CAPÍTULO I
MORRO DO ALEMAO-RIO DE JANEIRO
POR DON
A conversa com aquela maluca me fez refletir muito, e no fundo eu achava que ela tinha razão, essa minha história com a Madu, havia ido longe demais, era um jogo de orgulho, eu não queria perder ela, ainda mais para o cara que provocou mesmo sem saber a morte da minha mãe, mas o Miguel não era muito diferente de mim, ele também teve que se adaptar as merdas que a vida o impôs assim como eu. A Madu foi como uma flor que surgiu em meio à lama, a minha vida era essa lama, e ela o raio de sol na escuridão, eu projetei nela uma vida perfeita, uma mulher perfeita, mas a verdade é que a minha vida é uma grande merda, dia após dia tentando cuidar desse lugar, vivendo uma vida que não é minha, uma vida que eu nunca quis, uma vida que me foi imposta, como eu disse apenas mais e mais merdas dias após dia.
Chego em casa e tomo um banho, preciso tentar raciocinar, eu não quero fazer parte disso, eu não vou mais atrapalhar a vida da pequena, e se for pra ela ser feliz que seja com o playboy, que assim como eu arriscou a vida para salvar a dela, ela estará segura ao lado dele, e ele pode tirar ela daqui.
Visto uma calça de moletom e uma camisa, estou descendo para a sala quando meu celular toca.
—Fala—digo.
—Ai chefe tem uma tal de Júlia aqui, disse que é sua amiga e quer subir, eu deixo ou dou um jeito na gostosa aqui mesmo—Nando inquire.
Aquilo me incomodou.
—Mande alguém trazer ela, e nunca mais se refira a ela assim—digo irritado.
—Foi m*l chefe—ele diz desligando.
O que ela queria aqui? Ela não disse que não gostava de mim?
Aliás, isso me incomodou um pouco, mas uma coisa Nando tinha razão ela era realmente gostosa, a Júlia era o retrato mais fiel de um anjo e um demônio, bonita muito bonita, mas o gênio é do cão.
Logo a campainha toca, e abro a porta pra ela, claro que não perco a chance de provoca-la, quando ela revira os olhos tenho vontade de dar umas palmadas naquela b***a enorme dela.
Ela entra e então após nossas provocações ela me entrega um papel, um bilhete de Madu.
Sento-me e começo a ler aquelas palavras.
Evandro... Eu juro que não queria estar fazendo isso assim, mas eu não posso te ver mais, refleti muito e Júlia tem razão eu não posso te prender nessa loucura toda, não é certo. Eu sempre vou te amar Don, você sempre será a pessoa que me ensinou a amar, o cara que fez meu coração acelerar pela primeira vez. E em nome desse sentimento eu vou te deixar livre para ser feliz, para encontrar alguém que tenha certeza que te quer na vida dela, alguém que enfrente tudo por você, alguém que você vai sorrir só de lembrar-se do sorriso dela. Esse alguém não sou eu... E esse alguém não é você para mim, quando olho para o futuro não consigo ver três pessoas apenas duas, e a outra pessoa não é você. Talvez Miguel e eu não fiquemos juntos não tenho certeza, mas uma certeza eu tenho você merece alguém que te ame a cada batida do seu coração.
Com amor pequena...
Olho por mais alguns segundos aquele papel e o amasso entre meus dedos, eu não estava surpreso eu sabia que isso aconteceria, eu sabia que ela amava ele e no final da história sempre foi ele, se fosse preciso escolher ela sempre escolheria ele.
Levanto-me e olho para Júlia.
—Eu sinto muito—ela diz.
—Você estava certa, isso nunca daria certo mesmo—digo.
—Eu queria que tivesse outra forma, mas não tem, às vezes temos que encarar nossos problemas, enfrentar nossos monstros e nos adaptar com a realidade, você já fez isso antes quando sua mãe veio pra cá—ela diz.
—Como sabe disso?—questiono desconfiado.
Ela coloca a bolsa no aparador próximo a porta.
—Tem uísque?—pergunta.
—Só cerveja, serve?—inquiro.
—Sim—ela diz então pego duas cervejas e entrego uma para ela.
—Vamos lá me fala tudo—digo.
—Olha o que eu vou te contar só minha família sabe, nunca falei sobre isso com ninguém mas se é para falar você é a pessoa mais indicada—ela diz.
—Eu sei que não gosta de mim, mas pode confiar em mim—digo.
—Minha mãe nasceu e cresceu aqui no alemão, meu avô abandonou minha vó grávida, a típica história, mas ela trabalhou dia e noite como doméstica para criar a minha mãe, quando minha mãe tinha dezesseis anos, minha avó morreu, teve uma parada cardíaca e não resistiu, minha mãe ficou sozinha e sem ter como se sustentar—ela diz e uma lágrima rola pelo seu rosto.
—Pode falar Julia—digo.
—Minha mãe sempre foi muito bonita, chamava atenção por onde passava, mas ela não queria ter a mesma vida da minha avó, ele queria sair daqui, mas o destino foi c***l com ela e repetiu a história. Como eu disse antes eram só as duas e quando minha avó morreu minha mãe não tinha sequer como enterra-la, aconselhada por uma amiga procurou o dono do morro, para lhe pedir ajuda com o funeral—ela diz e toma um gole da cerveja.
Eu apenas a observo encorajando em silêncio que ela continue e assim ela faz.
—O tal Tato o dono do morro, não negou ajuda a minha mãe, mas em troca reivindicou o corpo dela dia após dia, e ela sem outra opção se submeteu a sujeira dele, ela se tornou uma espécie de brinquedo para ele, até que ela engravidou, e eu nasci, durante os cinco primeiros anos ele ajudava minha mãe a me criar, até desfilava comigo no colo por essas ruas, mas aí ele foi preso, minha mãe de certa forma nutria sentimentos por ele, ficou preocupada, mas ele disse que não queria que ela o fosse ver, ele ficou muitos anos preso , minha mãe se virava como podia para nos sustentar, mas ela já não tinha a ajuda dele e não conseguindo arrumar emprego, começou a fazer programas, e foi assim durante um ano, até ela conhecer o Hector, ele era capo da máfia brasileira e tinha que se casar com uma herdeira da máfia no caso a tia Luna, enfim ele descobriu prestes a se casar que minha mãe estava grávida do meu irmão e voltou, tirando nós duas daqui—ela diz me olhando.
—Você é filha dele? É filha do Tato?—inquiro.
—Sim, eu sou filha do cara que casou com a sua mãe, e que simplesmente esqueceu-se de mim—ela diz.
—Ju, minha mãe e eu não tínhamos noção dessa história—digo.
—Nem tinham como saber, quando ele conheceu sua mãe, se encantou com a advogada ricaça, e proibiu qualquer pessoa de dizer que ele tinha uma filha com a minha mãe e sinceramente eu não faço a mínima questão de ser filha de um merda como ele, carrego o sobrenome Vendramini com muito orgulho—ela diz.
—Você me odeia por isso, por que eu estou em um lugar que é seu por direito—digo.
—Don eu não quero estar aqui, eu não quero o legado dele e você não deveria querer também—ela diz.
—Eu nunca quis isso Ju, eu nunca quis ser o dono do alemão, antes da minha mãe nos trazer pra essa vida de merda eu era um estudante, eu queria ser médico, salvar vidas e não as tirar—digo bebendo a cerveja que seguro em minhas mãos.
—Você ainda pode sair—ela diz.
—Infelizmente não, estou atolado até o pescoço nessa merda—afirmo.
—O que me incomoda é saber que fui rejeitada, eu não era o suficiente para o meu pai, e desde então eu acho que estou vivendo a vida de outra pessoa, sempre tentando me encaixar, ser aceita, meu irmão vai se tornar capo, e se eu fosse filha do Hector eu quem seria a capo, oi seja eu sou só um soldado a mais eu não posso dizer que sou filha do dono do alemão e não posso dizer que meu pai é o capo da máfia, por que eu não tenho um lugar, eu não tenho e nem sou nada—ela diz e se levanta, caminhando até a vidraça que mostra o morro todo, as pessoas passam de um lado para o outro, seguindo sua rotina.
Eu me aproximo por trás dela, e toco seus ombros, sinto o corpo dela tremer, sob o efeito do meu toque, e um arrepio sobe em minhas costas quando encosto nela, ela me olha, eu mergulho em seus olhos, observo cada traço do seu rosto, memorizando cada um deles.
—Você é incrível Júlia, e sua família tem muito orgulho de você com certeza, e ter sido rejeitada pelo dono do morro foi a melhor coisa que te aconteceu acredite, quanto a sua família não posso dizer nada sobre a máfia mas sei que são cheias de regras, e você não me parece gostar de segui-las, e você deve ter alguém que faria qualquer coisa por você—digo.
—A forma como pergunta se tenho namorado sem perguntar diretamente é incrível—ela diz sorrindo.
—Nunca fui bom com palavras, mas responde aí quem é o cara corajoso?—questiono.
—Não tenho ninguém, nunca fui de me apegar, até fiquei com algumas pessoas por um tempo, enquanto me era conveniente seja nos negócios ou no sexo, nem todo mundo tem a sorte de ter dois homens brigando por ela—ela diz.
A primeira impressão que tive de Júlia era de uma mulher m*l amada, e que não queria que os outros fossem felizes, mas agora depois de conhecer ela mais um pouco vejo o quanto a vida foi injusta com ela também, a verdade é que cada um de nós carrega seus monstros trancados no armário, cada um tem uma cicatriz, algo que deseja esquecer.
—Ouça Ju, depois de tudo que ouvi eu só tenho uma coisa para lhe dizer você é forte uma mulher fantástica e qualquer homem teria a sorte de ter alguém como você ao lado, e eu ficaria muito feliz se você me deixar ser seu amigo—digo.
Ela me olha e sorri, eu a abraço por trás e digo.
—Você merece o mundo pequena onça.
Meu coração bate acelerado e a única certeza que tenho é que quero protegê-la.