— Obrigada, João. — Agradeci, pulando do seu carro. Na real, eu só queria me livrar dele.
Qual é, eu tinha acabado de voltar para casa e não queria, de jeito nenhum, que alguém pegasse implicância comigo por estar andando com o dono do morro. Eu não sei quantas mulheres, amantes ou seja lá o que for, ele tem e não quero arriscar. Estou voltando e quero ter a mesma paz que tive na casa da minha avó por todos esses anos.
— Espero, pô. — Ele murmurou. — Quero ver a tia Vera.
Ele desceu do carro, batendo a porta. Os vidros ainda estavam abertos e ele andou até o porta-malas para tirar minha mala de lá. Ele jogou-a no chão sem jeito algum, o encarei revoltada.
— Minha mala! — Bati o pé, emburrada. Andei até ele, puxando-a das suas mãos. — Minha bebê, você tá bem, querida?
— Que show por causa de uma mala. — Ele resmungou.
— Não é só uma mala. — Reclamei. — É a melhor mala do mundo e tem itens quebráveis aqui dentro. Se for pra quebrar algo, que não seja os meus perfumes.
— Tá muito estressadinho você, em. — Ele disse, parando na minha frente. — Vou ter que te educar?
— Cala a boca, João. — Resmunguei, andando até a calçada da minha casa. Parei na frente do portão, procurando pela campanhia que dava na minha casa.
— É essa daqui ó. — Ele parou na minha frente, apertando um dos botões brancos encardidos.
O encarei feio, como ele sabia disso mesmo?
— Você tá frequentando a minha casa é? — Perguntei, como quem não quer nada.
— Agora que ela está sozinha? Sim. — Ele disse, encarando-me atentamente. — Ainda bem que você está voltando pra casa, morena.
— Não sou morena. — Resmunguei.
— Ah, para, pô! — Ele empurrou meu ombro lentamente.
— De qualquer maneira, foi eu voltar sim, preciso cuidar da minha mãe. — Pontuei. — E, de praxe, eu ainda vou procurar um emprego.
— De que?
— Praxe.. — repeti.
— Que p***a é essa, garota? — ele gritou. — Foi pra roça e aprendeu a falar inglês?
— Isso é uma palavra brasileira, você é traficante mas não precisa ser burro não, viu? — Debochei, levantando uma das sobrancelhas. — Cadê minha mãe, em?
— Eu não sou burro não, garota. — Replicou, claramente puto. — Eu só não sei que merda de palavra é essa, não tenho culpa se tu virou dondoca, ô professora de português paraguaia.
— Acabei de chegar e você quer me irritar é? — Perguntei. — Álias, quando foi que você criou tanta i********e comigo?
— Ainda! — Ele disse, dando-me um sorriso. — Eu sou o chefe, pô, tenho que ter uma boa relação com a galera do morro e de qualquer maneira, te conheço desde que você nasceu, praticamente.
— É, eu sei. — Resmunguei. — Meu Deus, minha mãe esqueceu que eu vinha?
— Não, não esqueci. — A voz dela ecoou atrás de mim. Me virei, sentindo meu peito se encher.
— Mãe! — Corri para abraça-la.
Voltar para casa era, sem dúvidas, a mulher sensação que eu já tive em toda a minha vida. Principalmente, pelo fato de o meu pai não estar mais aqui para me encher o saco e cagar regra. Só Deus sabe quantas saudades eu senti dessa mulher e abraça-la depois de tantos anos é a sensação mais incrível que eu já pude experimentar.
Minha vida longe daqui, longe dessas pessoas foi ótima, mas eu tive que voltar e agora, eu tenho que ficar de cabeça erguida. Eu nunca tive amigos da favela, meu pai nunca permitiu e as pessoas do coral — especialmente as meninas — nunca me curtiram muito. Acabei me afastando de todo mundo e me trancando em meu próprio mundinho durante anos.
Voltar para casa significou deixar tudo o que eu conhecia e construí nesses últimos três anos. Todos os meus amigos, todos os meus namoradinhos', absolutamente tudo. Foi uma fase incrível da minha vida, e eu só tenho agradecer a cada momento que me foi proporcionado.
— Como você cresceu, menina. — Ela me agarrou, beijando o meu rosto. Seus olhos estavam cheio de lágrimas. — Olhe só o quanto eu perdi da sua vida, me perdoa, meu amor.
— Está tudo bem, mãe. — Beijei sua bochecha. — Tudo o que aconteceu teve a permissão de Deus, o importante é que agora, nós estamos juntas!
— Eu errei tanto em dar ouvidos ao seu pai. — Ela murmurou. — Eu errei pois achei certo a submissão extrema. Nunca entendi que submissão é estar ao lado, não abaixo.
— Mãe, não se martirize com isso, pelo amor... já passou, eu juro. — Eu me afastei um pouco dela, observando as sacolas em suas mãos. — Eu juro que foi ótimo, tudo o que eu vivi e vivenciei, minha avó é maravilhosa!
— Eu sei que ela é. — Ela sorriu e continuou me olhando cheia de ternura. — Olha só pra você, tão crescida, cheia de palavras difíceis no vocabulário, você viu, Joãozinho?
— Vi sim, tia. — Ele disse.
Tinha me esquecido que ele ainda estava ali, mas por um segundo, eu não conseguia sentir raiva dela. Olhar para a minha mãe fez eu me lembrar de tudo o que João fez por mim, antes que meu pai acabasse com tudo. Ele foi um divisor de águas na minha vida.
— Você vai ficar pra almoçar, não vai? — Ela perguntou para ele.
— Ainda, Tia! — Ele disse, animado, esfregando as duas mãos. — Bater aquele rango, delicinha.
— Vamos, crianças. — Disse ela, andando até o portão cinza descascado. Fiz uma careta, eu tinha que resolver isso depois. — Entrem!
— Deixa que eu carrego, pô. — Ele se aproximou, pegando as sacolas das mãos dele.
— Que isso, menino, não precisa! — Minha mão respondeu.
— Deixa ele carregar, ser prestátivo, já vai comer de graça. — Pontuei.
— Victória!!!!! — Minha mãe exclamou.
— Que é? — Resmunguei.
— Vamos entrar! — Ela soltou um suspiro alto.
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