06. Bradock Narrando
Meu nome é Bradock, e aqui na Nova Holanda, sempre fui o frente. Desde muleque, aprendi que quem não se garante na favela, vira estatística. Cresci no corre, vi de perto como o bagulho é doido, e hoje, eu comando junto com a Lua. A vida aqui nunca foi moleza, mas depois que o Léo se foi e a Lua assumiu, as coisas mudaram um pouco.
Léo era meu irmão, parceiro de todas as horas. Eu e ele fechávamos tudo. Ele tinha uma visão diferente da parada, era sangue bom, sabia conversar, negociar. Quando ele morreu, foi um baque pesado, pra mim e pra favela toda. O clima mudou, a confiança da galera balançou. A Lua teve que entrar com os dois pés no peito pra segurar o comando. E, mano, ela é braba. Mulher de presença, não abaixa a cabeça pra ninguém.
Na moral, eu respeito demais a caminhada dela. Ela veio pesada, segurou tudo na marra, e hoje a gestão tá fluindo. Claro, rola uma resistência aqui e ali, mas ela tem o meu apoio, e isso conta muito. Quando a gente se une, não tem pra ninguém.
A Nova Holanda ainda é um barril de pólvora. Cada esquina, cada beco, é treta esperando pra acontecer. Os 'alemão' sempre querem invadir, a polícia bate na porta de vez em quando, mas a gente tá na ativa. Eu e a Lua estamos sempre atentos, mantendo a paz onde dá e resolvendo as broncas quando precisa. E eu cuido do Lucas também, sou padrinho dele. Moleque tá perdido, cheio de raiva, ainda sentindo a falta do pai. O Léo era tudo pra ele, e eu vejo no olhar do garoto o mesmo brilho que o pai tinha. Só que, se não botar no trilho, vai acabar dando r**m.
Eu tento puxar o Lucas pro lado certo, mas o moleque tem a cabeça dura, é marrento demais. Ele tá vendo a mãe no comando, mas não entende o peso que é carregar uma favela nas costas. A Lua não tem tempo pra ninar ninguém, tá sempre na correria. E eu tô aqui, segurando as pontas, tentando fazer com que a Nova Holanda continue de pé, como sempre foi.
As bocas tão rendendo, o movimento não parou, e a grana tá entrando. Mas a guerra não acaba, mano. Não tem sossego aqui, nunca vai ter. A gente vive com um olho aberto e o outro piscando. Quem vacila, já era. Mas eu tô tranquilo, tô no corre faz tempo e sei como funciona o jogo. E a Lua, apesar de tudo, tá levando o nome do Léo pra frente, mantendo o respeito.
Aqui na NH, a lei é uma só: respeito e disciplina. Quem quebra, tá fora. E eu e a Lua, junto com a rapaziada, tamo garantindo que o legado do Léo continue vivo.
Tava eu, como sempre, sem camisa, fuzil na mão, só de bermuda e chinelo, boné pra trás. O calor na NH tava infernal, mas aqui a gente já acostumou com isso. Tava ali na boca, trocando ideia com a rapaziada, quando a Lua chegou bufando de raiva. Já vi de longe que o bagulho tava doido pro lado dela.
— c*****o, Bradock, não aguento mais essa p***a de escola, não, mano! Aquele moleque tá me tirando do sério! — Ela veio cuspindo fogo. — Essa diretora filha da p**a acha que vai mandar no Lucas? Tá maluca, p***a! Quero ver se ela tem peito pra enfrentar a realidade aqui de fora. Quero ver ela resolver essa merda que eu resolvo todo dia!
Eu olhei pra ela, já sabia que era treta do Lucas de novo. Moleque tava dando trabalho, isso era certo. Mas a Lua… Ela já vinha no limite fazia tempo. Ela é forte, não dá pra negar, mas até quem é casca grossa tem dia de surto.
— Calma, Lua, respira. Sei que o Lucas tá bolado, mas não adianta cê ficar assim. Cê tá botando pressão demais nele, mano. — Falei, tentando segurar a barra.
Ela parou na minha frente, a cara fervendo de raiva.
— Pressão? Pressão é o c*****o, Bradock! O moleque só faz merda! Hoje ele saiu da aula batendo porta, empurrando todo mundo, tá achando que manda na p***a toda. Igualzinho o pai dele quando tava revoltado, mas, p***a, o Léo ainda escutava. O Lucas… aquele moleque me faz querer quebrar tudo! Se ele continuar assim, vai acabar igual o pai, e eu não quero isso pro meu filho!
Ela acendeu um cigarro, as mãos tremendo de tanta raiva.
— E aquela diretora, filha de uma p**a, acha que vai me dar lição de moral? Falando que eu não sei cuidar do meu filho? Se ela soubesse a metade do que eu passo aqui na NH, ia ficar quietinha no canto dela. Bradock, se eu pudesse, eu ia lá e quebrava a cara daquela mulher agora!
Eu dei uma risada de leve, pra tentar aliviar o clima, mas ela me olhou com uma cara de poucos amigos.
— Tá rindo de quê, p***a?
— Relaxa, Lua. Sei que o bagulho tá louco, mas se tu partir pra cima da diretora, vai ser mais merda ainda. Deixa o moleque esfriar a cabeça. Ele tá cheio de ódio, mas a gente vai dar um jeito nisso. Vai ser na calma, não na porrada.
Ela deu um trago profundo no cigarro, exalando o estresse. Sabia que eu tinha razão, mas o orgulho dela não deixava dar o braço a torcer.
— Tá, p***a. Mas só de pensar que o Lucas pode virar estatística igual o pai, me dá um ódio… O Léo foi embora, e eu fiquei com toda essa merda nas costas. Agora, é só eu e ele. E esse moleque não colabora.
— Ele vai entender, Lua. Cê é f**a, mano. Ele só precisa ver que o caminho não é esse. E cê sabe que tô aqui pra ajudar, igual eu prometi pro Léo. Fica tranquila.
Ela jogou o cigarro no chão e olhou pra mim.
— Não sei, Bradock… Não sei.
A Lua já tinha sumido na quebrada, com aquele andar dela cheio de pressa e raiva. Eu fiquei ali, na boca, de fuzil na mão, pensando que hoje o dia ia ser longo. O sol tava fritando, e meu estômago já tava roncando, então resolvi mandar um papo com a Fernanda. Peguei o celular no bolso e disquei.
— Fala, mô, tô aqui ainda, dá pra eu ir pra casa almoçar? — perguntei, esperando aquela resposta de boa.
Só que a voz dela veio como um tiro.
— Ah, então cê tá no plantão, é? Plantão de quê, Bradock? Plantão de responder as piranhas no i********:, né? Recebeu mensagemzinha agora pouco e tá achando que eu sou o quê? Cega?
— Quê? — Eu parei na hora, confuso. — Que p***a de mensagem, Nanda? Eu nem abri i********: hoje, tô aqui na correria com a Lua. Que que cê tá falando?
— Ah, não abriu, né? Esqueceu que o i********: tá logado no meu celular também? Eu vejo tudo, p***a! Chegou mensagem de uma tal de “Karina” agora, e cê tá querendo me fazer de otária, né?
Eu suspirei fundo, tentando manter a calma. Conhecia a Fernanda, sabia que ela era ciumenta, mas essa era nova.
— Nanda, pelo amor de Deus... eu tô no plantão. Nem toquei no celular além de ligar pra tu. Se chegou mensagem, foi do nada. Cê sabe que eu não fico nessas paradas. Tô aqui fazendo meu corre, tentando ajudar a Lua com as tretas dela e tu vem com essa?
Ela ficou em silêncio por uns segundos, mas dava pra sentir a respiração dela pesada do outro lado da linha.
— Tu jura que não abriu? Porque eu tô cansada dessa p***a, Bradock. Toda vez é a mesma coisa. Cê tá achando que é quem? Playboyzinho que tem mulher na mão? Eu tô aqui me desdobrando pra manter essa p***a de relação, enquanto tu tá aí, rodeado de vagabunda na favela.
— Pô, Nanda, na moral, tu tá viajando. Eu nem olhei i********: hoje, e se chegou mensagem, eu vou lá apagar e bloquear. Cê quer que eu faça isso? Porque, sério, tô com a cabeça cheia de outros bagulhos pra ficar discutindo por causa de rede social.
— Apaga e bloqueia, é o mínimo, Bradock! Porque se eu ver mais uma dessas, juro pra tu que eu sumo. Não sou mulher de ser enganada, não. E cê avisa logo essas suas amigas vagabundas que eu tô de olho.
— Relaxa, Nanda. Não tem nada disso. Cê sabe que eu sou teu.
Ela deu uma bufada, mas parecia que tava se acalmando.
— Tá bom, mas não brinca comigo, Bradock. Cê sabe como eu sou.
— Sei sim, mô. Tô indo almoçar aí já, beleza?
— Beleza, mas chega rápido. Quero ter certeza que cê não tá metendo a mão em outra coisa.
Eu ri, sem graça.
— Tô indo.
Desliguei o celular e guardei no bolso, balançando a cabeça. Plantão aqui e, ao mesmo tempo, plantão com a Nanda. É f**a.