Raquel
Eu sei o que ele está tentando dizer. O "erro" ao qual ele se refere está impregnado de arrependimento. Mas não consigo aceitar isso. Não depois de ontem à noite. Não depois de vê-lo tão entregue, tão vulnerável... Não posso simplesmente deixá-lo me descartar assim.
— Um erro? — minha voz sai mais afiada do que eu pretendia, cortando o ar como uma faca. — Foi um erro quando você estava aqui, do meu lado, me beijando como se eu fosse a única coisa que importava no mundo? Um erro quando você me tocou com tanta... — faço uma pausa, sentindo o gosto amargo das palavras — vontade?
Ele desvia o olhar, como se não conseguisse suportar a intensidade do meu olhar. Sinto o peso de sua culpa pairando no ar entre nós, como uma sombra. Mas, para mim, é mais que isso. A noite passada foi mais que apenas desejo. Foi um momento em que eu pensei que talvez, só talvez, ele estivesse começando a me ver de uma maneira diferente.
Ele passa a mão pelos cabelos molhados, frustrado, seus olhos perdidos em algo que não posso alcançar. Não consigo suportar o silêncio. Preciso quebrar essa distância que ele está tentando criar entre nós.
— Pedro, olhe para mim — minha voz vacila um pouco, mas eu seguro firme. Dou um passo em sua direção, minha mão alcançando a dele. Quando nossos dedos se tocam, sinto uma corrente de eletricidade, mas ele puxa a mão de volta como se o meu toque fosse algo insuportável. — Por favor... me diga o que está acontecendo.
Ele finalmente me encara, mas seus olhos estão cheios de uma tristeza que eu não consigo entender completamente. Vejo ali algo mais profundo que o arrependimento de uma noite. É como se ele estivesse lutando contra algo dentro de si, algo que não consigo alcançar.
— Raquel... eu não posso continuar com isso — sua voz é baixa, quase um sussurro. — Eu não posso te dar o que você quer.
Cada palavra dele é como um golpe direto no peito. Por um momento, fico sem fôlego, tentando processar o que ele está me dizendo. Não é apenas sobre a noite passada. É sobre algo maior, algo que sempre esteve entre nós, mas que eu ignorei na esperança de que um dia ele mudaria de ideia. Eu pensei que poderia ser diferente, que eu poderia ser diferente para ele.
— Você está falando de Sarah, não é? — pergunto, o nome saindo dos meus lábios com um amargor que não consigo esconder. — Ela ainda está na sua cabeça, mesmo depois de tudo... Ela nem está mais aqui, Pedro. Você merece seguir em frente, e eu... — minha voz enfraquece por um instante — eu posso estar aqui para você.
Ele balança a cabeça, os olhos fixos no chão.
— Não é tão simples assim, Raquel.
Mas para mim, parece tão simples. Ele ainda está preso a ela, mesmo que tenha terminado há meses. É como se eu estivesse competindo com uma sombra, com uma memória. E agora, de repente, a noite passada, que deveria ser o início de algo novo, tornou-se apenas um lembrete de que nunca estarei à altura do que ele sentiu por Sarah.
Eu me viro, com raiva, andando pelo quarto, tentando me acalmar. Meus dedos passam pelo meu cabelo enquanto meus pensamentos correm desenfreados. Como ele pode ser tão cego? Como pode me afastar assim, como se eu não significasse nada, como se a noite passada fosse descartável?
— Você acha que ela te quer de volta, Pedro? — minha voz soa cheia de ressentimento. — Porque, se é isso que você está esperando, talvez seja hora de acordar. Sarah te deixou. Ela te quebrou. E agora, enquanto você está aqui, se afogando nessa culpa, ela seguiu em frente.
Ele levanta a cabeça, seus olhos me perfurando com uma intensidade que faz meu coração parar por um momento.
— Eu sei disso, Raquel! — a raiva em sua voz me surpreende. — Eu sei que ela seguiu em frente. Mas isso não muda o que eu sinto.
O silêncio que segue é quase ensurdecedor. Ele está confessando, está admitindo que ainda ama Sarah. E isso corta mais fundo do que qualquer coisa que ele poderia ter dito.
Eu sinto uma lágrima começar a se formar, mas a engulo de volta. Não vou deixar que ele me veja assim, tão vulnerável. Dou um passo para trás, me afastando dele, tentando desesperadamente manter algum controle.
— Então por que você está aqui comigo? — pergunto, minha voz agora cheia de desespero. — Por que veio para a minha cama, Pedro, se ainda está preso a ela?
Ele parece perdido, como se estivesse lutando para encontrar uma resposta, mas eu já sei o que ele vai dizer. E a verdade é que ele nunca esteve completamente comigo. Eu fui apenas um refúgio temporário, uma distração para ele fugir de seus próprios sentimentos.
— Eu... eu não sei — ele finalmente responde, sua voz carregada de dor. — Eu só sei que eu não posso continuar assim.
Essas palavras me atingem como uma tempestade. Cada vez mais, fica claro que nunca vou ser o suficiente. Por mais que eu tente, por mais que eu me esforce, eu nunca poderei preencher o espaço que Sarah deixou nele.
E então, sem outra palavra, ele começa a se vestir, cada movimento seu parecendo definitivo. A sensação de perda se instala profundamente dentro de mim, uma dor amarga que consome tudo.
Quando ele finalmente está pronto, ele para na porta por um momento, como se estivesse pensando em dizer algo mais. Mas o silêncio se arrasta, e ele apenas balança a cabeça levemente antes de sair, deixando-me sozinha no quarto que, minutos atrás, parecia cheio de promessas, mas agora está vazio de qualquer esperança.
Pedro
Enquanto saio do motel, uma onda de ar fresco parece revigorar meus sentidos, mas a culpa ainda pesa sobre meus ombros como um fardo insuportável. Eu me afasto do prédio, a mente tomada por pensamentos turbulentos, tentando entender como cheguei a esse ponto.
O sol da manhã brilha no céu, iluminando as ruas vazias enquanto eu caminho em direção ao meu carro. Cada passo é um lembrete doloroso do que fiz na noite passada.
Entro no carro e ligo o motor, deixando o som da música preencher o vazio ao meu redor. Mas mesmo a melodia suave piora o estado da minha alma inquieta. Desligo o rádio e dirijo sem rumo pelas ruas da cidade, perdido nos meus pensamentos tumultuados.
A imagem de Sarah surge na minha mente, o seu sorriso gentil e os seus olhos cheios de ternura. Sinto um aperto no peito ao lembrar dos momentos felizes que compartilhamos, agora obscurecidos pela distância. Mas apesar da escuridão que me cerca, ainda alimento uma pequena chama de esperança de que um dia vamos nos rever e resolver todas as coisas.
Talvez ela nem esteja com alguém, talvez apenas magoada comigo de alguma maneira.
Deus! Preciso ligar para ela. Hoje tomei a consciência que preciso dar o primeiro passo na nossa reconciliação. Eu me dei conta que não vivo sem Sarah e preciso saber se ela realmente seguiu em frente e está vivendo bem sem mim.
Paro o carro no meio do fio e, com as mãos trêmulas, pego o meu celular, mas quando vou ligar para ela, me deparo com a seguinte situação: ela me bloqueou novamente. Uma mistura de raiva me consome e eu blasfemo alto, enquanto me afundo no banco do carro cheio de frustração. Olho para o celular por mais alguns segundos, tentando assimilar tudo isso.
Meus dedos tremem enquanto seguro o celular, uma mistura de emoções tumultuando o meu peito. Raiva, frustração, culpa... e a dor latente da rejeição. Sarah, mais uma vez, bloqueou-me. A sensação de impotência é esmagadora, como se a última ponte que ligava nossos mundos já tivesse sido queimada.
Respiro fundo, tentando conter o turbilhão de pensamentos que ameaça me consumir. Olho para o visor do celular, a tela refletindo o meu próprio semblante cansado e desgastado. Será que ela já seguiu em frente? Será que já encontrou alguém para ocupar o espaço que um dia foi meu?
Olho para a rua além do para-brisa do carro, as pessoas indo e vindo, cada uma com a sua própria história, suas próprias dores e alegrias. Mas agora, tudo parece distante, como se eu estivesse num mundo à parte, isolado pela minha própria dor.