— Katryyyn, querida! Onde você está? Chegará atrasada na empresa outra vez.
A voz de Dominicke me tira do transe, e eu enxugo as lágrimas que escorrem pelo rosto, mesmo sabendo que não posso disfarçar os olhos vermelhos e inchados.
Conserto minha postura, assumindo um ar de rainha do universo que fui treinada para ter, e espero que ele entre no meu escritório. Antes que as portas duplas sejam abertas, olho mais uma vez para acordo de divórcio que eu mesma elaborei e respiro fundo, me preparando para o que estou prestes a fazer.
Quando Dominicke entra em minha sala privativa, não consigo evitar me lembrar de quando nos conhecemos. Era meu aniversário de dezesseis anos, e seria tradicionalmente o dia em que iria debutar, mas, na verdade, era apenas uma desculpa do meu pai para me encontrar um pretendente adequado. Um homem de família respeitada, inteligente, que soubesse sobre o nosso mundo, mas que ficasse fora dos negócios da minha família. O rapaz ruivo, pálido, de olhos azuis, gentil e confiante não deveria nem de longe ser uma opção. Com a minha vasta experiência na família em que cresci, já sabia só de olhá-lo que ele seria trucidado por nossa agressividade, congelado por nossa frieza e destruído pelos nossos segredos.
Não, minha primeira opção deveria ser Ícarus, o homem moreno, de olhos verdes intensos, cabelos pretos, postura altiva e um corpo de tirar o fôlego. O filho mais novo de um grande mafioso italiano, inútil como herdeiro do pai, mas versado nas regras que regeriam o meu mundo quando meu pai morresse, instruído o bastante para me ajudar a liderar minha família. Alguém que demonstrava a inteligência, força e dureza tão necessárias para sobreviver a uma união comigo.
No entanto, meus olhos eram atraídos para Nickie automaticamente, com uma espécie de desejo doentio, que sabia que o arruinaria se o tivesse, mas ainda assim o queria. No final, quem acaba completamente arruinada sou eu. Com um monte de cacos para reunir, e colar um a um, sozinha.
A voz de meu quase ex-marido interrompe novamente os meus pensamentos.
— Querida, você está…
Leva apenas meio segundo para que ele perceba que eu estava chorando, e seu rosto se molda com a preocupação.
— Kat, você está chorando? O que houve?
Sua reação aquece algo dentro de mim, e me paralisa por um momento. Quando enfim consigo reorganizar as palavras que pretendia dizer, solto um suspiro cansado e começo.
— Sente-se, Dominicke! Temos algo a discutir, e não podemos mais adiar.
Ele se senta, obedecendo. Assim como todos os peões sob o meu comando, mesmo que ele não seja um subordinado meu.
Meus olhos focam os seus, aponto o envelope pardo em minha mesa e falo as palavras que mudam toda a dinâmica entre nós e parecem sugar todo o ar do cômodo.
— Esse é o nosso acordo de divórcio, Dominicke. Procure o seu advogado, leia, sinta-se à vontade para sugerir alterações, e procure assinar quanto antes, por gentileza!
Ele se levanta como se a poltrona à minha frente o tivesse dado um choque. E então a briga que eu daria tudo para evitar tem seu início.
— Não pode estar falando sério, não com essa frieza, não como se estivesse falando de uma simples negociação, como se não estivesse falando com toda a calma do mundo que decidiu acabar com a nossa família.
Seu tom alterado me incomoda, mas é a sua acusação que me tira do sério, e me leva a atirar em sua cara todas as coisas que tenho guardado em mim mesma para não gerar conflitos inúteis.
— Não ouse me acusar de destruir a nossa família! Não quando vem me traindo há meses, com uma quantidade inacreditável de mulheres, quando é tão indiscreto e tão disposto a me humilhar, que sequer tenta manter seus casos em segredo, quando preciso subornar jornalistas e jornais inteiros para evitar a exposição pública da minha fama de esposa traída.
Meu tom de voz, embora baixo, é cortante. O que contribui para aumentar sua raiva e desencadear o embate inútil do qual eu tentei desesperadamente nos livrar.
— Como eu não teria um caso? Desde que seu maldito pai morreu, você não tem um minuto sequer para mim. Dedica quase tudo aos negócios nojentos da sua família, e o pouco que resta é dedicado a Marianne. Sou um mero artigo decorativo, que você arrasta daqui para lá, para fazer boa figura ao seu lado. E fora isso, não existo para você.
Embora me sinta injustiçada, porque tenho me desdobrado para dar conta das obrigações que herdei do meu pai, e de educar minha adorável filha longe do mundo criminoso em que vivo. Não posso tirar o mérito da acusação que me foi feita. Entre liderar minha família e manter minha garotinha longe dos meus segredos, não tenho tido tempo para ser a esposa de Dominicke.
Me sinto tão ferida, que tudo o que posso é lhe responder em tom baixo e derrotado.
— Se já acabou de expressar como se sente, isso é tudo. Leia, procure seu advogado, e por favor, te imploro que assine logo.
Ele solta um suspiro igualmente derrotado, e depois de uma longa pausa responde em tom baixo e raivoso.
— Se é o que quer, então concederei o seu desejo. Mas esse desejo vai te custar muito caro, muito mesmo.
Abaixo os meus olhos, para esconder o quanto estão marejados, e ele interpreta erroneamente meu silêncio como um pedido silencioso para que saia. Após ouvir o bater das portas duplas, sinto necessidade de dizer para o nada.
— Já me custou tudo. Qualquer preço a pagar será pequeno em comparação ao que já perdi.
E não pela primeira vez no dia, ouço o barulho do meu coração se partindo, em resposta às palavras que eu disse.
No entanto, lamentar não mudará nada. Por tanto, apanho a minha bolsa, as chaves do carro e vou para a sede da empresa, onde mais um dia coloco em prática meu plano de legalizar os negócios familiares, e tirar o nome da minha família da lista de famílias proeminentes no mundo do crime.