Saiu andando lentamente em direção à sua sala: o ex marido vestia jeans e jaqueta de couro, andava de um lado para o outro na sala.
- Boa tarde, Pedro – ela disse enquanto passava por ele largando seu notebook e sua bolsa sobre a mesa.
- Oi, Mari – ele parecia um pouco envergonhado – desculpa ter vindo até aqui, mas não estamos conseguindo nos entender por telefone e sabe, tá difícil...
- O que está difícil? – ela sentou em sua cadeira encarando o quase ex marido.
- Nós dois nos entendermos Mari, eu não quero me divorciar.
- Tivesse pensando nisso antes, não é? – ela suspirou, pensou e o encarou – Pedro, eu vou ser muito sincera com você, como talvez eu deveria ter sido quando descobri o seu primeiro “deslize”: eu não vou me sujeitar mais a esse tipo de relação – ela suspirou novamente – quer saber bem a verdade? Sou uma mulher incrível demais para estar sofrendo por isso.
- E eu concordo – ele a interrompeu – mas eu realmente sinto muito, não queria que as coisas fossem assim...
- Pedro, você me traiu por mais de cinco anos – ela sorriu – teve muito tempo para ponderar sobre certo e errado, sobre o que queria da sua vida e tudo mais. Eu não quero mais.
- Sabe que vai passar o resto da sua vida sozinha, não sabe? – ele ameaçava, pois conhecia cada uma de suas fragilidades e ela sabia que era apenas um jogo, um jogo que ela tinha cansado de jogar e perder nos últimos anos.
- Não Pedro – ela o encarou – eu não vou passar o resto da minha vida sozinha. Tenho minhas filhas e mais um monte de pessoas incríveis que se preocupam comigo. Posso passar o resto da vida sem um marido, mas sozinha, é um pouco exagerado – ela sorriu – se não se importa, eu preciso conversar com a minha chefe do departamento pessoal daqui a pouco e gostaria de poder analisar um registro financeiro antes disso...
- Está me mandando embora? – ele a encarou.
- Não, estou educadamente pedindo que você me deixe trabalhar em paz – ela sorriu – de verdade, estou em um péssimo dia para visitas, muitas coisas importantes em jogo...
- Tudo bem – ele disse derrotado – te encontro essa noite?
- Não – ela suspirou – eu palestro na UFRGS e gostaria de passar no meu novo apartamento para idealizar algumas coisas, que tal conversarmos novamente em casa? – ela o encarou – eu volto depois de amanhã, no domingo, e as meninas só chegam segunda...
- Vai ficar em casa? – ele encarou.
- Na verdade eu não vou – ela disse – mas quero passar lá para pegar minhas coisas e o Bud.
- Já conversou com as meninas? – ele questionou.
- Ainda não, mas na segunda quando eu buscar elas na volta da viagem, sim, conversaremos e vai ficar tudo bem.
- Te espero para o almoço no domingo? – ele perguntou.
- Pode ser – ela respondeu séria.
- Até domingo então – o homem disse e saiu sem cerimônia.
Marianna esperou que ele sumisse no corredor para socar com força a sua mesa por três vezes: como era possível alguém ser tão cínico! Olhou no relógio: tinha cinco minutos até Dani subir do departamento pessoal, então conversaria com Marcelo antes. Levantou-se e caminhou até a sala do seu estagiário:
- Oi – ela disse assim que entrou.
- E aí? – ele parou de digitar e a encarou – precisa de alguma coisa?
- Não – ela respondeu – vim perguntar coisas.
- Tudo bem – Marcelo sorriu – o que precisa saber?
- O Pedro causou confusão quando chegou? – ela era bem direta.
- Não – ele disse – apenas encarou o Armando e gritou comigo para saber quem tinha mandado as flores.
- Entendo – ela suspirou.
- Tem terapia hoje? – Marcelo perguntou distraído.
- Sim, às cinco e meia – ela deu de ombros – se eu me liberar da reunião com o Cavalcantti.
- Certo – Marcelo respondeu, anotando algo e em um post it “remarcar terapia das 17:30?!”, o que fez Marianna sorrir.
Logo percebeu Dani chegando na sala de reuniões, e despediu-se de Marcelo para resolver a promoção dele e contratação de outro estagiário.
- Boa tarde Dani – Marianna disse sorridente.
- Boa tarde – a mulher estava um pouco agitada.
- Te chamei aqui porque precisamos abrir um processo seletivo aqui para a empresa – ela disse sem rodeios – e aí queria ver como podemos fazer, preciso de ideias também...
- Certo – Dani parecia mais tranquila – qual a situação?
- Vamos aceitar um projeto muito extenso que vai me render muitas horas de trabalho, bem concentradas na gestão, e com isso, eu vou exigir muito do Marcelo – ela sorriu – mais do que exijo ultimamente, e aí pensei em pegar o Marcelo e levar comigo para esse projeto, e contratar um novo estagiário para assumir as coisas relacionadas à Future.
- Certo – Dani anotou alguma coisa – então o Marcelo ficaria contigo, te dando suporte para o projeto novo e o estagiário novo...
- ... assumiria aquela função de dar suporte à Isabel e à mim, nos assuntos internos.
- Perfeito – Dani fez outra anotação – poderíamos colocar o Marcelo como auxiliar administrativo?
- Acho que assistente de projetos seria mais adequado – ela ponderou – porque ai ele conseguiria dar um suporte ao Armando também, entende?
- Concordo, e quanto ao contrato de estágio dele?
- Vai até quando?
- Um mês na frente – Dani respondeu.
- Vamos fazer a rescisão dele, pagar as diferenças e chamar ele pra rescindir e assinar o novo – Marianna suspirou – acho que é isso.
- Sim, sim – Dani respondeu – e a remuneração?
- Tem que ser o salário base para assistente de projetos, todo o pacote de benefícios – ela riu – vai dar um upgrade nos benefícios do Marcelo.
- Com certeza – respondeu a chefe do departamento – mas ele merece, né?
- Sim – Marianna sorriu – as vezes eu penso o que seria de mim sem o Marcelo por aqui.
- Verdade – Dani a encarou – mas agora, com você por aqui por mais tempo, as coisas vão andar mais tranquilas, você vai ver – ela sorria – mas sugiro que ainda deixe algumas coisas para home office, sem querer parecer intrometida, mas precisa de tempo com as meninas, principalmente durante a adaptação.
- Sei disso – Marianna suspirou – conseguimos iniciar um processo de seleção de estagiários para quando?
- Preparou um anúncio ainda hoje, acredito que possa receber currículos até quinta-feira, pré seleciono, te envio, e agendamos entrevistas para a outra semana.
- Por mim, está perfeito.
- E quanto ao Marcelo?
- Vou conversar no fim da reunião com o Cavalcantti com o Lincoln e o Vicente e provavelmente no fim do dia estarei mandando ele para você.
- Certo – Dani sorriu – mais alguma coisa?
- Por hoje acredito que seja isso – Marianna se espreguiçou na cadeira – amanhã precisamos sentar e conversar, tudo certo? Nos encontramos às 15:00?
- Sim, sim – Dani sorriu – o Vicente que adiou a reunião, o que não foi de todo r**m.
- Perfeito, até amanhã então.
- Até amanhã – sorriu Dani que saiu apressada pelo corredor.
Marianna encarou o relógio: 15:45, logo Henrique entraria pela porta. Vicente e Lincoln chegaram logo que Dani saiu, e ela conversou sobre o cargo pensado para Marcelo:
- Acho que fica ótimo – Vicente disse – assim ele vai pegando as demandas do Armando com você, e as suas com o Armando e fazendo a ponte, sabe que ele é bom organizando as coisas...
- Pensei nisso também – Lincoln diz – não que eu seja lá um expert da metodologia de trabalho de vocês, só acredito que seja ótimo para todos, para evitar sobrecargas... E o Marcelo já lida bem com essa questão da ausência da Mari, assim ele organiza as coisas para que otimizemos o tempo.
- Podemos manter algumas coisas em home office, Marianna – disse Vicente.
- Vou concordar – ela suspira – vamos nos organizar. Semana que vem eu encerro as turmas de mestrado, e não vou pegar no próximo semestre, ai na outra semana vou fazer a seleção do novo estagiário e deixo ele em treinamento com o Marcelo – ela suspirou – e tiro uns dias de férias antes de voltar com tudo – ela sorriu.
- Concordo – Lincoln sorria – vai ser ótimo para você e o Marcelo vai ter tempo e tranquilidade para treinar o novo estagiário...
- Coisa de duas semanas no máximo, em uma eu vou sumir e na outra eu vou dedicar tempo à organização da rotina aqui em Porto com as meninas.
- Eu acho ótimo – Vicente interpõe, mas antes que ele siga seu discurso percebem um burburinho do lado de fora: Armando caminha pelo corredor sorrindo, ao lado de Henrique Cavalcantti, e Mari entende: a dupla sorridente era um deleite para os olhos das mulheres: Armando era um homem de porte grande, moreno claro, olhos cor de mel, cabelos bem curtos e barba bem desenhada e Henrique era Henrique...
- Boa tarde – Henrique diz assim que entra na sala de reuniões – eu sou Henrique Cavalcantti – ele este a mão para cumprimentar Lincoln, abraçando Vicente e Mari, logo em seguida.
- Boa tarde – Mari senta-se para iniciar a reunião. Marcelo entra na sala logo em seguida – Henrique, é uma honra ter você aqui conosco, inicialmente – ela sorri – o Lincoln e o Armando apontaram alguns detalhes – ela estende a mão para entregar uma pasta para Henrique – que serão cruciais para o nosso projeto dar certo – ela sabia bem que estava dentro da pasta.
- Certo – Henrique colocou óculos para ler, ela nunca o havia visto de óculos – vamos ver – ele ficou em silêncio alguns minutos, concentrado e logo após concluir sua leitura disse – estou de acordo, por mim tudo bem – ele sorriu – essa questão operacional, eu não fazia ideia de como seria.
A reunião se estendeu. Perto das cinco da tarde, Marcelo pediu licença e discretamente saiu para fazer uma coisa que apenas Marianna sabia o que era: remarcar a terapia. Logo ele retornou, dando uma piscadinha para ela, enquanto Armando apresentava as diversas fases do projeto para Henrique. Chegaram ao fim às 17:50 e com uma reunião agendada para as 16:00 do outro dia, quando Henrique viria assinar o contrato, então, Marianna tinha algumas horas de trabalho pela frente.
A sala aos poucos foi se esvaziando: primeiro Marcelo que correu para o departamento jurídico com as anotações afim de elaborarem um pré-contrato antes do fim do expediente, Lincoln também foi rápido: ele era um dos assessores jurídicos da empresa, assim, foi para sua sala trabalhar alguns pontos, Armando despediu-se de Henrique e saiu logo em seguida: precisava buscar sua filha na escola... Vicente, Henrique e Marianna permaneciam na sala conversando alguns pontos importantes, Vicente olhou para o relógio às 18:00 e disse: “minha gente, com licença, acho que perdi a hora” e saiu literalmente, correndo. Henrique e Marianna estavam sozinhos.
- Então – Henrique sorriu – sem querer parecer muito pretensioso, mas aceita um outro café?
- Eu juro que aceitaria – ela disse com sinceridade – mas tenho um compromisso daqui a pouco.
- Que horas? – ele insistiu.
- Às 20:00 – ela suspirou um pouco derrotada – eu palestro na UFRGS.
- Tomamos o café e eu levo você para lá, quem sabe eu não quero assistir essa palestra...
- Eu ainda preciso... – ela ia dizer trocar de roupa, mas apenas suspirou e pensou que estava bem – tudo bem, aceito o café.
- Perfeito – ele sorriu – vou passar na sala do Armando ainda, te encontro lá embaixo em uns trinta minutos?
- Por aí – ela sorriu – preciso promover meu estagiário e assinar uns documentos, logo estarei lá.
- Até mais – ele sorriu e saiu.
Marianna se ateve a suspirar e caminhar lentamente para a sua sala. Os cravos que Henrique havia lhe enviado no dia anterior pareciam que a encaravam, ela olhou o telefone e havia uma mensagem de Lucas Lemos “Oi Mari, tudo bem aí? Eu, o Patrick e a Débora pensamos em ir na tua palestra hoje... Podíamos tomar um vinho depois, o que acha?”. Mari achava uma ótima ideia e assim, tinha um compromisso para “despistar” Henrique, caso ele resolvesse fazer mais uma proposta. Pensou um pouco e respondeu “Oi Lucas, tudo ótimo e você? Desculpa a demora, estava em reunião. Vai ser ótimo ter vocês lá, se o convite ainda está em pé, eu aceito sim, vou adorar ver vocês”, encarou o computador, olhou uns e-mails, assinou documentos e leu a resposta “Perfeito, estaremos lá, beijo” enviou apenas um emoji sorridente e sorriu satisfeita quando Marcelo bateu na porta, entrando logo em seguida.
- Dia grandioso – ele disse antes de sentar-se – o pré contrato: o jurídico já passou um esboço pro Lincoln, e ele vai te enviar antes das nove. A Luciana do jurídico também ficou com um esboço, e vai enviar, pensei que amanhã marcamos para as 09:00 uma análise, você, Armando, Lincoln e o jurídico – ele suspirou – o Vicente vai estar em uma reunião com a Adriana Andrade, ela entrou em contato com ele esses dias, não tem como remarcar – ele suspirou – precisava falar comigo?
- Sim senhor – ela sorriu – estive conversando com o pessoal, e tu sabe que esse projeto é tipo uma bomba de trabalho, não sabe?
- Sim – ele concordou – mas vamos tirar de letra, tu vai ver só.
- Eu sei que vamos, principalmente se eu tiver minha equipe super comprometida – ela sorriu – e por isso, e porque eu já devia ter feito isso também – ela sorriu novamente – eu, o Vicente e o Lincoln, decidimos que eu preciso de outro estagiário – ela sorriu novamente ao ver o rapaz confuso – porque eu vou precisar de alguém comigo por mais tempo, focado especificamente no projeto, e vou promover você.
- Ai nossa – ele disse aliviado – pensei que ia rescindir o meu contrato.
- Sim – ela riu – eu vou. Rescisão do contrato de estágio, e assinatura do contrato como “assistente de projetos”: assim tu podes me dar suporte, inicialmente dentro desse projeto, e com o tempo, nos outros projetos. Tu tens uma relação legal com o Armando, e com isso vai poder ir ajustando o cronograma com ele, conforme vamos dando vencimento...
- Nossa, eu fico muito, muito feliz – ele sorri – agradeço imensamente pela oportunidade e pela confiança, chefe, de verdade.
- Sabe que tu anda merecendo, né? – ela riu – Pode descer lá com a Dani, ela vai fazer tua rescisão e contratação, e eu já vou te passar tuas primeiras tarefas no novo cargo – ela riu – eu amo te dar trabalho, tu sabe...
- Certo – ele sorriu.
- Melhor – ela pensou – eu te envio por email isso, daqui a pouco – ela sorriu – preciso descer, que ainda tenho um café, uma palestra e um vinho pela frente...
- Pelo menos tem atividades de interação social no meio do trabalho – Marcelo a encarou – vai de taxi? Quer que eu te leve?
- De moto? Nem morta – ela sorriu – sabe que eu morro de medo.
- Tudo bem – ele riu – pode ser que eu compre um carro.
- Pode ser que eu volte a dirigir em alguns dias – ela levantou a mão com o curativo – sou um animal – e ri com gosto.
- Não, é só um pouco distraída, um pouco sem sorte...
- Chega – ela riu – passa no departamento pessoal, e seja bem vindo novamente à empresa e ao seu novo cargo. Amanhã eu chego as 07:00 e vou pensar na nova organização das salas.
- Tão cedo? – ele a encarou.
- Estou com um pouco de trabalho acumulado e para variar, uma reunião pendente... – ela o encarou – pode ver com a Dani se o departamento tá livre às oito?
- Mas tem a reunião às nove, com o jurídico...
- Mas com o departamento pessoal eu não vou demorar muito.
- Eu aviso você, por mensagem, se elas estiverem livres...
- Se estiverem livres, já deixa marcado. E aí só avisa a Isabel para nós, por favor.
- Sim senhora – ela consentiu – tá na sua hora, tchau.
- Eu sei, até amanhã, Marcelo.