado e malicioso. Era um homem provocante, sem dúvida um verdadeiro sedutor com aquele jeito inocente, quase infantil, que agora exibia. Porém tanto charme deixava-a de sobreaviso: lembrava-a de Deirdre, a infeliz que caíra nas garras desse homem.
— Já foi visitar Deirdre no hospital? — Marielle não evitou a pergunta. — Ela já teve o bebê.
Cedric não demonstrou surpresa ou aborrecimento. Baixou os olhos, pensativo. Quando falou, estava calmo e meio irônico:
— Estatisticamente, há mais de cem mulheres tendo um bebê em San Diego neste exato momento. Nem por isso pretendo visitar qualquer uma delas. Não tenho motivos para sair por aí, levando presentinhos para recém-nascidos ou jovens mamães.
— Ela não é uma mãe qualquer! — Marielle protestou. — Deu a luz a um filho seu, Cedric!
— Não consegue enfiar na sua cabeça dura que nunca vi essa mulherzinha!
Marielle fez uma pausa, todavia retrucou logo:
— Se não a conhece, por que achou que eu o procuraria outra vez?
— Quer uma resposta sincera?
— Sempre quis, sr. Greenleaf. Não me assusto com o que pensam de mim.
— Eu a esperava no dia seguinte, com uma proposta de acordo. Pensei que fosse me pedir uns cinquenta mil dólares para Deirdre. Espantei-me com sua demora.
— Deirdre não quer dinheiro. Ela quer você, seu carinho e amor! — Marielle também sabia ser irônica. — Será que isto é tão difícil de entender?
— Ela teve um menino ou menina?
— Na verdade, ainda não sei. Não pude visitá-la no hospital e...
— Ah! A boa samaritana cometeu o primeiro deslize.
A rapidez de raciocínio de Cedric a atordoava. Mesmo assim, Marielle não se deixou confundir:
— Não cabe a mim visitá-la. A obrigação é sua!
Naquele momento, ela desejou não estar vestida com tanta displicência. Sempre que se encontrava com Cedric Greenleaf, parecia uma simples esportista e não uma mulher de negócios, realizada e independente. Isso lhe dava uma sensação de inferioridade.
— Preciso ir agora — ela disse num impulso.
— Não tem nada a me dizer?
— Como assim?
— Por que veio até aqui? — Ele riu. — Estou esperando que cumpra sua missão.
Então, ela entendeu o que ele queria dizer. De um modo sutil, a chamava de chantagista. Ainda não se convencera de que nem ela nem Deirdre se interessavam por seu dinheiro.
— Escute aqui, sr. Executivo. — Marielle não tinha nada a perder se fizesse uma cena; o vexame e os prejuízos seriam apenas do irrepreensível proprietário. — Entrei nesta loja por mera curiosidade, porque nunca havia posto os pés aqui. Mas se isto o incomoda prometo não voltar. O lugar é bonito, porém as pessoas daqui são perversas e não têm moral! — generalizou embora quisesse atingir apenas a ele. Feliz com o pequeno discurso, que o tomou de completa surpresa, Marielle deu-lhe as costas completando: — Adeus, Cedric Greenleaf! — E acenou, sem esconder a satisfação.
Todavia ele a seguiu até a porta.
— Espere um pouco — falou, tocando-lhe o ombro. — Se não quer cinquenta mil dólares, por que não aceita alguns bombons?
Então, Cedric esticou o braço e, de uma das prateleiras, pegou uma caixa branca, enfeitada com um enorme laço de fustão cor-de-rosa. Sem saber como nem por quê, Marielle aceitou o presente. Antes que pudesse agradecer, Cedric tinha se virado e voltado a seus afazeres.
De volta ao Sun Studios, não sabia o que fazer com os chocolates... Poderia jogá-los fora, mas... a caixa era tão bonita e delicada! Não tinha coragem de atirá-la pela janela. Por outro lado, não podia guardá-la. Representava exatamente o que ela considerava uma ameaça a uma alimentação saudável. Imagine só, uma caixa repleta de corações de chocolate! Se Rusty visse aquilo, a perturbaria pelo resto do ano.
Por que afinal havia entrado naquela loja, que durante tantos anos lhe passara despercebida? E agora, o que fazer com tantos doces? E na certa apetitosos... Não! Não os comeria. Abriria a caixa, apenas para dar uma olhadinha. Desatou o nó, separou as minúsculas flores secas e abriu a caixa.
— Minha nossa! — exclamou.
Os bombons eram lindos! Ao redor de cada pequeno coração de chocolate, passava uma fita fina, bem vermelha. No laço, as mesmas flores da embalagem. Marielle fechou-a depressa. Mais um segundo e abandonaria as convicções! Guardou o presente na gaveta da escrivaninha, onde ninguém podia mexer. Mais tarde, resolveria que destino lhe dar.
No fim do dia, subiu ao escritório novamente. Agora tinha tempo de falar com Deirdre e saber as novidades. Reclinou-se na cadeira e esticou os pés sobre a mesa. Mas, antes que discasse o número, não resistiu e abriu a gaveta. A caixa continuava no mesmo lugar. Haveria algum m*l em comer um só coração? Apenas para experimentar? Sem pensar duas vezes, Marielle pegou um e o provou.
— Alô! Gostaria de falar com a srta. Deirdre Wheeler. — O gosto era delicioso! Derretia e espalhava-se pela boca toda. — Alô, Deirdre?
— Marielle! É um menino!
— Parabéns!
— Estou tão feliz! O garoto é lindo, perfeito. Pesa quase quatro quilos. Não é uma maravilha? Vai se chamar Cedric. É a cara do pai!
A alegria de Deirdre confundia Marielle, quase levando-a a suspeitar que Cedric era mesmo vítima de um plano sórdido.
— Eu sabia que iria me telefonar — do outro lado, Deirdre não perdia a empolgação. — Foi tão boa para mim. Nunca conseguirei lhe agradecer.
Marielle ficou embaraçada. Tinha levado a moça para o hospital porque o guarda assim determinara; fora chamar o pai da criança, porque não havia encontrado alternativa e estava telefonando, porque Cedric desmentira a história. Não passava de uma mera curiosidade feminina. Com dor na consciência, Marielle resolveu visitá-la no dia seguinte.
O hospital era o mesmo da noite do acidente. Estranho, pois ficava num dos bairros mais elegantes de San Diego e, com certeza, devia ser caríssimo. Marielle ficou imaginando quem pagaria a conta, mas controlou-se e nada perguntou. Deirdre também não tocou no assunto. Talvez houvesse economizado durante toda a gravidez para dar ao filho esse conforto. Era incomum, porém perfeitamente compreensível.
Deirdre também não mencionara parentes. Talvez, fosse sozinha no mundo como ela própria e não possuísse família. Ou, quem sabe, estivesse brigada com os pais, por causa da gravidez. Ainda existia gente capaz de expulsar uma filha de casa por isso. Era impossível olhar para Deirdre, de brilhantes olhos azuis, sem sentir uma pena profunda.
— Que coisas lindas! — a garota disse, revendo todos os presentes que Marielle havia levado. — Oh! Tudo seria perfeito se...
Contudo ela não terminou a frase. Marielle sabia exatamente do que e de quem falava. Cedric Greenleaf tratava-se mesmo de um mentiroso e ignorava o próprio filho! Quando visitaram o berçário, Deirdre não escondeu o orgulho.
— Ele não é lindo? — comentou, os olhos fixos no bercinho. — Compare-o com os outros. Não é muito mais bonito e esperto?
Marielle não achava nada daquilo. Era um bebê como outro qualquer. Sem dúvida, grande e forte. Havia nascido com um bom peso. Porém parecia com qualquer outro recém-nascido.
— Tinha de sair tão bonito! — Deirdre continuou com um sorriso por entre os lábios vermelhos. — Cedric jamais teria um filho f**o. Não acha que o Júnior se parece com o pai? Veja as mãos longas, os cabelos pretos, o nariz...
— Sim, Deirdre, são parecidos.
O que falar a uma mãe envaidecida? O jeito era concordar...
— Como está ele? — A fisionomia de Deirdre mudou de repente.
Traços de ansiedade marcaram a testa.
— Cedric?
— Você o tem visto?
Deirdre não podia ter feito uma pergunta mais constrangedora. Como dizer que o tinha encontrado na loja e que, de uma maneira sutil, ele lhe propusera uma relação mais íntima?
— Não o procurei mais — a resposta foi evasiva, embora verdadeira.
O certo é que nunca o procuraria de novo. Aliás, evitaria qualquer encontro. Quanto mais o tempo passava, mais desprezava aquele homem, capaz de se desfazer das amantes como objetos descartáveis. Lá estava a pobre Deirdre, apaixonada e esperançosa, internada num hospital, tendo pela frente a responsabilidade de criar e educar um filho, enquanto Cedric não se importava nem um pouco com o pequeno anjo. Era triste e revoltante ao mesmo tempo.
— Deirdre... — Marielle tomou coragem. Era necessário que a infeliz caísse logo na realidade. Por mais c***l que fosse, melhor a verdade do que uma falsa esperança. — Consegui falar com Cedric naquela noite. Ele se recusa a admitir a paternidade. Diz que jamais tocou em você.
Uma lágrima se formou no canto do olho de Deirdre. Ela baixou a cabeça, meio envergonhada e muito decepcionada.
— Não sei o que fiz para que Cedric me odiasse tanto — a jovem murmurou com o resto de forças que lhe restavam. — Preferia nunca tê-lo conhecido. Maldita hora em que fui trabalhar na loja.
— Loja? Quer dizer a Companhia de Doces Greenleaf? Foi lá que conheceu Cedric?
— Sim, eu arrumava as caixas de chocolate. Todos os dias, hora após hora, fazendo a mesma coisa, usando aquelas luvas brancas, aquele gorro horroroso. Tratava-se de um trabalho cansativo, porém necessitava tanto do dinheiro! Você não pode imaginar o quanto o cheiro de chocolate pode enjoar uma pessoa. Eles deixam os funcionários comer o quanto quiserem, sem a menor restrição, porque sabem que as náuseas não tardam a chegar. Hoje em dia, a simples lembrança de uma barra de chocolate me faz m*l. — Deirdre respirou fundo, procurando coragem para continuar. — Como ia dizendo, foi lá que conheci Cedric. Ele me mandou ficar até mais tarde uma noite, alegando que havia serviço atrasado. Depois que todo mundo tinha ido embora, me convidou para subir até o escritório, no último andar do prédio. Você já deve saber o resto... havia um sofá macio, confortável, a vista era linda e ele usou as palavras certas.
Cedric não poderia ter sido mais vil! Talvez não estivesse mentindo ao dizer que não se lembrava de Deirdre, Marielle pensou. Provavelmente, já tinha perdido a conta de quantas funcionárias havia levado para o sofá. Covarde!
Naquela mesma noite, Marielle tomou uma decisão. Seria amiga de Deirdre, ajudando-a a lutar contra o poder esmagador e corrupto dos Greenleaf. Seria uma aliada, um apoio amigo e o contrapeso no lado fraco da balança. Cedric queria guerra, pois guerra teria!