Um brinde ao seu divórcio

2433 Words
            Marianna desligou o computador e se encarou no espelho: estava ótima. Pegou a bolsa e saiu andando, novamente os saltos altos dançavam pelos corredores em um ritmo compassado. Assim que chegou ao saguão, percebeu Henrique sentado com um jornal na mão, sorriram um para o outro e logo estavam juntos, caminhando até a Jeep Renegade dele. - Você disse que palestra no campus aqui no centro, né? – ele sorriu – Vou te levar ali pertinho... - Tudo bem – Mari concordou – me desculpa, não vou poder te dar atenção durante o trajeto – ela disse – preciso verificar algumas coisas. - Certo – ele riu – vai trabalhando enquanto o motorista te leva....             Marianna apenas riu: e com vontade, era engraçado estar novamente com Henrique, mais engraçado ainda se pensasse na situação. Ele estacionou há uns dois quarteirões do Campus e logo os dois entraram em um café pequeno e charmoso: - Esse lugarzinho escondidinho aqui – ele começou – é de um parceiro meu, projetei a pousada dele em Gramado, a segunda, né, ele já tinha uma – Henrique riu – mas o cara gosta mesmo é desse café, que é bem pouco movimentado, inclusive. - Achei legal, bem intimista – ela sorriu – aconchegante...             Logo que escolheram uma mesa, uma atendente simpática apareceu e cumprimentou Henrique, chamando-o de “Sr. Cavalcantti”, Henrique fez questão de apresenta-la como “Doutora Marianna Ferrachinni” e quando a atendente saiu, ele disse: - Quando voltar aqui, ela provavelmente vai lembrar e cumprimentar você como “Dra. Ferrachinni”. - Nossa – ela riu – como será que vai lembrar? - É um mistério – ele riu – acho que essa moça lembra o nome de todo mundo.             Conversaram amenidades enquanto tomavam café, Marianna nem mesmo sabia se ele queria falar algo específico ou não, mas se mantiveram nas coisas aleatórias durante todo o tempo e era ótimo estar com ele, conversando. Henrique tinha mudado muitas coisas, e ela podia perceber isso com facilidade.             Quando faltavam quinze minutos para a sua palestra, a dupla chegou ao auditório: o cheiro de maconha, livros e café tomava conta do ambiente. Despediram-se na porta, porque Mari precisava cumprimentar alguns presentes. Revisou seus tópicos mentalmente, e em poucos minutos estava no palco do auditório, encaram alguma coisa entre 500 e 800 pessoas, sorrindo e dando início à sua palestra sobre comprometimento: - Muito boa noite à todos os presentes – ela sorri – é sempre um prazer, e uma imensa honra estar aqui nesse auditório. Primeiramente porque eu já estive, por muitas e muitas vezes aí do outro lado, e também porque é muito bom ser convidada à voltar por grandes nomes que aqui pisaram e que fizeram e ainda fazem parte da minha trajetória. Quando eu começo a falar sobre comprometimento, eu uso sempre uma frase que pode parecer o maior clichê do mundo, mas é a chave que vai, literalmente, dar partida à todos os meus passos: eu amo o que eu faço...              A palestra durou quarenta minutos, onde Marianna falou muito e também interagiu com as turmas presentes, em sua maioria, alunos do início da graduação, aqueles que ainda tinham olhares indecisos, pensamentos confusos, conforme o reitor. Sua conclusão, era sempre memorável, e naquele dia, não podia ser diferente: - Para concluirmos – ela riu – sim, já devem estar cansados de me ouvir por hoje, quero ainda deixar algo para que vocês reflitam: nós nunca sabemos onde nossos caminhos vão nos levar. Nunca sabemos quem vamos encontrar ou reencontrar, a vida é um presente, um presente surpresa, muitas vezes, então não podemos deixar ela passar, não podemos desperdiçar essa vida fazendo coisas que não queremos fazer, trabalhando em coisas que não nos deixem sentir vivos de verdade, como se fosse uma imensa sessão de tortura – ela riu – encontrem o que vocês amam, de verdade, e se for sentar pedras de calçamento, façam isso, e façam com amor, façam felizes por fazerem o que amam, sempre.             O auditório a aplaudiu de pé. Ela via, na primeira fileira, Lemos, Patrick e Debora. Henrique estava bem ao fundo. Assim que se desvencilhou de um lote de alunos – inclusive, entregou o cartão para um ou dois que percebeu estarem muito atentos à palestra e pensou em quem sabe, os aproveitar para a vaga de estágio – e outro lote de professores e conhecidos, Mari encontrou Henrique no saguão: - Incrível – ele disse e a abraçou – de verdade! - Obrigada – ela sorriu satisfeita. - Aceita uma carona para casa? - Ah, não, obrigada – ela sorriu – vou encontrar uns amigos ainda antes de ir. - Tudo bem – ele sorriu – adorei poder passar um tempo com você! Qualquer coisa, sabe que pode me ligar – e ele aproximou-se dando outro abraço – até amanhã. - Até amanhã – ela sorriu.             Antes que pudesse se sentir perdida, Patrick apareceu dando-lhe um abraço apertado: - Mulher, você não faz ideia da saudade que a gente estava – ele soltou-a. - Verdade – Debora era quem a abraçava agora sorrindo – sumiu, desapareceu, ficamos preocupados! - Gente – ela sorriu assim que Debora a soltou – estava tudo uma loucura. - Imagino – Lemos agora se aproximava para um abraço também: o perfume amadeirado intenso, os olhos azuis brilhantes e a barba cerrada em tom castanho fizeram Marianna se distrair um pouco – mas vamos ter tempo para saber por onde você andou – ele sorriu e a abraçou, beijando-lhe a testa em seguida, e sim, aquilo foi reconfortante. - Pensamos em ir lá para casa – Debora inicia – uns vinhos, uns queijinhos, só pra gente se aproveitar um pouco né – ela sorriu – amanhã no Vicente a gente sabe que vai ser doideira! - Com certeza – Marianna sorriu, a ideia era ótima. - O que foi isso? – Patrick segurava a mão enfaixada de Mari. - Vou ter que contar mais tarde – ela riu – é uma historinha peculiar. - Certo, certo – Lemos estendeu o braço sobre seus ombros – e então? Como veio para cá? - Vim de carona com meu novo parceiro comercial – ela sorriu. - Ótimo, te levo para a mansão Carvalho, então. - Podemos desviar por dez minutos? – ela sorriu – Se eu não tirar esses saltos, acho que eu vou morrer. - Sem problemas – ele sorriu pegando a pasta onde ela tinha o notebook e a bolsa – essa mulher carrega chumbo, só pode – riu. - Sem pressa – Debora apressou-se em despedir-se de Mari – coloca algo confortável. - Eu vou abrir a primeira garrafa às 22:00 – disse Patrick rindo – mas sem querer pressionar ninguém.             Despediram-se e logo Marianna tinha outra companhia. Não pode deixar de perceber, quando chegou ao estacionamento do Campus, que Henrique fumava um cigarro escorado na pick up. Ele acenou e ela acenou e sorriu em resposta.             O caminho para o seu apartamento foi estranhamente barulhento: Lemos parecia empolgado com o livro que ela havia indicado e contava alguns detalhes da parte que ele tinha lido. Ele a acompanhou quando chegaram ao prédio. Mari subiu as escadas e quando chegou na porta, já tirou os sapatos. - Coloquei isso as onze da manhã – ela riu – parece que dez horas de salto são muito para mim. - Provavelmente para qualquer pessoa – ele sorriu. - Fica a vontade – ela indicou o sofá – não repara a bagunça, eu ainda estou me adaptando... - Adaptando? – ele a encarou. - Conversamos sobre isso com calma depois – ela suspirou: em algum momento precisaria contar para os amigos o que estava acontecendo. - Tudo bem – ele sentou-se no sofá – sem pressa. - Não vou demorar.             Mari foi para o quarto e fechou a porta. Tirou a roupa e correu para chuveiro, estava realmente cansada de saltos e de estar em pé, e queria vestir algo confortável. Assim que saiu do banho, vestindo o roupão felpudo branco, encarou o guarda roupas: decidiu que bom mesmo seria ir sem roupas, tudo parecia apertar, incomodar, pensava apenas em calças de pijama e pantufas... Suspirou: wet legging, um suéter de cashmere fino e um trench coat, e calçaria botinhas de pelúcia confortáveis, quase como um esquimó. Voltou para a sala sorrindo. - Parece outra pessoa – Lemos sorriu. - Pareço um monstrinho, isso sim – ela riu. - Não – ele levantou-se e parou em frente a ela, olhando-a dentro dos olhos – prefiro assim, de verdade. - Acho que eu deveria perguntar o porquê. - Quando você está com seu look de trabalho, me dá um certo medo – ele riu – muito medo, na verdade. - Não – ela riu. - Sim – ele afastou delicadamente uma mecha de cabelo do rosto dela – você fica intimidadora. - Faz parte do jogo – ela riu – você também dá um certo medo quando está entre as traves... - Faz parte do jogo – ele suspirou sem tirar os olhos dela, e aquilo trazia uma sensação boa.             Os dois sorriram antes que Marianna conseguisse sair do lugar, logo desciam as escadas sem pressa em direção à uma noite que costumava ser de muita diversão. Quando Marianna começou a frequentar os eventos do clube, conheceu Debora, e a sintonia das duas era a mesma, ambas tinham filhos e ambas amavam a simplicidade de encontros informais, acampamentos e atividades sem glamour, ao contrário das outras esposas e namoradas de jogadores e dirigentes. O grupinho formado pelas duas, Patrick e Lemos, que apesar de muito jovem – tinha apenas vinte e dois anos – era muito caseiro, criado no interior do Paraná, reunia-se bastante, para vinhos, bolinhos com café, jogos de cartas e tudo aquilo que pudessem imaginar, porque qualquer ideia que alguém desse, os outros compravam.             O caminho até o condomínio de luxo onde Patrick e Debora viviam foi silencioso. Assim que chegaram, novamente Lemos tinha o braço sobre seus ombros, e ela sentia-se bem com isso. Entraram e a sala enorme e aconchegante tinha o calor da lareira. Três crianças brincavam no tapete em um dos lados, e logo vieram cumprimentar Mari: Bianca e Daniel, um casal de gêmeos de seis anos e a pequena Emily, com dois. Já com Emily no colo, Mari foi para a cozinha onde estava Debora preparando os petiscos: - Mais confortável agora? – a amiga perguntou pegando a filha que já pedia colo à ela. - Sim – Mari suspirou – hoje foi pesado... - E eu não sei? – a amiga a encarou – Vicente veio aqui semana passada para nos dar uma ideia para utilizar aquele espaço no fundo – ela revirou os olhos – o Patrick sonhando com uma sala de jogos e eu com um ateliê – ela riu – e ele comentou que você estava trabalhando demais e vivendo de menos. - Pior que eu preciso concordar com o meu sócio – Mari sorri – mas é fase, está passando. - Que bom – Debora entrega uma taça de vinho para a amiga, as duas brindam e Debora toma um longo gole – preciso ir para a Argentina buscar mais desses Malbecs... - Precisamos – Mari sorri – minha adega está esvaziando. Venho em definitivo para Porto em no máximo quarenta dias – ela lembrou de contar, animada – acho que vai ser uma loucura, mas estou cansada de correr tanto. - Super concordo – a amiga sorri – e como ficam as meninas? E o Pedro? - Estamos nos divorciando – Mari responde sem cerimônia. - Sério? – Debora parece confusa – Que triste... - Que feliz – Mari suspira – depois de uns cinco anos tomando chifre, vou me livrar, isso é livramento. - Ah, jura? – Debora agora sorri – Se é assim, um brinde à seu divórcio!             A noite transcorre tranquila: Mari conta os detalhes do acidente com o copo, Patrick e Lemos brincam dizendo que era a vontade de apertar o pescoço do sócio, ela ri e decide contar sobre a separação naquele momento descontraído dizendo “vontade de apertar o pescoço do ex marido, isso sim” e Lemos, sem parecer surpreso apenas diz: - Percebi que estava sem aliança. - As vezes eu esquecia mesmo... - Nunca em uma palestra – Lemos reponde, fazendo todos olharem para ele espantados. - Ué, eu reparo nessas coisas.             Todos riem, e depois de vinhos, queijos e frios, quando Marianna sente-se leve e feliz pela primeira vez em dias, repara que são duas da manhã e que ela precisa de verdade ir para casa. Lemos novamente oferece carona e os dois seguem em silêncio à caminho do apartamento de Mari, quando estão há uns três quarteirões, Lemos quebra o silêncio: - Eu sinto muito pelo seu divórcio – ele diz de repente – nunca imaginei que você se separaria do Pedro. - Porque? – ela o encara. - Pareciam muito bem juntos, sei lá – ele suspirou – pareciam felizes, pareciam os casais das propagandas de margarina – ele riu – verdade, sempre olhei para vocês dois, com aquele tipo de “objetivo inatingível de felicidade”. - As aparências realmente enganam – ela suspirou – é o tipo de coisa que quase ninguém espera que aconteça... - Quase ninguém? – ele a encara. - Eu esperava – ela suspirou – De uma forma ou de outra, eu sempre soube que isso aconteceria.             Lemos estaciona a Range Rover em frente ao prédio de Marianna e a encara: - Não sei se você vai querer me dizer porque sempre soube que aconteceria – ele a encarou – mas se quiser, estou disposto a te ouvir... - Está tarde – ela suspirou – acho melhor deixarmos para uma outra hora. - Tudo bem – ele disse derrotado – não vou esquecer, me deve uma conversa. - Pode cobrar – ela esticou-se para dar um beijo de despedida em seu rosto. - Fica bem – ele segurou o rosto dela entre as mãos por alguns segundos – vou te esperar entrar. - Obrigada, boa noite – ela sorriu. - Boa noite – ele disse.             Marianna caminhou lentamente até a porta do prédio, de onde acenou para Lemos que sorria. Chegando em seu apartamento, encarou o espaço bagunçado, pegou um cigarro na prateleira e sentou-se na janela para fumar com uma última taça de vinho. Não pode deixar de reparar as luzes acesas no apartamento de Henrique, mas podia imaginar Sabrina junto com ele, em qualquer um dos cômodos. 
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