Eu tenho certeza absoluta de que você se odeia

1335 Words
            O sol da manhã invadia o apartamento: as cortinas estavam abertas. O interfone tocava incessantemente, Marianna atendeu: - Bom dia minha sócia – ela sorriu ao ouvir Vicente. - Bom dia Vicente, eu ... - Você nada – ele riu – trouxe café da manhã. - Obrigada – ela destrancou a porta e logo encarou-se no espelho sobre o aparador: estava horrível.             Quando Vicente chegou ao apartamento, o DVD do casamento ainda rodava: Marianna havia tirado a roupa do escritório para vestir um short jeans e o moletom de Marcelo, tinha uma escova de dentes em uma mão e garrafas vazias de cerveja na outra, que estava enfaixada devido ao acidente com o copo. - Parece que não teve uma boa noite – ele encarou a TV – você gosta de se torturar, né? – ele atravessou a sala com os pacotes ainda na mão e desligou a TV, deixou os pacotes sobre a mesa de centro e pegou as garrafas da mão dela – Vou fazer café – e saiu em direção à cozinha, enquanto ela voltou ao banheiro. - Bom dia – ela disse quando retornou. - Bom dia, né – ele aproximou-se e deu um abraço – falei com o seu estagiário e não, eu não estou aqui para julgar o fato de que você estava novamente chorando no ombro dele, ou que ele te levou ao hospital – ele suspirou – eu faria o mesmo no lugar dele, Marianna, mas isso - ele aponta para a TV agora desligada, mulher, eu tenho certeza de que você se odeia.  - Tudo bem – ela suspirou e largou-se no sofá encarando o sócio – tenho tido umas crises, eu apago... Ontem mesmo, lembro de descer da Dodge e entrar no prédio, e só. Depois eu estava de joelhos no chão da cozinha, o Marcelo me ajudando a levantar... Eu quebrei um copo, apertando-o na minha mão – ela olhou para Vicente – eu perdi o controle da minha vida. - Tá doida? – ele riu – Que perdeu o controle, o que? Isso tudo é uma fase – ele ajoelhou-se em frente à ela e segurou-lhe o queixo – tu é a mulher mais f**a que eu conheço! E eu vim aqui, humildemente te trazer café da manhã, para que tu comece bem o teu dia, porque tu tem um p**a contrato pra assinar hoje! Vim aqui pra te lembrar que tu é maravilhosa, e que tem muita gente que te ama e se preocupa contigo. - Obrigada – Marianna responde. - Não, não me agradeça, docinho – ele riu – tudo tem um preço. E o meu é baratinho. - Fala, Vicente – ela riu. - Responde as mensagens nesse celular, pra começar. Quando eu sair daqui, toma um banho, e amanhã, antes de voltar para a Fronteira, mon amour, vamos fazer festinha. - Sem festinha. - Com festinha – ele riu – pessoal do clube vai lá em casa, vamos fazer um churrasquinho. - Sem balada. - Com balada, né – ele riu – vai ser legal. Conversei com o chefe ontem, e ele inclusive perguntou de você. - Tá e ai? – ela dá ombros. - E aí o que? Tu precisa sair desse ciclo vicioso aí de tristeza e coisa r**m – ele levantou-se – vou buscar o café. Eu tenho certeza de que você se odeia, mulher, mas é só você, todas as outras pessoas amam você. - E pra isso tenho que ir pra noite? – ela revira os olhos – Fala sério, tenho nem idade pra isso, Vicente. - Claro, essa sempre foi e sempre vai ser a minha única ideia!  – ele riu – Então vaaaai, vai buscar remédio no álcool, na noite, na vida bandida, fazer qualquer coisa, beijar qualquer boca e tentar esquecer o amor da sua vida – ele cantava uma musica sertaneja do momento – Revida! Não deixa esse sofrimento todo fazer você esquecer da tua vida... - Eu precisava ter gravado isso – ela riu. - Vim fazer você ter um bom dia, e acabei dando uma de palhaço – ele riu.             A manhã foi passando tranquila: perto das dez horas, Vicente a deixou pois tinha reunião com clientes, e então, ela entrou na banheira para um demorado banho, enquanto finalmente foi ler as mensagens do seu celular: dentre tudo o que leu, o que mais chamou sua atenção foi um grupo de mensagens do goleiro do time: Lucas Lemos. Diversas vezes ele havia enviado “oi”, “oi, tudo bem” uma ou outra foto do CT ou do grupo, e nos últimos três dias, ele havia enviado “Mari, tudo bem? Estou preocupado”, depois, na manhã seguinte “entra em contato, por favor” e há poucos minutos “está chateada comigo?”.             Marianna respirou fundo: Lemos era de longe, uma das pessoas com quem ela tinha muita afinidade no clube. Ele era o goleiro titular absoluto, vinte e dois anos, a tranquilidade em pessoa, e alguém com quem ela conversava muito nos eventos, sentiu culpa por não ter respondido: - Oi, Lucas, tudo bem sim e com você? Desculpa não responder, estava com uns problemas. Não estou chateada, sinto muito.             Ela suspirou e largou o telefone na beira da banheira, para logo pega-lo, pois estava tocando, sem nem ver quem era, ela atendeu: - Alô? - Mari, é o Lemos. - Oi – ela disse nervosa – nossa, sinto muito... - Não – ele riu – eu que sinto. Senti sua falta, por onde andou? - Por aí – ela suspirou – tudo certo? - Tudo sim – ele respondeu – Tá em Porto? - Sim, estou sim. - Será que a gente pode fazer algo? – ele perguntou de repente. - Ahn, acho que sim. - Jantar hoje? - Hoje não vai dar, palestro na universidade... - Amanhã – ele fez uma pausa – amanhã eu te vejo no Vicente então, o que acha? E ai combinamos alguma coisa. - Pode ser – ela sorriu sozinha – tá no CT? - Não, eu já fui e já voltei, estava lendo aquele livro do King que você me indicou. - Legal – ela sorriu quando pensou “O Apanhador de Sonhos”. - Até amanhã, então! - Até amanhã, um beijo. - Beijão, vê se não some.             Marianna saiu da banheira renovada. Falar com Lemos havia feito bem, sem dúvidas. Ela organizou documentos enquanto andava de roupão de um lado para o outro. O relógio corria, ela tinha reunião as duas e meia da tarde com os sócios e a equipe e às quatro horas, Henrique, precisava anotar pontos para discutir com ele e com a equipe.             As onze horas em ponto, Marianna saiu do apartamento: usava vestido preto ajustado na altura dos joelhos, sapatos pretos delicados, de salto muito alto, um casaco muito ajustado de lã batida preto impecável com gola de pele de coelho, cabelos bem escovados, maquiagem simples e bem feita, com olhos esfumados, muito rímel e batom bordô, no tom das unhas – ela as pintava todas as manhãs. Nas mãos, apenas o anel de formatura. Quando percebeu o curativo, optou por comer alguma coisa no shopping em frente à sede da empresa, então foi diretamente para lá. Os saltos altíssimos batendo compassados no piso, as pessoas olhavam para ela admiradas, causava boa impressão. Uma parada rápida na banca de jornais para comprar o jornal do dia e as figurinhas do álbum do campeonato de futebol para a filha mais nova e enfim, a praça de alimentação.             Marianna evitava comer fora, de verdade, mas era inviável cozinhar com aquele curativo. Escolheu um italiano famoso, do qual ela frequentemente pedia coisas no escritório – até ponderou pegar para viagem e ir comer lá, mas Marcelo a julgaria, sentou em uma mesa e aguardou o pedido: raviólis de espinafre com frango, molho quatro queijos e salada de rúcula com tomates secos e muçarela de búfala, um vinho branco acompanhava. 
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