Capítulo 04

1639 Words
Mordi minha bochecha, enquanto minha mãe lavava a pouco louça que tinhamos usado no café da tarde. Eu estava um pouco nervosa, a pouco tinha acabado de chegar na minha casa e mesmo que tentasse voltar a normalidade, já tinha muito tempo que não era normal. Eu nunca imaginei que voltaria e por mais amorosa e bondosa minha avó sempre tenha sido, eu ainda culpei a minha mãe por ter permitido que isso acontecesse. Por meses. Eu gostava de lá, gostava das pessoas, da vida simples. Não era egoísmo, eu só não imagina que precisaria voltar e foi uma luta para que eu me convencesse de isos era o certo e eu tenho vários pontos sobre isso. Eu podia lista-los, mas existia um ponto em especifico, um que eu gostaria de esquecer, mas que eu não conseguia. Acho que o fato de que, durante esses últimos três anos a única ligação que eu recebi da minha mãe foi para me avisar que eu poderia voltar, que ela me queria de volta e que meu pai tinha fugido. Ela explicou a situação para a minha avó, que ficou trancada no quarto por quase uma hora inteira. Depois, a senhora um pouco enrrugada, com marcas de expressão e um olhar doce e preocupado encravado em seu rosto se sentou na minha frente, na mesa da cozinha, segurou minha mão entre as suas mãos quentes e me contou tudo, desde o início. Minha avó não tenho facilitar para o lado da mulher que eu chamava mãe. De jeito nenhum. Ela foi franca, simples e me disse todas as coisas duras que eu podia ouvir naquela hora. "— Serei sincera com você, minhas querida. — começou a dizer, e eu suspirei, segurando o choro. — Não sei as coisas que aconteciam na sua casa, a não ser as coisas que você me conta, não sei como tudo acabou desse jeito... tão, conturbado. Sua mãe não pensou duas vezes antes de mandar você para que eu criasse, aceitei pois não sabia como era a vida da minha primeira neta. Você, meu sol, foi a melhor coisa que seu pai fez e sim, eu culpo Vera por não ter lutado por você, por não ter ligado nenhuma vez sequer para saber se você ainda estava viva. — Ela lambeu seus lábios e me encarou. — Não quer que chore, deixarei você pensar, amanhã ela irá ligar e você irá ouvir o que ela tem a dizer e só depois você decidirá o que fazer." E cá estou eu, me sentindo sufocada na frente da mulher que deveria ser minha melhor amiga, que me deixou ir sem olhar para trás, que não ligou, que não brigou por mim, mas que eu amo... e eu entendo que meu pai a privou de tantas coisas, mas, no final, o que ela falava para os outros? Ninguém se lembrava que os dois tinham uma filha? Agora que estávamos sozinha o peso de tudo recaiu sobre mim como a p***a de uma bigorna de milhares de quilos. Eu tentava não culpa-la, mas não podia evitar de ficar ressentida toda vez que olhava para ela e pensava: "Será que ela sentiu a minha falta?" Aparentemente, ela e João estavam próximos demais e sim, eu sei que eu demorei alguns meses para vir, mas sinto que perdi uma vida inteira. Caramba, ela me deixou sozinha lá, mas estava aqui cuidando de um garoto que não tinha sequer a tranquilidade de andar na Orla? Sim, é comum eu ficar ressentida, é comum eu me deixar levar pelos sentimentos turvos que sinto dentro do meu peito. É comum que eu não consiga esquecer toda essa merda e tratar isso como a merda de uma página nova. Minha mãe viveu um relacionamento abusivo, eu não estou na posição de ficar magoada com ela, eu tenho que ajuda-la a se reerguer e viver uma vida boa. Arranjar um emprego, dividir contas, fazer coisas. Eu preciso disso, preciso que ela entenda que eu não sou mais aquela garotinha' que ela deixou para trás, naquele local pacato, sem um número de contato. Mas, de qualquer maneira, foi lá... foi lá que eu me encontrei, fiz amigos, sai, me diverti, me conheci. Foi lá e agora, não consigo não sentir saudades de todas aquelas coisas boas que eu vi. — O que tanto pensa? — Ela perguntou, secando a mão no pano de prato. A encarei por alguns segundos, pondo a mão sobre as minhas pernas, cansada. — Se a minha avó tomou o remédio. — Respondi, suspirando. — Você cuidava mesmo dela, não é? — Perguntou. — Minha avó é tudo para mim, mãe. — Constatei. Parei alguns segundos, encarando-a. Ela parecia um pouco magoada, a testa franzida, pressionou os lábios juntos e tentou sorrir. — Eu sei, ela é maravilhosa mesmo. — Sim. — Murmurei, me levantando. — Ainda estou no mesmo quarto? — Hunrum, arrumei tudo hoje. — Ela apontou, dando a volta na mesa. — Está tudo do jeito que você deixou, imaginei que fosse bom voltar e ter tudo aqui. Eu parei alguns segundos, querendo me segura. Queria apontar para ela que eu não queria voltar, de jeito nenhum, que nunca me imaginei vindo para cá. Mas, não queria magoa-la. — Imaginou que eu voltaria? — Todos os dias. — Ela segurou meus ombros. Então porque nunca me ligou?, me perguntei. Não conseguia encara-la sem demonstrar a mágoa. Não queria que ela chorasse e p***a. Eu não deveria ter vindo. Eu tinha que ter conversado melhor com ela. Tinha que ter dito que não tinha condições de largar tudo. Eu não tenho nada na p***a do Rio de Janeiro e agora, só consigo me sentir i****a. i****a por ter me deixado levar, i****a por só agora perceber que ela nunca esteve sozinha. i****a por ter largado a minha vida. Sem mágoas. Sem mágoas. Sem mágoas. Repetia para mim mesma, eu não tinha guardar mágoas de ninguém e não guardaria. Eu era muito melhor que isso. Eu era sim! — Vou deixar você descansar. — Ela disse da porta. — Obrigada. — Respondi, monossilábica. — Eu... eu estou feliz por você estar aqui. — Ela falou após algum tempo. — Eu também. Ela saiu, um tanto quanto atordoada, me deixando ali, sozinha, encarando as paredes brancas e um pouco encardidas do meu quarto. Era o meu único local de paz nessa cara, era aqui que eu passava a maior parte do meu tempo. Era aqui que eu escrevia para o w*****d e conversava com os meus amigos virtuais. Passei a mão pelo notebook que fui obrigada a deixar para trás, posicionado na mesinha de estudos. Ainda tinha um adesivo do smiliguido carinhosamente colado pela eu de alguns anos atrás. Eu gostava dessa formiguinha', mesmo que ela me causasse um trauminha' agora. Não agora, mas é entendível. Meu pai era um conservador de merda e não me importava muito comigo ou com o meu bem estar. Bom, ele pulou fora do seu barquinho de conservadorismo na hora de pular a cerca, mas afinal, o que é mais esperado da família tradicional brasileira além de uma traição do marido? Meu pai era um desses, a pior espécie. Ele não ligava para nada. Ele estava sempre assim, esperando que alguém fizesse algo por ele. Tão egoísta. Tão hipocrita. Ele me obrigava a revirar os olhos sempre que pensava em seu nome. A porta estava fechada, me joguei na minha cama — e os lençois pareciam ter sido trocados a pouco —, fiquei de bruços e fechei meus olhos. Não queria dormir agora e nem com essas roupas apertadas. Me levantei e abri a minha mala, pegando uma roupa fresca e confortável, pesquei uma toalha que minha avó tinha me dado e um dos meus sabonetes natura, que eram para serem usados para um banho na rodoviária. Atravessei o corredor, entrando no banheiro que tinha ali. Entrei, fechei a porta, tranquei e comecei a me despir. Não queria demorar muito, por isso, tomei um banho simples, pensando em lavar o meu cabelo amanhã. Lavei-me delicadamente, e quando terminei, vesti o shorts de malha e uma regatinha' preta. Puxei meus cabelos e os prendi em um r**o de cavalo. Joguei as roupas antiga no cesto de roupas sujas e voltei para o meu quarto, aproveitando que, finalmente, eu tinha uma chave e o tranquei. Me deitei na cama e pesquei meu celular no bolsinho' de fora, enviei uma mensagem rápida para a minha prima. Sai do w******p e abri o t****k, passando os videos para baixo. Livros, dancinhas, declarações de amor, eu adorava perceber que as pessoas eram felizes — pelo menos na internet. Só não conseguia entender a Trend da moda "Veja o meu namorado se 'desapaixonar' por mim", que não faz sentido nenhum para mim. Eu não ia querer ficar com alguém que se desapaixonou por mim, que bizarro! Eu nunca vou entender a cabeça desse jovens atuais, mas também não quero ficar repensando isso várias e várias vezes. Não é comigo mesmo. "Chegou bem?" — Priminha "Sim, e a vovó? Tomou o remédio?" — Victória. "Sim, tomou! Estava esperando você ligar, mas coloquei logo para dormir, pq' comigo não tem essa." — Priminha. "O que você fez?" — Victória. "Chá de camomila kkkk" — Priminha. Eu sabia que ela não faria nada demais, minha avó quebraria uma vassoura na cabeça dela na primeira oportunidade — e não estava errada mesmo. De qualquer maneira, eu sentiria falta delas duas, dessas loucuras que só elas tinham. Minha avó era uma jovem no corpo de uma senhora. Adorava sair, nos arrastava para lugares animados e com música, e queria que fôssemos jovens acima de tudo. Eu amava aquela mulher com todo o meu coração. Eu sentiria falta da minha avó! — x — me sigam no insta @aut.may
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