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1190 Words
7. Thales Narrando Tá ligado que sempre que eu volto aqui, o bagulho é louco. O cheiro da favela é outro, e eu sempre lembro do meu pai. Maré tá diferente, mas ainda é a mesma pra mim, tá ligado? Chego devagar, olhando os becos e as vielas, o bagulho é meu berço, onde eu cresci. E p***a, mesmo não estando mais no corre, o respeito tá ali. Todo mundo me cumprimenta, “E aí, Rajada!”. Eu dou risada, aperto as mãos da rapaziada. O vulgo nunca morre, né? Mas eu já larguei essa vida. Meu irmão, o Dudu, manda na área agora. O moleque cresceu e segurou o trono sozinho, e eu sou orgulhoso pra c*****o dele. Ele sempre me respeitou, tá ligado? Sabe que eu não quero mais essa vida de comando, de favela. Hoje, minha parada é outra, sou professor, dou aula pras crianças, ensino uma realidade diferente. Mas não tem jeito, os cria me olham diferente. “O Rajada tá aí, pô, mito!” Eu dou uma risadinha, tento não levar tão a sério, mas é f**a quando você fez parte da história do lugar. Chego na laje de casa, Dudu tá lá, sem camisa, com o fuzil atravessado no peito, bermuda, chinelo, e boné pra trás. Clássico. Ele me vê e já solta um sorriso de canto. “E aí, professor! Vai dizer que não sente saudade de meter rajada?”, ele brinca, me dando um soco de leve no braço. Dou uma risada, mas sei que ele tá meio sério por trás da zoeira. “Saudade eu tenho é de ver tu no trilho, sem arrumar problema”, falo de volta, me jogando no sofá da sala. Nossa mãe tá lá dentro, fazendo comida, cheiro bom que só ela sabe fazer. — Ah, tu tá de bobeira, mané. Um dia tu vai voltar. Vai sentir no sangue, a favela chama, irmão — ele diz com aquele olhar, mas sabe que eu já me decidi. — A favela pode chamar, mas hoje eu sou outro, irmão. Não quero mais essa vida. A escola é meu campo agora. — eu respondi Ele me respeita, mas não aceita. É aquela parada, tá no sangue. Meu pai morreu assim, defendendo o morro, e o Dudu acha que eu tenho que seguir os passos. Mas eu fiz minha escolha, e ele sabe disso. A diferença é que ele também fez a dele, e cada um tá seguindo seu caminho. Depois de uns minutos, minha mãe aparece, com um sorrisão — Meu filho, tá magrinho, hein? Tá comendo direito? — Ela vem com aquele carinho de mãe, e eu só quero aproveitar esse tempo, zoar com o Dudu, comer a comida da minha mãe e relembrar os amigos. Se ela soubesse o quanto eu malho pra ela ficar me chamando de magrinho, p**a merda. Sentar na calçada, vendo os moleques jogando bola. Alguns correm até mim, “Professor Rajada!”, gritam, rindo. Eu rio junto. Eles nem sabem, mas esse vulgo, essa vida de antes, ficou pra trás. Agora eu sou só o Thales, e é assim que eu quero continuar. Eu e o Dudu subimos o morro de moto, o barulho do escapamento estourando na favela. Tá calor, o vento batendo na cara, e o som das conversas, música e risadas misturadas pelo ar. A favela vive, cada beco com sua história. Dudu vai na frente, eu sigo atrás, tranquilo, só curtindo o momento. É f**a, porque por mais que eu tenha saído dessa vida, ainda tem aquele vínculo. O Dudu tá firme no corre, e eu respeito. Cada um na sua. De repente, a gente avista um tumulto ali na esquina. Um grupinho de moleques em volta, gritaria, e dois no meio se engalfinhando. Dudu já para a moto bruscamente, desce rápido. “Pô, o que é essa merda aí?”, ele murmura já com a cara fechada. Eu paro atrás, mais tranquilo, mas sempre atento. Chegando mais perto, dá pra ver que um dos moleques tá batendo forte no outro. Soco vai, soco vem, e o Dudu não perde tempo. Ele atravessa a roda de curiosos e vai direto no moleque que tá batendo. É o Lucas. Dudu já conhece o pivete. Agarra ele pela camisa, num puxão só, e joga pro lado. — Tu de novo, p***a?! — Dudu já chega rasgando no grito. — Eu te avisei, c*****o! Falei que se tu atravessasse da NH pra cá pra brigar de novo, eu ia te botar no desenrolado! Tu quer morrer, moleque?! Lucas cai no chão, já tentando se levantar rápido, mas dá pra ver que ficou sem graça. Ele conhece o Dudu, sabe que aqui o respeito é outro. Dudu se aproxima, o fuzil balançando nas costas, e segura o moleque pela gola da camisa de novo, forçando ele a ficar em pé. — Qual foi, Dudu? Foi ele que começou! — Lucas tenta se explicar, mas o Dudu não tá nem aí. — Que se f**a quem começou! Aqui não é bagunça, moleque! Vai querer resolver no soco o que não aguenta na ideia? Tu é o****o, p***a? — Dudu aperta a mão na camisa dele, puxando o garoto mais pra perto. Eu fico ali, quieto, só observando. Conheço o Lucas das aulas, claro, mas não vou me meter agora. O Dudu tá com sangue nos olhos, e eu sei que é melhor deixar ele resolver à maneira dele. Fico de braços cruzados, tentando parecer que sou só mais um no meio da confusão. — Dudu, foi m*l, mano. Não vai rolar de novo. — Lucas fala com respeito, mas ele enfrenta — Tu tá achando que aqui é a p***a de um colégio, moleque? Vai achando que vai ficar passando da NH pra cá e fazer bagunça. Se tu não se ajeitar, vou ter que te mandar pro desenrolado. E aí, parceiro, tu sabe o que acontece quando o bagulho estoura, né? — Dudu ameaça, mas com aquele tom que deixa claro que ele não tá brincando. Eu continuo ali, calado, só olhando o Lucas, que claramente tá arrependido de ter cruzado pro lado errado. Por dentro, tô pensando no que vou fazer quando encontrar esse moleque lá na escola de novo, mas por enquanto, deixo o Dudu tocar o terror. — Vaza daqui, antes que eu mude de ideia e te quebre agora mesmo. — Dudu dá um último empurrão no Lucas, que sai andando devagar encarando o Dudu e eu vejo ele me olhar e ficar com raiva O tumulto começa a se dispersar, e eu olho pro Dudu, que ainda tá puto. Ele passa a mão no rosto, tentando se acalmar. — Esse moleque tá achando que é o dono do morro. Toda hora aprontando. Vai acabar morto se continuar assim. Daqui a pouco a mãe dele aparece aqui, ela que nao coloque um freio nele não pra ela ver — Dudu me olha, balançando a cabeça. Eu só dou de ombros, mas por dentro já tô planejando como vou abordar essa história com o Lucas lá na escola, sem que o Dudu saiba.
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