Grego
O céu estava escuro, e o vento gelado da madrugada cortava meu rosto enquanto eu rodava de moto pelas ruas estreitas da quebrada. A cabeça girava, tentando descobrir onde eu ia encontrar a tal pamonha que Vanessa tanto queria. Quando o desejo bate numa grávida, parece que o mundo inteiro tem que se mexer. Foi aí que lembrei da dona Fátima. As pamonhas dela eram lendárias, coisa fina. Só tinha um problema: a essa hora, era quase certeza que ela já tava dormindo.
Cheguei na frente da casa dela, que ficava colada ao restaurante. O portão de ferro rangeu quando toquei a campainha. Esperei uns segundos, e quem apareceu foi o marido dela, o seu Arlindo, com uma cara que não era nada amigável. Ele usava uma camisa regata meio amarelada e shorts de pijama.
— Que foi, Grego? Que diabos você quer a essa hora?
— Eu preciso falar com a dona Fátima — respondi, tentando manter a calma. — É sério.
Ele cruzou os braços e me olhou de cima a baixo.
— Sério? Cê sabe que horas são? — ele perguntou, já irritado, coçando a barriga.
— Eu sei que é tarde, mas é um caso de urgência — insisti. — Vanessa tá grávida e teve um desejo de comer pamonha. Não achei em lugar nenhum, e a pamonha da dona Fátima é minha última esperança.
— Desejo de grávida ou não, meu amigo, isso aqui não é mercado 24 horas. Vai pra casa, dorme e volta amanhã.
— Eu sei, mas é sério, é a última esperança...
— Última ou primeira, eu não quero saber! A Fátima tá dormindo, e é isso que cê devia tá fazendo também.
Ele ia fechar o portão, mas antes que pudesse, a voz da dona Fátima ecoou lá de dentro.
— Quem tá aí, Arlindo? Tá falando com quem a essa hora?
Ela apareceu no portão, vestindo uma camisola florida e com uns bobes no cabelo. Olhou pra mim e depois pro marido, claramente tentando entender a situação.
— É o Grego, Fátima. Tá aqui atrás de pamonha. Acha que a gente é o quê? Cozinha de rodoviária? — Arlindo resmungou.
— Calma aí, Arlindo — ela disse, levantando a mão pra ele. — Que história é essa, Grego?
Expliquei tudo de novo, com um tom mais desesperado dessa vez. Ela me olhou com aquele olhar que só uma dona de casa experiente tem, avaliando a situação. Depois de uns segundos, suspirou.
— Não dá pra negar desejo de grávida. Entra, Grego — disse, abrindo o portão.
Arlindo bufou, mas não falou mais nada. Passei por ele, com aquele olhar de quem tava pedindo desculpa sem falar nada. Segui dona Fátima até a cozinha.
— Senta aí — ela falou, apontando pra uma cadeira enquanto começava a separar os ingredientes. — E me conta, como tá a Vanessa? Tá tudo bem com a gravidez?
— Tá indo bem, dona Fátima. A Ruiva disse que tá tudo certo. E o Júnior tá todo feliz, mas acha que o irmão já vai nascer amanhã — respondi, com um sorriso cansado.
Ela riu enquanto mexia a massa na tigela.
— Criança é assim mesmo, né? Mas é bom. Esse irmão vai ser o maior presente pra ele.
Ficamos conversando enquanto ela preparava as pamonhas. Ela me contou umas histórias de quando tava grávida dos filhos dela, de como o Arlindo também já teve que sair de madrugada pra arrumar coisa que ela queria comer.
Depois de um tempo, o cheiro das pamonhas começou a tomar conta da cozinha. Dona Fátima embalou tudo direitinho, colocou na sacola e me entregou com um sorriso.
— Tá aqui, quentinha. Leva pra Vanessa e diz que foi feita com carinho.
— Obrigado mesmo, dona Fátima. De coração — falei, puxando a carteira. — Quanto deu?
Ela balançou a cabeça, firme.
— Não quero nada, Grego. Isso é presente pra Vanessa e pro bebê. Agora vai, antes que esfrie.
Eu insisti, mas ela não aceitou. Agradeci de novo, já com o coração mais leve, e voltei pra moto. Enquanto colocava o capacete, ainda pude ver o marido dela espiando pela janela com a mesma cara fechada. Mas eu não liguei. Tudo que importava era a felicidade de Vanessa naquela noite.
Cheguei em casa com a mente cansada, mas o coração leve. Guardei a moto na garagem e entrei. As luzes estavam acesas, e, no sofá da sala, estavam Vanessa e o Júnior, ainda acordados. Júnior estava deitado com a cabeça no colo dela, meio sonolento, mas com os olhos atentos à TV, que exibia um desenho com o volume baixo. Vanessa estava acariciando os cabelos dele.
Assim que me viu, Vanessa levantou a cabeça.
— Até que enfim, hein? — ela brincou, com um ar de alívio.
Sorri, caminhando até ela com a sacola nas mãos.
— Missão cumprida — falei, entregando o pacote.
Os olhos dela brilharam. A reação foi imediata: ela abriu a sacola com a mesma animação de uma criança abrindo um presente de aniversário. Depois, olhou pra mim com o sorriso mais sincero que já vi.
— Sabia que você ia dar um jeito, meu amor — ela disse, antes de me puxar para um beijo suave.
Suspirei e me joguei no sofá ao lado dela, passando a mão pelos cabelos enquanto finalmente relaxava.
— Cê não tem ideia do perrengue que foi achar isso aí — comentei, rindo.
Júnior, que até então estava meio distraído, levantou os olhos para a sacola com curiosidade.
— O que é, pai? — perguntou, sentando-se de repente.
Vanessa, com uma expressão de diversão, tirou uma pamonha da sacola e mostrou pra ele. A reação foi instantânea.
— PAMONHA! — Júnior gritou, pulando no sofá como se tivesse ganhado um presente de Natal.
Vanessa abriu uma e entregou para ele. Ele pegou com as duas mãos, quase reverente, e deu uma grande mordida, soltando um gemido de aprovação.
— Tá boa demais! — ele exclamou, com os olhos fechados, saboreando.
Eu não consegui segurar o riso enquanto Vanessa abria outra pra si mesma. Ela m*l tirou a embalagem direito antes de começar a comer, com a mesma vontade de Júnior.
— Quer uma? — ela me ofereceu, com a boca ainda cheia.
— Tô de boa. Só de ver vocês felizes já tá bom demais. — respondi, apoiando a cabeça no encosto do sofá.
Vanessa e Júnior continuaram comendo, rindo das brincadeiras um do outro.
— Vai devagar, esfomeados! — brinquei, rindo da cena.
O riso deles ecoou pela sala, enchendo o ambiente de uma leveza que me pegou de surpresa. Olhei para os dois por um momento, em silêncio, sentindo o peso da cena.
Por um instante, me peguei pensando no passado, no tempo que desperdicei correndo atrás de coisas que não importavam, deixando minha família em segundo plano. O arrependimento sempre vinha, mas dessa vez foi diferente. Não era só dor; era uma lição. O agora é o que importa. Vanessa e nossos filhos são meu tudo, meu motivo pra seguir em frente.
Vanessa percebeu meu olhar e parou de comer por um segundo.
— Tá tudo bem, amor? — perguntou, com um tom suave.
Assenti, sorrindo.
— Tudo mais do que bem. Só tava aqui pensando na sorte que eu tenho de ter vocês.
Ela estendeu a mão e apertou a minha, enquanto Júnior, distraído com a última mordida da pamonha, olhava pra gente sem entender.
— A gente também tem sorte de ter você. — Vanessa respondeu, com um sorriso.
Naquele momento, soube que não precisava de mais nada no mundo. Vanessa e nossos filhos eram meu tudo.