CAPÍTULO 1
TURQUIA 5 ANOS ANTES
ZYAN
—Me soltem, eu preciso salvá-las—digo aos bombeiros que me seguram do lado de fora da minha casa em chamas, eu podia ouvir os gritos da minha esposa, eu podia ouvir os gritos da minha filha, os bombeiros tentavam entrar, mas as chamas estavam altas demais, e eu só pude assistir enquanto o fogo devorava tudo, até que eu não pudesse mais ouvir os seus gritos, até que eu morresse por dentro junto com elas.
Era um dia comum, eu sai de casa pela manhã me despedindo das duas como sempre, Seda havia me sinalizado algum problema na caixa de distribuição elétrica, mas eu deixei para verificar quando eu voltasse, eu deixei para depois e isso ocasionou a morte delas, eu fui culpado, e não posso me perdoar.
No funeral delas, eu recebia as condolências das pessoas, no entanto, eu não estava ali, eu queria morrer junto com elas, eu queria ter sido consumido por aquelas chamas também.
As noites passaram a ser infernais, sempre o mesmo sonho, elas entre as chamas e eu não conseguia alcançá-las.
DIAS ATUAIS
Acordo mais uma vez no meio da noite, estou suado e ofegante, esses pesadelos continuam me atormentando, continuam me levando de volta aquele inferno, me fazendo reviver o pior dia da minha vida, o dia em que perdi as pessoas que mais amei na vida, levanto e caminho até a janela, vejo os carros e as luzes dos carros, o movimento nas estações de metrô, as buzinas incessáveis, São Paulo a cidade que nunca dorme, as pessoas aqui eram diferentes, estilos diferentes, sotaques do país todo se misturavam, vários rostos, vários costumes, de fato essa era uma cidade que acolhia a todos, mas que mantinha os seus segredos guardados a sete chaves. Eu já conhecia o Brasil, e foi esse o destino que escolhi um ano atrás para tentar recomeçar a minha vida e tentar esquecer todo aquele horror do passado.
Logo que os primeiros raios de sol invadiram a janela do meu apartamento, eu gostava do amanhecer, respiro fundo sentindo o cheiro da manhã, enquanto vou pegar um café o meu celular tocou.
—Celso—digo atendendo.
—Fala turco safado, tenho um trabalho para você, daqueles que pagam muito bem—o meu amigo diz do outro lado da linha.
—Geralmente esses trabalhos vêm acompanhados de problemas, muitos problemas —digo.
—Não Zyan, esse é de boa, o prefeito da cidade precisa de um Guarda Costas, para a esposa, molezinha—Celso diz.
—Eu não vim ao Brasil para ser babá de dondoca Celso, eu sou um agente condecorado pelas forças especiais, é sério que quer que eu banque a dama de companhia?—inquiro.
—Zyan, houve uma ameaça de sequestro, eles precisam do melhor e você é o melhor, e fora isso já faz um tempo que você está sem trabalho—Celso diz, e eu penso que de fato eu estava sobrevivendo das minhas reservas já a algum tempo, passo a mão pelos os meus cabelos negros e caminho pela pequena sala, ele tinha razão.
—Para quando?—inquiro.
—Para já, por que a ameaça foi ontem à noite—ele diz.
—Ok, me mande o endereço por mensagem, irei para lá o mais rápido possível—digo e desligo.
Só me faltava essa, ficar andando pra cima e pra baixo com essa mulher, mas a verdade é que olhando as informações que Celso me enviou, o prefeito de fato estava sendo generoso, ele deveria amar muito a esposa, pois está disposto a pagar uma verdadeira fortuna para mantê-la a salvo. Eu teria feito tudo para mantê-las a salvo também, eu deveria ter feito tudo.
Tomo um banho e escolho um dos meus muitos ternos pretos, pego a minha arma coloco no coldre e saio rumo ao bairro dos Jardins, condomínio de luxo, alto padrão, no mais luxuoso bairro da cidade, enfim a mansão do prefeito Guimarães.
Após a minha entrada ser autorizada eu entro naquela casa que exibia o luxo e o poder desde a sua decoração requintada até mesmo aos empregados com os seus uniformes impecáveis e postura séria.
—Aguarde aqui, o senhor prefeito já vem ao seu encontro—um segurança diz e eu apenas concordo com a cabeça.
Logo um homem bem vestido entra na sala, ele parece ter a mesma idade que eu, usa óculos e está vestindo um terno cinza.
—Como vai senhor Aslan?—ele inquire se aproximando de mim.
—Vou bem senhor prefeito—digo.
—O senhor já deve estar a par da situação—ele diz se sentando em uma poltrona e aponta para que eu me sente na outra á sua frente—Minha esposa Marina, sofreu uma tentativa de sequestro na noite passada, por sorte o motorista dela foi eficiente, mas ele não tem a preparação adequada para protegê-la, e por isso decidi procurar por um profissional de fato e me indicaram você—ele diz.
—Sim, estou ciente—digo.
—Está de acordo com o salário?—ele inquire.
—Sim—digo.
—No entanto preciso que esteja disponível vinte e quatro horas por dia, você tem uma folga na semana que pode combinar com a minha esposa depois—ele diz.
—Perfeitamente—digo.
—Certo, acompanhe o Mendes ele vai lhe mostrar tudo o que precisa saber—ele diz e eu me levanto, eu já estava saindo da sala quando ele me chamou novamente.
—Senhor Aslan.
—Sim—digo olhando para ele.
—Com a minha esposa, fale apenas o necessário, lembre-se do seu lugar nesta casa—ele diz me olhando e a vontade que eu tive foi de mandar ele enfiar o trabalho, o dinheiro e a esposa dondoca dele naquele lugar, mas apenas disse:
—Não se preocupe, eu sou um profissional, com anos de experiência—digo e saio acompanhando o tal Mendes.
Naquele momento eu entendi a podridão política, o prefeito do povo que odeia o povo, patético.