8. Lucas Narrando
Eu saí da Maré cuspindo fogo, tá ligado? O sangue fervendo nas veia, batendo no peito como um tambor maluco. Passei pelos becos empurrando tudo que tava no meu caminho, chutando latas, sacos de lixo, o c*****o. Cada passo era como se o chão tremesse junto comigo. A p***a do Dudu acha que é quem? Tá maluco, mano! Só porque manda naquela favela acha que pode me tratar como se eu fosse qualquer um. Arrombado!
Subindo o morro, a raiva não diminuía, só aumentava. O coração batendo forte, a mão fechada em punho. Eu queria voltar lá e dar na cara dele de novo. Mas é foda... os cara tudo respeita o Dudu lá.
Do nada, trombei com o Bradock. Ele tava lá de chinelo, sem camisa, só com o fuzil pendurado nas costas e o boné pra trás. O bicho me olhou de longe e já sacou que eu tava puto.
— Que que houve, moleque? Tá com a cara fechada pra c*****o, p***a! — ele falou, me parando no caminho.
Parei na frente dele, respirando fundo, ainda tremendo de raiva. Só de lembrar do Dudu me puxando pela camisa, meu sangue esquentava mais ainda.
— Mano, aquele arrombado do Dudu da Maré! — soltei, nem pensei duas vezes. — Me puxou pelo pescoço e me jogou no chão, na frente de todo mundo, tá ligado? Pra pagar de bonzão! Só porque eu dei um soco no cara lá.
Bradock levantou a sobrancelha, meio que analisando a situação.
— Cê bateu em quem, p***a? — ele perguntou, a voz grave, mas com aquela calma dele.
— Um o****o lá que ficou me zoando, falando merda, mano! Só que aí o Dudu chegou botando banca pra cima de mim. Qual foi? Eu não sou moleque mais, Bradock! Esse filho da p**a acha que vai me dar esporro na frente dos outros, c*****o?
Ele deu uma risadinha, mas aquela risada que não tem graça nenhuma, tá ligado? Tipo "tu sabe que tá falando merda, né?"
— E aí? Tu tá puto porque o Dudu te puxou ou porque tu tomou esporro na frente da rapaziada? — ele perguntou, me encarando. — Fala aí, moleque, qual é a real?
Eu fiquei quieto por um segundo, mas a raiva não deixava eu pensar direito. Eu só queria que alguém entendesse como eu tava me sentindo.
— Pô, Bradock, ele me tirou pra o****o na frente de geral, tá ligado? Isso não se faz, mano. Não dá, p***a! Eu vou voltar lá e vou dar na cara dele, nem que eu morra tentando. — falei, chutando uma pedra no chão de raiva.
Bradock respirou fundo, chegou mais perto e botou a mão no meu ombro.
— Escuta aqui, Lucas. Tu acha que vai resolver alguma coisa assim? Quer mesmo ir lá bater de frente com o Dudu? Moleque, cê vai acabar morto ou preso antes de tu entender a merda que tu tá fazendo. Tu tá achando que essa p***a é bagunça, né? Tu só tem 13 anos, c*****o. Você acha que é adulto nessa p***a?
Eu olhei pra ele, meio sem saber o que responder. p***a, eu tava cego de raiva, não tava pensando direito.
— Bradock, tu não entende, mano. Eu não posso deixar os cara me verem como um o****o. Eu sou filho do Urso e da Lua, isso aqui tudo é meu. Ela vai ter guerra! — falei, ainda irritado.
Ele deu uma risada de novo, dessa vez mais sincera.
— Guerra? Moleque, tu nem sabe o que é guerra de verdade. Tu tá brincando de ser bandido. Quer resolver as coisas no soco, na porrada, mas não sabe que quem manda na p***a toda. Tu quer ficar igual a esses caras? Morando no cemitério? Dá um tempo, Lucas. Vai pra casa, pensa direito e depois a gente troca uma ideia. Agora vai se acalmar antes que tu faça alguma merda que tu vai se arrepender.
Eu tava bufando de raiva. O Bradock falando comigo, tentando me acalmar, mas eu só pensava em uma coisa: resolver essa p***a com o Dudu. Mano, ele me puxou como se eu fosse qualquer um, na frente de todo mundo, me jogando longe como se eu fosse um moleque.
Saí dali sem nem responder mais o Bradock. Ele ficou me chamando, mas, na moral, minha cabeça já tava em outro lugar. Eu ia falar com a Lua, p***a. Minha mãe ia botar todo mundo no esquema e a gente ia resolver essa merda de vez. Ninguém encosta em mim e fica por isso mesmo.
Fui subindo o morro, passando pelos becos, esbarrando nos pivete que tavam brincando na rua, chutando pedrinha, jogando bola. Nem olhava pra cara deles, só focado em achar a Lua. "Minha mãe vai armar esse bagulho todo. Quero ver se o Dudu vai continuar com essa marra quando a gente bater lá em bando."
Eu sabia onde ela costumava ficar. Toda vez que ela tava com aquele olhar de resolver bronca, ela tava na boca, ou perto das vendas. Subi até o alto, sentindo o vento mais frio batendo na cara, mas minha cabeça tava quente, fervendo. Cada vez que eu lembrava da cena, minha mão fechava mais forte. Eu ia resolver essa p***a!
Chegando perto da boca, vi o movimento, geral lá fazendo seu corre, mas a Lua não tava. Perguntei pra um dos moleques:
— A Lua tá por aí? — perguntei, com a voz seca.
O moleque só apontou pra frente.
— Tá ali mais em cima, no barraco da tia Zica.
Segui o caminho, chutando umas pedras no chão. A favela tava cheia, mas eu só via uma coisa na minha cabeça: encarar o Dudu. E, com a Lua na linha de frente, eu sabia que não tinha pra onde correr.
Cheguei no barraco da tia Zica, subi os degraus sujos e cheguei na porta. Lá estava a Lua, de pé, conversando com umas amigas, com aquele olhar de sempre, atenta em tudo.
— Mãe, preciso falar contigo. — eu cheguei já cuspindo as palavras, a raiva ainda fervendo.
Ela olhou pra mim, levantou a sobrancelha, percebendo logo de cara que tinha coisa errada.
— Que foi, filho? Tu tá com uma cara em — ela perguntou, cruzando os braços.
— É aquele Dudu da Maré, mãe. — comecei a falar rápido. — O arrombado me puxou pelo pescoço, me jogou longe na frente de todo mundo. Só porque eu dei um soco num moleque lá. Ele tá achando que manda em mim! A gente precisa resolver essa merda logo. Junta a galera, mãe, vamos lá botar esse babaca no lugar dele!
Ela ficou me olhando, séria, como se tivesse pensando em alguma coisa, enquanto eu continuava falando.
— Cê vai deixar ele fazer isso comigo? Tu sabe que ele não podia ter me tocado! Eu sou filho teu e do Urso. Eu não vou ser desmoralizado assim, não, mãe. Bora lá e bota ele pra correr, p***a.
Lua respirou fundo e ficou me olhando por alguns segundos, antes de dar um sorriso de canto de boca, aquele sorriso que eu já conhecia. Eu sabia que ela não ia deixar barato.
— Bradock, pega o Jetta preto ai, vamos da uma voltinha la do outro da Maré, tenho um assunto pra entender melhor, agora. — ela falou no radinho e andou saindo e eu fui andando do lado dela.
Minha mãe é f**a! Ela não vai deixar isso barato.