Dante estava escrevendo sem parar, usando fones de ouvido, sentado confortavelmente diante da mesa com seu notebook. Mesmo fingindo que ele não estava lá, tentando tornar tudo menos tortuoso, ainda era difícil lidar com sua presença.
Por que simplesmente não consigo me desfazer dessa conexão incômoda? Esse pensamento era incessante em minha mente. Parecia que as tempestades não eram a única coisa incomum em Vale Dália agora, e talvez eu precisasse me acostumar com mudanças. Só não esperava que elas fossem tão avassaladoras.
— Precisamos estudar, não mude meu foco. — disse ao ver Lucas passear pelo catálogo de filmes no streaming.
— Por que não nos divertimos um pouco antes? — Lucas estava tão amoroso hoje que me perguntei o motivo.
— Está agindo assim pelas fotos? — deixei escapar, e ele paralisou. — Estou bem, vai ficar tudo bem. — menti.
Era fácil dizer isso ali, quando estava segura dos olhares daqueles que me julgavam naquele ambiente selvagem que era a faculdade. Logo teria de encarar isso.
— Sou seu amigo, Liv. Não posso te agradar? — Ele posicionou dois baldes de pipoca, um de sabor doce e outro salgado.
— Acho que é o seu dever. — retribuí a brincadeira e rimos, quase nos esquecendo de que o pai dele estava logo ao lado.
Por um momento, aquilo quase pareceu normal, como se nada tivesse acontecido na noite anterior. Mas seria mentira dizer que eu conseguiria levar o assunto de forma tão leve.
Então, ignorei aquelas sensações e tentei prestar atenção no filme que Lucas escolheu. Não sabia sequer o nome, mas era algo muito mais quente do que eu poderia prever.
E acho que ele também se surpreendeu pela feição envergonhada que exibiu e as bochechas levemente vermelhas ao ver tais cenas.
Não demorou muito até que surgisse o maldito calor em meu rosto, e eu apenas torci para não estar vermelha igual a um pimentão.
Dante decidiu escolher um momento nada oportuno para tirar os fones e se aproximar de nós, observando o filme que escolhemos.
— Então é isso que estão estudando? — Ele disse com bom-humor, rindo.
Se esticou um pouco para pegar a pipoca de caramelo salgado, e eu, sem olhar para o lado, evitando qualquer contato visual, não vi que nossas mãos seguiam na mesma direção.
Nossas peles se chocaram e estava ali, mais uma vez. A eletricidade palpável da noite anterior.
Nos encaramos no mesmo instante, e não pude evitar reparar como ele estava atraente. Havia aparado a barba, e seus cabelos estavam penteados para trás.
Dessa vez, usava um óculos quadrado de armação de cor preta. Parecia um professor sexy usando roupas coladas completamente impróprias para o ambiente de trabalho, mas que aluno nenhum ousaria reclamar da vista.
— Desculpe. — falei tímida assim que nossas mãos se esbarraram.
Ele deu um sorriso gentil e ficou em silêncio, voltando para a mesa.
Andou por ali alguns segundos, parecendo inquieto, até que deu boa noite e seguiu para o quarto.
Disse para Lucas que quando eu quisesse dormir era para acordá-lo que ele viria para o sofá, e ambos dormiriam na sala para que eu ficasse com o quarto.
Não pude protestar, ambos não permitiriam que eu dormisse em outro espaço sem ser a cama.
Logo as horas passaram e a madrugada chegou. Lucas adormeceu e fiquei no sofá, tentando pensar em como teria coragem de acordá-lo para que eu pudesse dormir.
Minha mente devassa considerou deitar-se ao lado dele, esperando que ele ficasse alegre com a minha ousadia e recompensasse meu esforço diante do perigo que corríamos.
Mas tudo não passava de uma fantasia. Uma fantasia sádica que meu cérebro elaborou ao me fazer imaginar o quanto eu queria aquele homem em cima de mim mais uma vez.
Decidi então ignorar a exigência que ambos fizeram e me mudei para o sofá menor. Me ajeitei encolhida no estofado e fiquei ali, alguns segundos observando Lucas dormir, reparando o quanto ele era ainda mais bonito quando dormia.
Meu coração palpitava ao considerar perdê-lo, e a essa altura, eu não entendia se era porque eu o desejava, ou apenas por sua amizade.
Consegui pegar no sono rapidamente, embora ansiosa com qualquer barulho que eu escutasse.
Fui levada ao meu mundo particular, de um jeito diferente.
Meus sonhos se repetiam todos iguais há semanas, mas, depois da noite anterior, eu fui surpreendida com um novo cenário.
Estava no loft, rodeada de pinturas viscerais e atraentes. Parado em frente a janela, estava Dante, usando uma camisa social branca toda desabotoada.
Seu abdome amostra, os cabelos desgrenhados e aquele mesmo olhar faminto em minha direção. Era tudo que eu queria desde o momento em que o provei.
As cenas elaboradas pelo meu subconsciente foram seguidas de toques intensos, beijos úmidos e gemidos incontroláveis. E, por uma ironia do destino, enquanto eu me permitia sonhar com o que não podia ter, senti um toque que me tirou daquele transe enquanto eu dormia.
Despertei assustada, sentando quase com um pulo no sofá. Senti minha nuca suada e meu rosto quente.
O vi parado em minha frente, e por um instante, não soube distinguir se era um sonho ou realidade.
— Acho que você estava tendo um pesadelo. Fazia alguns sons e parecia angustiada. — Dante sussurrou.
Fiquei com tanta vergonha que quis enfiar a cara em um buraco e me esconder.
— Era um pesadelo. — confirmei para me livrar daquela situação. — Preciso de um café.
Saí da frente dele, tentando fazer com que ele não percebesse minha desorientação.
Lucas dormia profundamente, sem acordar com nossos barulhos.
— Precisamos conversar, Olivia. — sua voz grave se intensificou.
— Não podemos falar sobre isso aqui, não agora. — apontei em direção a Lucas.
— Pretende fingir que isso é normal? — Ele aumentou a voz.
Caminhei em sua direção e implorei por silêncio. Dante parecia irritado, e então, ele segurou meu pulso firmemente e me arrastou para o quarto.
— O que está fazendo? Está louco? — perguntei assim que ele trancou o cômodo.
Ele parou em frente a porta fechada e me observou. Seus olhos percorreram meu corpo de cima a baixo, e senti a mesma fisgada familiar no meio das minhas pernas ao vê-lo assim.
— Vamos resolver isso agora.