Olivia Fernandes
Aquele foi provavelmente o jantar mais constrangedor que participei.
E o mais engraçado, é que foi uma das melhores comidas que já comi. Dante era um cozinheiro nato, e isso me surpreendeu. Acho que ele deveria ser talentoso em tudo o que fazia, e eu tinha visto pouco de suas habilidades.
Mas, naquele ponto, não era algo que eu poderia me dar o luxo de imaginar. Estava decidida, teria que deixar domar minha imaginação em prol da minha amizade com Lucas.
Eu só não imaginava que seria tão difícil.
Enquanto jantávamos, dando fim aos raviolli recheados com queijo e camarões, eu m*l conseguia olhar ambos nos olhos. Tentei evitar qualquer falha que demonstrasse o que sentia.
Desde nova tenho essa percepção inconveniente de que, talvez, algumas pessoas possam advinhar o que penso através do olhar. Talvez eu seja reveladora demais em minha expressão corporal, ou talvez eu seja ansiosa.
Acho a segunda opção mais provável diante dos fatos.
Quando fui me servir de mais um pouco de massa, minha mão esbarrou com a de Lucas.
— Esses do lado são os com camarão, os outros são apenas com queijo, meu pai não come carne. — Ele disse, movendo minhas mãos delicadamente até a travessa maior.
— Perdão, não sabia. — disse com educação, servindo outra pequena porção.
— Depois de trabalhar em cozinhas profissionais perdi completamente o gosto por carne. — Dante comentou, mas não o olhei nos olhos. — Está bom para você, Olivia? — sua pergunta carregou um tom familiar em sua voz.
Torci a cabeça para o lado levemente, tentando disfarçar o riso ladino que surgiu no canto da minha boca.
Céus, Olivia. Se controle.
— Está ótimo, Senhor. — respondi e finalmente tive coragem de encará-lo, notando seus olhos se tornarem escuros ao me ouvir.
Lucas parecia entretido o suficiente com seu prato para notar os olhares intensos que trocamos naquele instante, e me vi falhando comigo mesma mais uma vez. Acho que aquele foi o sinal que tive para perceber que não tinha condições de ficar no mesmo lugar que ele.
Quando me movi em direção ao meu amigo, pensando em inventar a melhor desculpa que eu podia para ir embora, ouvimos um estrondo que chamou a atenção de todos que estavam à mesa.
Me senti como um fantoche à merce de um ventríloquo sádico que controlava a mim e a minha história.
Não podia ser sério.
— Não deve demorar muito, não é? — toquei o braço de Lucas, chamando sua atenção.
— Eu não sei, Liv. Mas não íamos ficar aqui o resto da noite? — a fala de Lucas fez Dante erguer o olhar em nossa direção com uma velocidade surpreendente.
— Acho que podemos estudar em um momento melhor… — Tentei ser sutil quanto a presença de Dante ali, mas não consegui o suficiente.
— Irei embora daqui a pouco, poderão ficar a sós. — falou quase com um tom frio, se levantando da mesa e levando os pratos vazios.
Merda.
A aquela altura, tinha quase 99% de certeza que ele tinha entendido tudo errado.
Bom, não sei se tão errado, afinal, ele não fazia ideia de que, antes de eu conhecê-lo, só tinha olhos para Lucas.
Mas eu precisava dar um jeito de fazer ele entender que éramos apenas amigos.
— Imagina, você deve ficar. Eu sou a intrusa. — Fui sincera em minhas literais palavras. — É um caminho curto, apenas alguns quilometros.
— Não sei se você é tão habilidosa a ponto de seguir nessa tempestade com sua bicicleta velha. — Lucas alfinetou, e eu joguei uma almofada nele.
— Se não estivesse tão bonita, eu faria questão de arruinar essa maquiagem com meu arremesso. — Ele segurou a almofada com ambas as mãos, a deixando de lado ao dizer tais palavras.
Aquilo pareceu ser o estopim para Dante, que quase quebrava as louças ao ouvir todas as brincadeiras que, apesar de infantis, eu sabia que eram íntimas demais para quem não conhecia a dinâmica de amizade de Lucas.
— É melhor eu ir antes que a chuva piore, se for possível. — Lucas se levantou ao ouví-lo dizer, e ele sequer se despediu de mim.
O vi acompanhar Dante até a porta, que saiu como um jato.
Antes, eu não sabia o que poderia fazer para acabar com o que criamos na noite anterior a aquela, mas depois disso, ficou óbvio. Estava tudo arruinado.
Passaram-se alguns minutos e Lucas pegou alguns livros, folheando os assuntos antes de decidir por onde queria começar.
Fiquei ao seu lado com um dos livros na mão, fingindo ler as páginas extensas enquanto eu só queria mandar uma mensagem e dizer que ele estava enganado.
Eu não entendia o motivo de precisar dar explicações a um homem que era praticamente um estranho. Mas era como se algo não me permitisse ter paz diante dele supor algo r**m sobre mim.
Estava inquieta, incomodada com toda aquela situação. Ao mesmo tempo que queria me livrar daquele peso e dizer a Lucas que tudo havia sido um engano, eu inha o impulso egoísta de evitar perdê-lo.
Acho que não conseguiria aguentar ficar naquele campus sozinha sem ele. Não tinha mais ninguém, e ele já havia se tornado parte integral da minha vida.
Em meio as minhas questões com a possível dependência emocional que eu nutria por Lucas e todo o resto, nós ouvimos algumas batidas na porta.
Olhamos um para o outro e vi pela surpresa em seu rosto que ele não esperava alguém.
Então ele se levantou, seguindo temeroso até a porta e olhando pelo olho mágico. Mas, ao observar, ele deu um riso e girou a maçaneta.
— Decidiu tomar banho lá fora, coroa? — Lucas caçoou.
— Sinto informar, mas as ruas estão todas alagadas. Não consegui sair com o carro. — Dante disse ao entrar completamente encharcado no apartamento novamente.
Lucas pegou uma toalha e deu para ele, e eu o observei mais uma vez, após achar que não precisaria vê-lo de novo tão cedo.
Dante usava uma blusa social parecida com a da noite anterior, mas dessa vez, preta. Aberta alguns botões no peitoral indecentemente molhado, com o tecido marcando cada pedaço do seu corpo, exatamente como quando eu o conheci.
Parecia mesmo o destino pregando uma peça em mim. Uma peça torturosamente deliciosa.
Evitei manter meus olhos tão fixos, mas estava quase hipnotizada em sua estrutura enquanto usava a toalha para secar os cabelos úmidos.
Quando não parecia ficar pior, Lucas trouxe uma camisa e uma bermuda sua, emprestadas.
— Vou ter que usar isso colado assim? — Dante riu, achando graça da própria situação.
— Ele diz isso com tristeza sabendo que é super sarado. — Lucas diz, olhando em minha direção.
Dou um riso nervoso fingindo não saber que vi o quanto ele é sarado bem de perto.
Vejo como Dante ri nesse instante e disfarça, antes de ir até o banheiro se trocar. Só ali me toco no que ele disse, pensando em como vou embora com as ruas alagadas.
— Sem condições de ir de bicicleta? — pergunto para Lucas e ele vai até a janela. Mas, antes de responder, Dante surge do banheiro vestindo um conjunto de poliéster que já vi Lucas usar para correr.
O tecido um pouco folgado em Lucas ficava extremamente justo em Dante, e isso quase me faz soltar um gemido ao vê-lo daquele jeito.
— Estamos presos aqui, Olivia. — Dante toma a frente e responde minha pergunta, sentando-se no sofá em frente a mim, esparramando-se com as pernas ligeiramente afastadas.
Estamos presos, e eu estou completamente fodida.