Aquele era um desses dias

1049 Words
            Lentamente Marianna começou a esvaziar sua parte do closet, colocando tudo delicadamente dentro de caixas de papelão que ela havia solicitado para isso e a transportadora havia deixado lá. Passavam um pouco das onze horas quando uma ligação interrompeu o processo, ela atendeu prontamente: - Alô? – ela disse sem nem ter olhado quem chamava. - Está ocupada? – Lemos tinha a voz nervosa. - Ah, não... – ela respondeu sem jeito – não estou ocupada não. - Chegou bem? – ele questiona. - Sim, cheguei – ela suspirou. - Viu o Pedro? – ele perguntou e logo consertou – Não que seja da minha conta... - Sim, ele – ela fez uma pausa – ele estava em casa quando eu cheguei, mas já saiu... - Uhm, conversaram? – ele parecia interessado. - Não tem como conversar com o Pedro ultimamente – ela embargou a voz – não tem o que conversar também. - Você está bem? – ele pergunta com delicadeza. - Estou acabada – ela responde já caindo no choro – eu estou... estou na minha casa, recolhendo minhas coisas pra ir embora, pra deixar pra trás... – ela suspira – acho que isso é mais difícil que qualquer outra coisa. - Eu te entendo, minha linda – ele diz calmamente – queria poder te ajudar. - Já está ajudando, obrigada por ligar. - Queria estar com você agora... - Agora você tem que se concentrar pro jogo de amanhã. - Eu sei – ele riu – vou caprichar. - Jogo importante, bebê... - Eu sei, vou ser impecável. Preciso desligar, antes que o Medonza apareça e comece a pegar no meu pé por causa de hora. - Tudo bem – ela suspira novamente – bom descanso. - Pra você também, tenta dar uma distraída. - Vou tentar, obrigada.             Despediram-se e ela olhou a hora: não era para menos que estava com fome. Vestiu o casaco e saiu na Dodge, encarando a fria noite da Fronteira, onde havia vivido toda a sua vida. Parou o carro, comeu um lanche em uma lanchonete que era mais antiga do que ela, e seguiu para a casa dos seus pais, na pior das hipóteses, encontraria todos dormindo, mas acreditava que a mãe ainda estaria acordada.             Pouco depois de estacionar, ainda de dentro do carro, viu a porta abrindo-se e a luz acesa: mãe sente cheiro, só pode ser isso! Saiu sorrindo da camionete e foi ao encontro de Martha, que vestia um robe felpudo por cima do pijama. - Oi mãe – ela sorriu – tudo bem? - Eu estou ótima – respondeu a mãe – você parece que foi atropelada por um caminhão... De lixo. - Obrigada – ela sorriu. - Por nada – a mãe debochou – já jantou? - Sim, comi um lanche agora... - Uhm... Vou fazer um chá, você quer? - Acho que preciso de algo mais forte. - Tudo bem – Martha larga a chaleira sobre o fogão – vamos tomar um whisky!             As conversas com a mãe eram assim: tudo o que tinha conserto, era dividido com chás e cafés, na busca por uma solução, e o que não dava mais para consertar, era comunicado com whisky. Afinal, “o que não tinha remédio, remediado estava”. Logo estavam as duas sentadas na sala de estar, próximas da lareira com os copos cheios. - Estou me divorciando do Pedro – Marianna anunciou sem cerimônia, a mãe não sabia da traição, nem do filho bastardo, mas era forte, não precisava de muitos rodeios – ele estava me traindo há cinco anos, e a amante dele, está grávida. - Filho de uma p**a – Martha diz sem nenhum remorso – não tem cabimento... Bem que você faz. - Achei que era a única solução, por isso... - ... não precisava nem pedir conselhos, eu sei – a mãe esticou o braço abraçando a filha que deu um longo gole no copo. - Porque eu sou tão fodida? - Você não é fodida – a mãe deu um gole no whisky e encarou Marianna – fez escolhas erradas, todos erramos uma hora ou outra. - E como eu vou criar as meninas... - Tenho certeza que tão bem quanto criaria casada, ou ate melhor, quem sabe!             A conversa seguiu por horas. Perto das três horas, Marianna, sentindo-se melhor e mais leve, dirigiu até o chalé. Encarou as caixas e as paredes por um tempo... “Que se f**a, essa casa, essa vida... Essa mentira toda, que se f**a" gritou lá dentro, ouvindo o próprio eco, e saiu novamente: não passaria a noite em uma casa que não era mais dela, por mais que fosse uma estranha despedida, foi suficiente.              Dirigiu até um hotel no centro, pagou a diária a vista, deitou na cama e dormiu. Na manhã de domingo se ateve a responder mensagens de Lemos e foi até o chalé, com o caminhão da transportadora, acompanhar o carregamento de seus pertences – e de boa parte dos pertences das filhas.             Almoçou na casa dos pais, o que rendeu um interminável sermão de seu pai sobre o que ela deveria fazer com as crianças na capital, e com um outro interminável sermão de uma das irmãs, que dizia que ela não podia se fechar para o mundo, nem se afogar no álcool como vinha fazendo...              Essa era a desvantagem de ser a caçula: um problema seu era problema de todo mundo e todos tinham mais experiência do que você para lidar com a situação, e irmãos, irmãs, cunhados e cunhadas, sempre tinham algo a dizer. Marianna amava a sua grande família, mas haviam dias em que tudo era difícil demais e ela queria fugir. Aquele era um desses dias.              Crescera na fronteira com dois irmãos e três irmãs: sim, meia dúzia de filhos. Agora, haviam dez netos e netas e o pai adorava quando conseguia reunir todos pelo máximo de tempo possível - o suficiente para uma ou duas brigas, algum ofendido e as crianças cansadas umas das outras. Todos cozinhavam, comiam e bebiam e aquele era o passatempo favorito da família toda. Mas naquele domingo, as coisas estavam ficando pesadas demais, porque ela não tinha a menor intenção de ficar remoendo seu passado ou criando roteiros para o seu futuro, ela queria realmente fugir. 
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