Não sou eu quem dá continuidade à conversa, no entanto, vendo o desenrolar de minha estratégia, Ícarus se apressa em contribuir para o desenvolvimento do meu plano astuto.
— O que esse… Stevens, tem a oferecer para a família Kinckaid? Quais são as vantagens reais?
Seu tom de voz é inexpressivo, como se fosse um negócio, e ele estivesse apenas sondando qual seria a rentabilidade de um investimento.
Logan m*l disfarça seu ódio, que fica evidente em suas narinas dilatadas e na vermelhidão crescente em seu rosto e pescoço. Ele opta por uma falsa cordialidade, ao invés da ofensa explícita, que sem dúvidas, ele gostaria de usar.
Seu tom condescendente, como se estivesse explicando uma coisa simples para uma criança, no entanto, não me passa despercebido.
— Ele é leal aos Kinckaid há anos, é um homem de grandes contatos e alguns de nossos maiores clientes foram conquistados por nós com a influência dele.
Para mim, seu desdém é palpável, a insinuação em seu tom, de que Ícarus não tem preparo para a posição que dei a ele. Me sinto profundamente ofendida, porque isso mostra não só o quanto Logan menospreza meu amigo, mas também o quanto meu tio subestima as minhas decisões.
De repente, me sinto muito mais frustrada por não poder defender meu amigo, do que por não poder me defender.
A expressão no rosto do meu amigo não entrega se a ofensa velada o atingiu, no entanto, tenho certeza que ele percebeu, pois é alguém de mente brilhantemente aguçada.
Sem demonstrar nada, Ícarus segue, com sua eficiente atuação servindo de apoio à minha.
— Só por esses motivos? Certamente uma moça como a senhorita Alice poderia conseguir um noivo que oferecesse mais vantagens, e que fosse mais adequado à sua idade.
A última parte, uma leve alfinetada. Algo que deixaria meu tio ainda mais furioso, mais propenso a reforçar seu argumento, uma armadilha imperceptível plantada por meu consultor.
Logan morde a isca. É tão arrogante que sequer tem capacidade de ver que está sendo conduzido, levado em uma dança que resultará na ruína de seu objetivo.
Ele demonstra mais de seu desdém quando argumenta mais uma vez.
— Não imagino que você entenda, afinal é apenas o filho mais jovem de seu pai, não precisa saber tudo sobre o tipo de negócio que temos. Mas uma família como os Kinckaid, e até mesmo os Salvatore, rapaz, não dura muito no mundo em que vivemos, se não escolher pessoas leais e influentes para estar ao nosso lado. Stevens é tão influente quanto leal, e já nos proporcionou negócios muito lucrativos. Sem contar que tem desviado, por anos, as atenções indesejadas de algumas autoridades, que estão sobre nós por alguns deslizes que cometemos, afinal, ele é um excelente advogado também.
Sua narrativa seria muito convincente a ouvidos menos experientes, mas eu sei que, embora alguns dos fatos que Logan alegou sejam verdadeiros, Stevens não fez nada por lealdade a nós, suas motivações foram o dinheiro e o poder, que a família Kinckaid deu a ele até demais ao longo dos anos.
Se antes eu apenas pressentia que havia uma razão oculta para que ele insistisse tanto nesse matrimônio, agora, após essas patéticas tentativas de me manipular, eu tenho certeza. E quanto mais ele desvia de expor sua verdadeira motivação, mais sinto que preciso saber quais são seus reais motivos.
Sinto repulsa e ódio se misturarem em mim. Meu tio quer vender a filha mais nova a um homem que tem idade para ser o pai dela, um homem que ele sabe que é violento, que não respeitará Alice, que a fará infeliz. Não imagino o que ele ganhará em troca, mas tenho certeza de que se estivesse no lugar dele, jamais faria minha filha passar por isso, não importa o que me fosse oferecido.
Mesmo com o absoluto controle que tenho de minha expressão, Ícarus nota minha tensão crescente. Para evitar que eu acabe falando algo que estragaria meu plano minuciosamente tecido, ele se interpõe na discussão mais uma vez.
— Mas ainda não parece…
Ele demonstra um pequeno grau de incerteza, algo que jamais foi característico dele, e vejo claramente que ele está criando a oportunidade para que eu concorde logo com Logan, e possamos buscar uma abordagem mais eficiente para descobrir o que ele tem realmente a ganhar nesse acordo, uma vez que a estratégia que estamos usando, apesar de inteligente, não está sendo eficaz.
Então, faço uso da brecha que ele me abriu.
— Não, Ícarus! Tio Logan tem razão. Stevens já fez muito pela família Kinckaid, e não podemos nos dar ao luxo de perder as vantagens que ele nos oferece.
Minha concordância produz em Logan um sorriso enorme, o que me faz ter o desejo de arrancar essa expressão de satisfação da cara dele com tapas. Seu olhar na direção de Ícarus é carregado de desdém e arrogância, como se tivesse vencido meu amigo em alguma grande competição, o que apenas contribui para aumentar a minha fúria.
Ícarus simula um olhar de leve repreensão, como se não concordasse com a minha posição, mas não manifesta mais sua opinião. Meu tio parece no auge de sua felicidade, e de sua arrogância também.
Ele pergunta, para confirmar a vitória que acredita que conquistou.
— Então, Katryn! Devo presumir que irá assegurar o voto de Madeleine? E que votará a favor do casamento?
Me sinto suja por sequer fingir que concordo com seus pedidos, mas preciso que ele confie em mim, que acredite em meu apoio aos seus planos, só assim poderei colocar em prática o meu plano de contingência para descobrir o que Logan realmente deseja.
Ícarus balança a cabeça, negando, como se dissesse que eu não devo aceitar o pedido de meu tio. Sua atuação é calculada nos mínimos detalhes, para alimentar a arrogância de Logan, para cegá-lo quanto às minhas verdadeiras intenções.
Finjo ignorar o gesto que meu consultor faz, e dou ao meu tio a resposta que ele quer.
— Claro, tio! Conversarei com Tia Madeleine hoje mesmo. E quanto ao meu voto, garanto que será pelo bem da família Kinckaid.
Meu tio se sente poderoso ao ouvir minha resposta, seu rosto não disfarça a arrogância por achar que me venceu, me enganou. Seu olhar vitorioso recai sobre Ícarus, que a essa altura, já não me encara mais com a leve censura, mas tem uma expressão de repreensão severa estampada no rosto bonito, o que alimenta ainda mais o prazer de Logan com a situação.
Sinto tanto ódio por meu tio nesse momento, pelo quanto ele me subestima, pelo quanto humilhou meu amigo, pelo sofrimento que está disposto a infligir a Alice, que decido começar a colocar em prática, aqui e agora, o meu plano de contingência.
Quero ter o prazer de enganá-lo, como ele pensa que fez comigo, e quero que no futuro ele saiba, que esse foi o momento em que, inconscientemente, ele entregou de bandeja tudo que eu precisava. Irei humilhá-lo, diante de todo o conselho, para vingar a humilhação de Ícarus e a minha.
Com uma expressão doce e ingênua, faço ao meu tio um pedido aparentemente inocente, mas que será o início de sua ruína.
— Tio, meu pai costumava oferecer um jantar aos futuros membros da família, para julgar se eram dignos ou não. Negligenciei a tradição até agora, mas como prezo pela felicidade da querida Alice, quero que o senhor Stevens vá jantar lá em casa hoje a noite, para que eu possa determinar seu caráter, e me tranquilizar quanto a essa união.
Ele parece surpreso, mas fica imediatamente satisfeito com o pedido, acreditando que seu sócio conseguirá se passar por um bom homem nesse jantar.
Sua resposta é imediata e entusiasmada com o meu pedido.
— Claro, querida! Fico feliz que esteja dando o devido valor a tradição dos Kinckaid. E já que resolvemos esse assunto, vou me retirar e já aproveito para levar seu convite até o Stevens. Tchau, Katryn!
Dou um sorriso grande, quase infantil, e me despeço.
— Tchau, tio! Amanhã nos vemos para conversar sobre a resposta da tia Maddie, e meu veredito final sobre o seu futuro genro.
Logan sai do escritório com passos tranquilos demais, que parecem se estender por uma eternidade, impondo a nós a sua presença venenosa por ainda mais tempo, embora me surpreenda que não tenha saído saltitando, e demonstrando toda a sua felicidade.
Assim que as portas são fechadas, eu e Ícarus soltamos um suspiro de alívio e sorrimos um para o outro, satisfeitos com nossa sincronia de pensamento e ação, e com o resultado alcançado aqui. Ainda que não seja exatamente o que queríamos, conseguimos pavimentar o caminho para chegar ao objetivo.
Levada pela emoção do momento, eu me levanto e dou a volta na mesma, Ícarus também se levanta e eu o abraço. Tamanha é a surpresa que o toque causa, provocando um atraso de cinco segundos em sua reação, mas ao corresponder, ele me aperta de um modo muito carinhoso.
Aqui, nesse abraço, não posso evitar sentir uma imensa gratidão por Ícarus, por ele entrar no meu plano sem que sequer precisasse pedir, por ele me entender tão bem, que nem foi preciso combinar antes, por ele simplesmente aceitar ser humilhado por um infeliz como Logan, apenas para garantir que eu alcançasse o que desejava.
Aos poucos, a gratidão vai se transformando em um outro sentimento, que eu ainda não sei nomear. E o abraço, que já está durando um pouco mais do que o adequado, começa a produzir um agradável arrepio, que me faz querer continuar ali, com seus braços ao meu redor, por tempo indeterminado.