Acidente de fim de expediente

1418 Words
- Vamos encerrar esse expediente ou eu vou precisar chamar reforços? – Marcelo entrava na sala dela com mais alguns documentos em mãos – Terminei o relatório que você pediu, e aqui esta a lista de indicações da sua palestra – Marcelo fazia questão que colocar todos os professores e pessoas que haviam indicado ela, para que ela pudesse agradecer ou parafrasear os mesmos: a tietagem rendia ótimos contatos – e os tópicos, porque sei que você não vai imprimir e vai se arrepender – ele riu. - Marcelo – ela encarou o estagiário – você é o melhor estagiário do mundo, vou precisar te promover – ela riu – de verdade. - Que é isso – o rapaz riu – vamos encerrar? - Claro – ela espreguiçou-se na cadeira e olhou o relógio – mas que merda, eu nem vi a hora, me desculpa? - Sem problemas. - Não estraguei seus planos, né? – ela levantou apressada e deu de mão no casaco e na pasta, além de dar uma encarada nas flores – Esqueci que você ia me levar, que a tua moto tá lá... - Relaxa – ele apertou os ombros dela carinhosamente quando ela parou em frente à ele pronta para sair - tá tudo bem. - Certo – ela sorriu – pode dirigir? - Sem problemas – ele pegou as chaves: e aquela era Marianna fim de expediente. Enquanto ele colocava o cinto de segurança, ela soltava os cabelos e tirava os sapatos, quando olhou a segunda vez, assim que arrancou, ela deslizava a tela do smartphone sem prestar atenção em nada.             A chuva fina caia incessante, Marcelo perguntava-se como uma mulher daquelas podia ter duas personalidades tão opostas. - Chegamos - ele disse assim que estacionou em frente ao prédio – vai descendo, vou colocar na garagem para você e já subo pra buscar a minha mochila. - Obrigada – ela disse, e saiu apressada e descalça correndo até o prédio, deixando os sapatos no carro.             Quando começou a subir as escadas, sabia exatamente o que aconteceria: começaria a chorar em pouco minutos: aquela era a hora em que tudo vinha à tona e embaralhava em sua mente, e por um tempo, ela não conseguiria nem mesmo distinguir o que era real e o que não era de todos os flashes que vinham em sua mente.             Quando Marcelo chegou à porta, ouviu o som de vidro quebrando, o que o fez correr para a cozinha: Marianna estava chorando ajoelhada no chão, em sua mão direita havia parte de um copo, e pelo chão molhado, ele deveria ter água. O sangue escorria pelo braço dela e misturava-se com a água e os cacos de vidro. - Eu não... eu só segurei... – ela dizia – não sei ... - Tudo bem – Marcelo ajudou-a a levantar e a abraçou – vem, vamos limpar isso.             Logo ele a conduziu para a sala, onde a deixou em uma cadeira enquanto pegava uma toalha, quando voltou, percebeu que não resolveria: o corte era profundo e havia estilhaços de vidro dentro: - Vou levar você no hospital – ele disse calmamente – só vou recolher aquilo, para ninguém se machucar.             Marianna apenas consentiu. Marcelo juntos os cacos e secou o piso – sangue seco era terrível de limpar e a pobre Laura, faxineira, levaria um susto danado com aquele cenário. Em poucos minutos ele a conduzia escada abaixo, com a saia e a camisa do trabalho, um casaco de moletom preto que era dele, com capuz e tênis all star – que era o que estava perto da porta. Ela chorava sem parar, enquanto rejeitava chamadas em seu celular olhando fixamente para as gostas de água no para brisas.             Marcelo entregou os documentos na entrada do hospital, Marianna foi chamada em seguida, deixando o rapaz sentado na sala de espera encarando as paredes brancas pelo que parecia ser uma eternidade: mas eram trinta minutos. - Oi – ela disse assim que se aproximou dele – eu não sei nem o que te dizer – ela parecia envergonhada – de novo, eu... - Não fala nada – ele a abraçou apertado e segurou o rosto dela nas mãos, olhando dentro daquele par de olhos azuis brilhantes – eu sempre vou estar aqui, para o que você precisar, certo? - Obrigada – ela sorriu com os olhos marejados – não sei o que seria de mim sem você. - Outra mulher na casa dos trinta, internada em um hospital psiquiátrico qualquer – ele soltou o rosto dela satisfeito, pois agora ela ria, e parecia que o peso de tudo desaparecia quando ela ria. - Você não existe – ela disse ainda sorrindo quando ele pegou a mão machucada dela e pousou em seu braço enquanto caminhavam. - Existo sim – ele disse – e vou te provar que sou real: se eu não comer alguma coisa na próxima hora, eu juro que caio desmaiado. - Preciso te deixar ir pra casa... – de repente a preocupação assombrou o rosto dela novamente. - Não – ele riu – preciso levar você para comer, alguma coisa gordurosa e pecaminosa – ele riu – você almoçou antes da uma, e são quase nove horas. - Certo, mas preciso ir na farmácia – ela pegou a receita no bolso. - Primeiro a comida – ele olhou a receita – você nem pode tomar isso aqui sem comer. - Tudo bem – ela riu.             Em poucos minutos estavam em um lugar diferente: o Porão do Beco, era uma lancheria gourmet misturada com um pub irlandês. Um palco improvisado na esquerda, perto da escada, balcão de bar com diversas torneiras onde eram servidos chopps e cervejas artesanais, um cheiro maravilhoso de comida pesada, calor e burburinho: era adorável. - Bem vindos ao porão – um homem de aparentemente quarenta anos sorriu ao aproximar-se da mesa – Marcelão, tudo bem? - Tudo sim – o rapaz respondeu – casa cheia? - Graças a Deus – o homem respondeu sorrindo: os cabelos longos e avermelhados apresentavam fios grisalhos, assim como a barba. Os olhos eram azuis e ele tinha um sorriso fácil – quem é a sua amiga? - Ah sim – Marcelo sorriu – essa é a Marianna Ferrachinni, minha chefe. - Muito prazer – o homem estendeu a mão sorrindo – sou o Jeremias, ou Jimmy. - Muito prazer Jimmy, adorei o lugar. - Que bom – ele sorriu – vou acreditar que vou ver você novamente então – ele deu uma piscadinha e voltou-se para Marcelo – vou fizer ao Ted que você está aqui, ele com certeza vai querer dar um alô – e então deixou o cardápio sobre a mesa – fiquem à vontade, pessoal, a Lorena vai atender vocês, só chamar! - Obrigada – Marcelo agradeceu. - Adorei o lugar – Marianna disse assim que Jimmy afastou-se – frequentador assíduo? - Ex atendente de bar – ele disse sorrindo – não coloquei isso no currículo – ele riu – trabalhei aqui por dois anos para fazer um extra, meu estágio anterior pagava muito pouco. - Sério? – ela sorriu incrédula. - Aham – ele disse – de verdade, eu gostava daqui, mas a vida atrás daquele balcão é meio sem perspectiva, apesar de ganhar bem, entende? O pessoal daqui é gente finíssima, você conheceu um dos donos, o outro é o Theodore, irmão dele. - Muito legal – ela sorriu novamente – e então? Qual a sugestão? - Pelo frio, vamos pedir cerveja lager à moda irlandesa, petiscos da casa e aí depois sugiro que você peça o hamburguer especial. - Tudo bem – ela sorriu – aceito.             Lorena anotou os pedidos e logo trouxe as cervejas e os petiscos: canecas enormes de cerveja e um copo pequeno de whiskey de malte escocês, uma tábua de carnes, molhos e chips de vegetais. Marcelo agradeceu e iniciou o que parecia uma cerimônia: virar o copo de whiskey no fundo do caneco de cerveja, preparou os dois copos e propôs um brinde.              A noite foi passando agradável, conversaram sobre diversos assuntos e comeram, e a comida era muito boa, mas assim que terminaram, Marianna mostrou-se nervosa, e Marcelo a levou para casa, passando pela farmácia e comprando a medicação prescrita no hospital. Marcelo a convenceu a não trabalhar na manhã seguinte, e ir para o escritório somente após o almoço, ela aceitou facilmente e quando deu por si, estava deitada no sofá da sala, assistindo ao vídeo de seu casamento, enquanto tomava cervejas.
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