Capítulo V - KATRYN

1093 Words
Não há como saber, uma vez que escolhi o traidor com aparência de príncipe encantado que destruiu meu coração e a família que sempre foi o meu sonho. Talvez se eu tivesse escolhido esse quase italiano que parece um Deus grego, agora não teria só um homem leal, mas ainda teria uma família intacta. Porém, penso em Marianne, em como não a teria se tivesse feito uma opção diferente, e me dou conta de que para ter meu anjinho ruivo eu faria a mesma escolha outra vez sem pestanejar. O silêncio se estende, e quando estou prestes a rompê-lo a porta do meu escritório é aberta novamente. Mais uma vez, sem que o invasor seja anunciado, ou se dê o trabalho de bater antes de entrar. Dessa vez o intruso é Tio Logan, o pai de Alice, e o tio que eu gostaria de poder torturar. Ele se põe na cadeira vaga à frente da minha mesa, encara Ícarus com uma expressão desgostosa e começa a falar. — Katryn, querida! Tenho um assunto para tratar com você. Poderia mandar seu consultor se retirar? É um assunto de família. Noto a leve insinuação presente na palavra "consultor", mas opto por ignorar, e evitar uma briga sem propósito. Porém, não abro mão de ter Ícarus na sala, ouvindo toda a conversa. — Qualquer que seja o assunto, Ícarus fica. Confio nele para estar presente em qualquer assunto que nossa família tenha, envolvendo negócios, ou não. Noto a mudança sutil na expressão de meu tio, indicando que ele não gostou do que ouviu, e está prestes a instilar sua peçonha contra meu amigo, contra mim, na vã tentativa de me dissuadir de minha decisão. Me preparo para o veneno que sairá de sua boca, mesmo assim as palavras me atingem com a força de um tapa. — Dominicke que se cuide, hein? Parece que o antigo pretendente está para tomar o lugar do titular do cargo. Podiam ao menos fingir um acidente com ele e matá-lo, seria mais decente. Por mais ofensivo que tenha soado, escondo o nojo e o desconforto por trás de uma máscara de tédio que aprendi a manter com muita eficácia ao longo de minha vida. — Pelo visto não há assunto importante para ser discutido. E já que não há nada relevante para falar, pode se retirar do meu escritório. Desperdiçou muito do meu tempo com a sua birra adolescente. Bato com as unhas na mesa, produzindo um movimento entediado e um ruído ameaçador, enquanto encaro meu tio com uma expressão desinteressada que já me proporcionou vantagem em mais de uma situação como essa. Logan se ajeita na cadeira, derrotado, e inicia o assunto. — Você já deve saber que eu tenho interesse em casar a Alice, e tenho o pretendente perfeito para ela. Já garanti a aprovação de quase todo o conselho, vim aqui apenas para solicitar que você use seus poderes para persuadir Madeleine a votar pela aprovação. E, logicamente, gostaria de assegurar seu voto a favor do noivo escolhido. Embora esse assunto me dê asco, finjo não saber de quem se trata, apenas para descobrir o quê nessa aliança interessa ao meu tio. — Quem é o excelente pretendente que o senhor tem em mente, meu tio? Tenho o cuidado de manter a voz desinteressada e a expressão neutra, não demonstrando que já sei quem é, e abomino essa união. — Ah, querida! É o meu velho sócio, o Stevens. É um grande homem, rico, inteligente e leal. A forma como ele fala do homem quase me faz acreditar… uma pena para titio que eu conheça muito bem a classe nojenta de homem que o sócio dele é. No entanto, sigo fingindo que não sei a verdade para descobrir o que está em jogo nesse acordo. — Ele não é um pouco velho para a Alice, tio? Pergunto num tom brando que não entrega o quanto quero esganar Stevens por pedir isso, e Logan por pensar que poderia conceder. Meu tio dá um sorriso que o faz parecer uma cobra preparando o seu bote, o que, de fato, ele está fazendo. — Ora, querida! O seu pai e a sua mãe não eram exatamente da mesma idade, eram? E olha só você aqui. Quero gritar, quero xingar, quero empurrar esse porco pela janela só para assisti-lo se espatifar na calçada lá embaixo, quero pintar a fachada da minha casa com o sangue dele, mas qualquer uma dessas atitudes me colocaria em problemas que eu não poderia resolver sem um grande custo pessoal. Então, o que faço é dar um sorriso frio, que não demonstra em nada a fúria se contorcendo em meu interior. — Considerando que não acabou nada bem para mamãe, acho que esse não é um exemplo devamos usar no caso da Allie. No entanto, no que me diz respeito, minha função é ter certeza de que ela fique segura, e que a família Kinckaid seja beneficiada com essa união. Então te pergunto, meu tio, Alice estará segura com Stevens? Logan parece feliz com minha mudança de assunto. Mesmo que lhe seja prazeroso me alfinetar constantemente para testar até onde vai o meu controle, e se vitimizar quando sofre consequências, ele tem algum interesse oculto nesse casamento, um interesse que ele está ciente que posso impedi-lo de alcançar. Logo, a alteração do rumo da conversa é muito benéfica aos seus objetivos, e mesmo com uma ou outra insinuação oculta, ele prossegue com mais cautela. — Claro, querida! Eu jamais entregaria minha filhinha caçula a um homem que a colocasse em risco. Bonitas palavras, mas sem valor nenhum diante das atitudes de um pai que venderia qualquer uma das filhas ao homem que pagasse melhor, sem considerara o bem-estar físico, ou emocional de qualquer uma delas. Por mais nojo que eu sinta a cada frase proferida por ele, eu ainda não sei o que meu tio está ganhando nesse arranjo, e minha intuição diz que é algo de que devo ter conhecimento. Portanto, preciso prosseguir no ardiloso jogo que estou fazendo aqui. — Vou confiar na sua palavra, meu tio. Mas o senhor sabe qual é a punição para quem prejudica direta, ou indiretamente, algum m****o da nossa família. Falo um pouco incerta, o que me faz parecer um tanto ingênua, e dá a ele a impressão de que conseguiu me enganar com suas palavras doces e falsas. Ele assente, quase respeitoso, com um sorriso satisfeito estampado no rosto, e aguarda que eu continue o assunto, para me iludir com mais das suas mentiras bonitas e envenenadas.
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