— E como foi lá, minha filha? — Minha mãe perguntou, servindo-me com um pouco de suco de maracujá e pão fresquinho' que ela tinha acabado de comprar.
Enquanto isso, João me encarava. Sempre me perguntei o motivo de ele ter como vulgo neném, mas no final, ficaria como um branco enorme na minha vida. Eu não iria mesmo atrás de saber o que o tinha feito ganhar esse apelido entre os seus amigos — e que se espalhou por todo o morro.
Eu não achava que era tão importante assim para mim a ponto de eu perguntar. Uma hora ou outra, eu descobriria. Não achava que eu ficari tanto tempo assim dentro de casa para não ter amigos. Eu teria uma vida, quem sabe, um emprego e iria ter o direito de ir e vir também.
Suspirei. Encarei a minha mãe, me perguntando o quanto ela aguentou nesses três anos em que eu estive longe, feliz e me divertindo. Eu me sentia culpada por ter tido uma vida além dela, por ter aceitado tão facilmente a derrota, por ter aceitado me afastar dela. Minha mãe nunca me contaria os ocorridos, ela nuncame falaria a verdade e sinceramente, não sei se um dia terei estômago para saber de todos os acontecidos.
— Foi ótimo; — Sorri, sem graça.
Minha mãe se sentou na minha frente, pegando uma xícara do seu café, me encarando com expectátiva.
— Não se acanhe, João é como se fosse da família agora. — Ela disse, João me encarou com um olhar convencido.
Engoli uma provocação, pois sabia que era uma coisa desnecessária para ser dita ali, naquele momento.
— Ah, não tem nada muito extravagante para contar... — mordi minha bochecha.
— Conte, vai! — Ela disse animad.
Era claro que a minha mãe queria saber o que tinha acontecido na minha vida e eu me sentia egoísta por não querer contar a ela. O impasse que eu estava vivendo era grande, mas eu acho que doeria menos nela se eu desembuchasse logo tudo. Puxei o ar e a encarei, dando um sorriso.
— Era a mesma rotina de sempre... — passei o dedo pela borda do copo, encarando-o. — Escola, casa... as vezes, nós íamos para a casa de alguma amiga, alguma festa. Mas, vovó nunca nos deixou procurar um emprego, nos dava tudo.
— Não sei como sua avó, sendo uma mulher tão boa, conseguiu criar um crápula como o seu pai. — Desdenhou. Quis rir.
Minha mãe estava muito mais falante agora, dizendo a sua opinião sempre que podia. Isso me admirava e mostrava que ela estava se tornando muito melhor aos pouquinhos.
— E, nenhum garoto? — Perguntou.
— Não, eu não tinha tempo para essas coisas. — Dei de ombros. — Você sabe, é complicado ser uma pessoa naquela cidade, se envolver com alguém que já se envolveu com outras cinquenta garotas que você conhece.
— Como assim? — João perguntou, franzindo a testa.
— Todos os cara que eu conhecia já tinham ficado com todas as minhas amigas. — Eu comecei a explicar. — Sabe, é complicado ficar com alguém que já rodou mais que um celtinha'.
João e minha mãe riram, me encarando.
— Tem gente que gosta de ter experiências, oras. — João disse, dando de ombros.
— Dispenso esse tipinho. — Disse, sugestiva.
— Você acha mesmo que vai encontrar alguém zero quilometros? — Ele perguntou, a sombrancelha arqueada. — No rio de janeiro?
— Não quero alguém zero quilômetros, eu quero alguém que não tenha pegado todo mundo que eu conheço. — Expliquei.
Não quero que eles pensem que eu sou soberba a esse ponto, quero que entendam que eu quero me valorizar.
— E ainda tem o fato de acharem que tem direito de se meter no relacionamento porque pegou fulano. — Eu fiz uma careta. — Perdi as contas de quantas brigas eu já vi sobre isso.
— Vem cá, o professora paraguaia...— Ele chamou a minha atenção. — Você já beijou na boca alguma vez?
— Não gostei do apelido, e não interessa se eu já beijei na boca ou não, João. — Franzi a testa, sentindo minhas bochechas esquentarem.
— Perai, você nunca beijou na boca? — Ele perguntou. — c*****o, garota! Agora eu entendi porque você quer um cara zero.
— Ai, cala a boca, João. — Fiz uma careta.
Tudo bem, eu nunca tinha beijado mesmo na boca. Nunca tive interesse em qualquer cara da minha cidade, era um lugar pequeno e as famas corriam muito rápido. Era estranhamente bizarro como eu passei tanto tempo sem me envolver com alguém. Minha prima era uma pessoa maravilhosa e não ligava para isso, diferente de mim.
Eu sempre dizia que uma hora eu iria me interessar por alguém e rolaria, mas veja só, voltei para a minha casa e nunca rolou, nenhuma vezinha' sequer. Eu não me incomodava com isso, mas as vezes queria ser como as outras garotas da minha idade.
— Não se sinta pressionada sobre isso, querida. — Minha mãe tocou a sua mão na minha. — Cada pessoa tem o seu tempo para tudo.
— É, professora paraguaia, não tem problema nenhum a senhora não ter feito essas coisas. — Ele disse, parecendo querer contornar o que tinha dito.
— Eu sei que não tem, mãe. Eu não me sinto mais ou menos por causa disso, eu só estou esperando o meu tempo e tá tudo legal.
— Isso ai, minha menina. — Ela sorriu. — Tem que se valorizar mesmo. Queria ter tido a sua mentalidade.
— Mãe, a senhora nunca me contou como foi que conheceu o meu pai, né? — Cutuquei.
Não sei se é um assunto delicado, mas agora que meu pai não está mais aqui, não tem o que a impessa de me contar tudo.
— Bom, agora que ele não está mais aqui para usar você contra mim... — ela suspirou. — Ainda bem que aquele traste sumiu da minha vida. — Ela disse, mudando o assunto por um segundo inteiro. — Conheci seu pai quanto eu tinha quinze anos, minha mãe e meu pai, que eram pessoas simples e boas não gostavam dele e não aprovavam o namoro, e eu tinha que ter os escutado. De qualquer maneira, eu nunca fui uma adolescente muito desobediente, estava sempre onde eu dizia que estaria e meus pais acabavam tendo uma confiança absurda em mim. — Ela titubeou os dedos na mesa, fazendo um som de "clap" com as unhas. — Eu não só desobedeci, como acabei indo ficar com o seu, ao ínves de ir para o aniversário de Aline, nesse dia... nesse dia tivemos toques mais intimos, por assim dizer e depois de alguns meses eu descobri que estava grávida.
— E o vovô? — Perguntei.
Lembro-me pouco dos meus avós maternos, minha mãe acabou perdendo o contato com eles após sair da paraiba para morar com o meu aqui no Rio de Janeiro.
Era o sonho da minha mãe sair do interior e conseguiu isso jovem, mas pagou um preço alto e caro.
— Seu avô ficou possesso, assim como o pai do pai. Eles queriam mata-lo por ter tirado a minha pureza, afinal, ele tinha que ter me respeitado. — Ela lambeu os lábios, mexendo nas unhas. — Mas, de qualquer maneira, fomos obrigados a nos casar. Éramos do interior e morávamos com seus avós paternos, sua avó era um amor, me ensinou tudo o que sei e cuidou de nós duas como se fôssemos filhas dela mesma. Nos amava com todo o coração. — Ela lambeu os lábios, parecendo lembrar de alguma coisa. — amo aquela mulher como se fosse a minha própria mãe.
— E a vovó? — Perguntei.
— Minha mãe e meu pai se afastaram naquela época, e eu estava ocupada demais aprendendo a ser sua mãe. — Ela fez uma pausa. Não falei nada e nem João se atraveu a falar alguma coisa. — Depois que viemos morar no rio de janeiro, que eu disse para você que sempre foi o meu sonho, eu perdi o contato com todos eles. Seu pai começou a se tornar abusivo e me proibiu de falar com a sua avó e tentar contato com a minha mãe também.
— Eu sinto muito que tenha passado por isso, mãe. — Segurei sua mão, calmamente. — Se eu não tivesse nascido...
— Não, não... — Ela disse, balançando as mãos, sua testa franzida. — Não diga isso, você não tem culpa, não pediu para nascer. Foi culpa minha e do seu pai, nossa responsabilidade. Eu é quem fico chateada por ter permitido que você passasse por tanta coisa, não tive força para me reerguer e viver uma vida boa ao seu lado. Eu sempre achei que faria falta uma presença paterna na sua vida e eu estava errada.
— Não se culpe por isso, mãe. — Eu suspirei, cansada. — Você fez tudo o que pôde e eu admiro a senhora ter passado por tudo isso para que eu tivesse uma vida boa.
— Ah, assim eu me emociono. — Ela disse, sorrindo.
João permanecia calado ao nosso lado, atento a tudo. Ele não disse mais nada por um bom tempo e enquanto os próximos minutos passaram, permanecemos assim. Mordi meu lábio inferior e tomei meu suco, mordendo o meu pão frânces.
O radinho de João soou no seu bolso, chamando a atenção de todos nós. Ele piscou em nossa direção, e puxou o aparelho preto com uma antena da cintura, desligando-o.
— Tenho que ir. — Ele se levantou. O clima ainda estava um pouco pesado, mas eu tentei sorrir para ele. — Estão me chamando lá pra cima.
— Entendi. — Minha mãe se levantou. — Deus te abençoe, meu filho, e ó... lembra do que a tia te falou.
— Pode deixar, tia! — Ele ajeitou a postura. — Deus é comigo, pô! Quem me protege não dorme.
— João, você cresceu na igreja, meu filho, tu sabe como as coisas acontecem... — Ele disse, piscando para mim. — Deus é amor, mas também é labareda de fogo.
— Tia, enquanto a senhora e a minha mãe estiverem com o joelho no chão pela minha vida, m*l nenhum vai chegar perto de mim. — Ele deu um sorriso para ela.
Era clara a preocupação que a minha mãe tinha por ele. Eu achava bonito e não teria coragem de dizer alguma coisa. Eles pareciam intimos e me pergunto o que eu perdi aqui. Mas, de qualquer maneira, agora eu estou de volta e vou recuperar o tempo perdido!
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Lembrando, o livro é completo em línguagem informal, ou seja, lingua de rua, do lugar que eu nasci e cresci.
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