O Peso do olhar

1246 Words
Alex Sentado ali, na cadeira desconfortável do aeroporto de Nova York, os olhares de todas as direções me atravessavam como facas. O povo passava, alguns me encarando com pena, outros com medo, e alguns até desviando o olhar rapidamente, como se eu fosse uma ameaça iminente. Aquelas olhadas me incomodavam de um jeito que eu não conseguia me acostumar. Dá raiva, mas eu já aceitei. Minha cara não ajuda. Mesmo depois de um monte de cirurgia, ainda pareço que saí de um filme de terror. Pra tentar me esconder um pouco, puxei o capuz do casaco, tentando me esconder um pouco mais, mas não adiantava. O frio cortante da cidade já não me afetava, mas esse desconforto interno, esse peso, parecia que eu nunca conseguiria me livrar. Enquanto eu tava ali, perdido nos meus pensamentos, a Suze apareceu. Ela vinha andando com aquele jeitinho dela, despreocupada, equilibrando uma lata de Coca-Cola numa mão e uma coxinha na outra. O sorriso no rosto dela parecia uma afronta ao meu mau humor. — Demorei? — perguntou ela, com a lata já meio suada. Olhei sério pra ela, do jeito que eu sempre olho quando tô de saco cheio. — Pra c*****o. Parece até que tu foi fabricar a Coca-Cola e a coxinha, pô. O sorriso dela diminuiu um pouco, mas ainda tava lá. Ela me estendeu a coxinha e a Coca sem falar nada. Peguei e comecei a comer, sem nem agradecer. Eu sabia que tava sendo um cuzão, mas a verdade é que eu não tinha energia pra ser simpático. A Suze sentou do meu lado e ficou olhando o movimento por uns segundos. Depois, soltou: — Tá animado pra voltar? Eu mastiguei a coxinha devagar, como se fosse a coisa mais interessante do mundo, e só depois respondi: — Tu já sabe a resposta, Suze. Ela suspirou e olhou pra mim, daquele jeito triste que ela tem quando acha que eu tô sendo difícil. — Nossa, Alex, como você tá chato hoje. Dei uma risada seca, sem vontade nenhuma. — Tô chato, né? — Tá. Chato e grosso — rebateu ela, cruzando os braços. Olhei pra ela e falei, sem paciência: — Tô chato, né? Tô chato e grosso, é isso? — Sim, não precisa ser assim. Eu só tô perguntando. Dei uma olhada ao redor, sentindo os olhares de algumas pessoas ainda em mim. Soltei a coxinha e a Coca-Cola de lado, limpei as mãos uma na outra e virei rapidamente meu corpo em direção a ela, com um gesto abrupto. Segurei seu rosto com força, fazendo ela me olhar nos olhos. — Olha em volta, Suze. Olha! — gritei, forçando ela a olhar para as pessoas que passavam. — Tu acha que eu tô bem com essa situação? Tu acha mesmo que eu devia tá aqui rindo com você, enquanto todo mundo me olha como se eu fosse um monstro? Ela tentou resistir, balançando a cabeça lentamente, como se quisesse me acalmar, mas eu não estava no clima para ser acalmado. — Para, Alex… — ela sussurrou, tentando se soltar da minha mão, mas não com muito esforço. Eu puxei seu rosto de volta, obrigando ela a olhar ao redor mais uma vez. — Veja, Suze. Veja como esse povo me olha. — Para, Alex, por favor — ela sussurrou, quase implorando. — Olha, Suze! Olha pra esse povo! — sibilei, apontando com a cabeça pros olhares que continuavam pousados em mim. — Tu acha que eu tô bem com isso? Tu acha mesmo que eu devia tá rindo agora? Ela tentou desviar o olhar, mas eu segurei firme. O rosto dela tava pálido, os olhos marejados. — Não, Alex. Me desculpa... — respondeu ela, com a voz baixa. Um homem sentado algumas cadeiras mais à frente nos olhou de soslaio, visivelmente desconfiado. Sua postura ficou mais tensa, como se estivesse avaliando a situação antes de decidir o que fazer. — Agora tu entendeu, né? — falei, tentando controlar o tom de voz. — Sim, eu entendi — ela respondeu, baixinho. — Vai parar de encher o meu saco? — Sim, me desculpa. Olhei novamente para o homem e percebi que ele estava se levantando. O desconforto cresceu no meu peito, e meu coração começou a bater mais rápido. Ele se aproximava com passos firmes, os olhos alternando entre mim e Suze. Soltei o rosto dela e voltei a me recostar na cadeira. Peguei a Coca e dei um gole, tentando acalmar o nervoso que tava queimando dentro de mim. — Tudo bem por aqui? — ele perguntou, a voz baixa, mas carregada de uma firmeza que não dava espaço para evasivas. Levantei a mão num gesto defensivo, tentando mostrar que não havia problema algum. — Tá tudo bem, cara, não se preocupa. — tentei sorrir, mas a expressão no rosto dele não mudou. Sabia que minha tentativa de parecer despreocupado tinha falhado miseravelmente. O homem desviou o olhar para Suze, que deu uma confirmação rápida com a cabeça e um sorriso fraco. — Tudo certo. — sua voz saiu firme, mas havia algo forçado nela, como se dissesse aquilo mais para afastá-lo do que para me defender. O cara hesitou, mas acabou voltando pro lugar dele. Eu me recostei na cadeira, tentando não fazer mais cena. Suze estava ao meu lado, quieta, mas seu olhar parecia queimar em mim. Ela estava me analisando, como sempre fazia quando sabia que algo não estava certo. — Pode parar com esse olhar, Suze. Eu sei que você quer me dizer algo, mas eu não tenho cabeça para mais conversinha agora. — minha voz saiu mais dura do que eu pretendia, mas eu não conseguia me controlar. — Alex... Eu só queria te animar, sabe? — a voz dela tinha um tom hesitante, quase como se estivesse com medo de pisar em terreno errado, mas havia também uma doçura que me irritava. Virei a cabeça devagar, encarando-a sem expressão. — E eu só queria que você parasse de fingir que tá tudo normal. — minhas palavras saíram como lâminas, frias e cortantes, carregadas com todo o cansaço que eu tentava ignorar. Ela piscou, como se eu tivesse acabado de dar um t**a invisível nela. Ficou em silêncio por um momento, os olhos dançando pelo espaço ao nosso redor, procurando algo para se agarrar. Então, com a voz baixa, respondeu: — Se tem alguém que sabe que não tá nada normal com você, esse alguém sou eu. Não se esqueça que eu tava do seu lado quando a m***a toda aconteceu. — as palavras dela vieram cheias de uma dor que eu sabia que ela também estava tentando mascarar. Sua voz tremia levemente, mas o tom tinha uma firmeza que eu não esperava. As palavras dela me acertaram em cheio, como um soco que eu sabia que merecia. Mas não podia deixar isso transparecer. Engoli seco, desviando o olhar, fixando-o em um ponto qualquer. — Beleza, então para de agir como se a gente estivesse indo pra uma viagem de férias. — minha voz saiu seca, quase sem vida, mas o suficiente para cortar a conversa no meio. Ela abriu a boca como se fosse responder, mas mudou de ideia. Engoliu em seco e desviou os olhos, encarando o chão como se estivesse tentando encontrar algo ali, qualquer coisa que pudesse aliviar o peso do que eu tinha acabado de dizer. O silêncio entre nós era sufocante, tão denso que parecia preencher todo o espaço ao nosso redor.

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