É hora de desapegar

1143 Words
Sarah Minutos depois, estou parada na sala, o telefone ainda preso à minha mão como se fosse a última âncora de uma realidade que está escorregando entre os meus dedos. A minha expressão reflete o turbilhão dentro de mim — uma mistura dolorosa de raiva, mágoa e uma ponta de desespero. A dor física da minha recuperação quase se torna insignificante perto do que sinto ao ouvir de Rebeca que Pedro esteve com Raquel. Aquilo reverbera na minha mente repetidamente. Pedro e Raquel. Juntos. — Como assim Pedro saiu com Raquel? — a voz de Rebeca soa confusa, quase incrédula, no outro lado da linha. Fecho os olhos, lutando para não desmoronar, mas é inútil. As imagens surgem na minha cabeça contra a minha vontade: Pedro e Raquel, rindo juntos, talvez compartilhando os mesmos momentos que ele e eu costumávamos ter. O pensamento é como uma flecha que perfura direto no coração, dilacerando o pouco de esperança que eu ainda nutria de que as coisas entre mim e Pedro poderiam se resolver. — Eu… eu não sei. — Minha voz sai fraca, quase um sussurro. — Descobri por acaso. Estava me lamentando, me culpando todos os dias por não estar lá com ele, por termos nos afastado. Mas enquanto eu sofria... ele já estava com outra. Já me substituiu, Rebeca. As palavras são um peso esmagador em meu peito. Dizer isso em voz alta torna tudo ainda mais real, uma ferida aberta que pulsa de dor. Rebeca fica em silêncio por um momento, como se estivesse processando a informação, ou talvez buscando as palavras certas para me consolar. Quando ela finalmente fala, a sua voz é suave, quase maternal: — Sarah, você não merece isso. Não merece ser tratada dessa forma, especialmente depois de tudo o que vocês viveram juntos. Sei que você deve estar devastada, mas... você é forte. Vai superar isso. Você merece alguém que te valorize de verdade, que te trate com o amor e respeito que você merece. As lágrimas silenciosas começam a escorrer pelo meu rosto novamente, quentes e inevitáveis. Eu sabia que ela tinha razão, mas isso não aliviava a dor que se instalava profundamente em mim, como uma sombra que se recusa a desaparecer. Pedro foi mais do que um namorado. Ele foi meu porto seguro, meu confidente, e agora… tudo o que restou foi o vazio. — Você está certa — murmuro com a voz embargada. — Eu só... não esperava isso. Achei que ainda tinha tempo de recuperar o que a gente perdeu. Mas acho que não tenho mais nada, né? — Solto uma risada amarga, que soa mais como um soluço preso. Rebeca suspira do outro lado da linha. — Acredite em mim, amiga, você vai superar isso. E quando menos esperar, vai encontrar alguém que realmente te valorize. E enquanto isso não acontece... se valorize. Viva a sua vida por você, e não por ele. Suas palavras são como um bálsamo, apesar de ainda doer ouvir que a resposta para minha situação é seguir em frente. Eu respiro fundo, tentando absorver o conselho, e depois de mais algumas trocas de palavras de conforto, nos despedimos. Assim que a ligação termina, sinto um nó apertado na garganta. Meu olhar vagueia pela sala, absorvendo cada detalhe do ambiente. Tudo aqui está impregnado com lembranças dele, dos momentos que compartilhamos. Mas, pela primeira vez, essas memórias parecem distantes, quase irreais. Como se fossem apenas fragmentos de uma vida que não me pertence mais. Levanto-me, determinada, e pego meu celular. Sem hesitar, bloqueio Pedro de todas as redes sociais e do meu telefone. Essa decisão, que parecia impossível até poucos minutos atrás, agora me dá uma sensação de alívio. Um passo pequeno, mas firme, em direção à liberdade. Enquanto guardo o celular, minha mente começa a se reorganizar. Se vou me libertar de Pedro, preciso também me libertar do passado. Meus olhos percorrem cada móvel, cada peça de decoração da sala de estar. Antes, essas coisas tinham um significado emocional profundo — eram partes da vida que construímos juntos. Agora, parecem apenas objetos. Apenas coisas. O peso emocional que carregavam diminui, e com isso, uma leveza invade o meu corpo. — É hora de desapegar — murmuro para mim mesma, surpresa com o som da minha própria voz tão firme. Decido que a minha prioridade agora será focar na minha recuperação física. Já passei muito tempo presa em lamentações, em uma inércia que só me afundava mais. Cada exercício, cada movimento que faço é uma lembrança de que sou capaz de superar desafios, de que posso reconstruir a minha vida, um passo de cada vez. Preciso me dedicar a isso — à minha saúde, à minha recuperação. Mas isso não é tudo. Também quero crescer mentalmente, expandir os meus horizontes. Os estudos, que antes eram uma distração, agora se tornam uma oportunidade real de me transformar. Cada livro que abro, cada artigo que leio, é uma oportunidade de me fortalecer, de construir uma nova Sarah — alguém mais sábia, mais forte, mais independente. O futuro está cheio de possibilidades, e pela primeira vez em muito tempo, começo a ver isso com clareza. Pedro Chego em casa e, assim que avisto o meu pai na varanda, uma onda de ansiedade invade-me. Ele está ali, como sempre, com aquele olhar atento que parece enxergar direto através de mim. Já sei o que está por vir. Um interrogatório silencioso, talvez algumas palavras que irão me fazer sentir ainda pior do que já me sinto. Antes que ele possa dizer qualquer coisa, viro bruscamente e bato a porta do carro com força, tentando bloquear qualquer tentativa de diálogo. Contudo, sei que isso não vai detê-lo. — Onde você esteve a noite toda? — A pergunta surge do jeito que eu esperava, carregada de uma preocupação velada. Respiro fundo, lutando para manter a calma. — Estive em um bar, só isso. Precisava espairecer. Ele franze o cenho, o seu olhar se tornando ainda mais intenso. Sinto como se ele estivesse buscando a verdade por trás das minhas palavras, como se pudesse ler cada pensamento escondido. Tento sustentar o olhar, mas não consigo por muito tempo. — Num bar? Os seus cabelos estão molhados. Saiu com alguma garota? A pergunta me faz estremecer por dentro, mas tento disfarçar. — Pai, nós não vamos ter essa conversa — digo, a minha voz mais fria do que eu pretendia. Passo por ele sem olhar para trás, o peso da sua presença ainda me perseguindo enquanto entro em casa. Não estou pronto para confrontar o que fiz, o que sinto. Para enfrentar a minha própria consciência, ou pior, para ouvir o que ele tem a dizer sobre as minhas escolhas. Assim que chego ao meu quarto, jogo-me na cama, exausto emocionalmente. O silêncio do quarto contrasta com o caos que se passa na minha mente.
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