Dois meses separados...

1091 Words
Pedro  O som do vento sopra pelas árvores, atravessando os campos da fazenda enquanto me preparo para mais um dia de trabalho. Visto as minhas calças jeans e a camiseta preta, a mesma de sempre, mas agora ela parece mais pesada, talvez pela ausência de quem me elogiava por usar essas roupas. Pego o chapéu com um suspiro longo e exausto, um peso que carrego no peito, um fardo silencioso que nunca parece diminuir. A lembrança de Sarah se infiltra na minha mente como sempre faz, sem aviso. Seu sorriso travesso, aquele que iluminava qualquer sala, ainda ecoa nos meus ouvidos como uma melodia nostálgica, uma canção que eu não consigo esquecer. — Meu amor... te amo tanto. Você sabe disso? — Suas palavras ainda ressoam na minha mente, como um eco que não desaparece, insistente, me prendendo no passado. — Minha vida... — murmuro para o vazio do quarto, sentindo o aperto familiar no peito. Meus dedos percorrem o cabelo, agora preso em um r**o de cavalo, um hábito que ela adorava. Era algo tão simples, mas ela sempre comentava, dizia que o jeito que eu prendia o cabelo era charmoso. E ela adorava mexer nele. Ela sempre elogiava meu estilo, desde a barba bem aparada até o cabelo que ela tanto gostava de tocar. Era engraçado como o ciúme dela se manifestava, sempre pronta para defender nosso amor com unhas e dentes diante de qualquer olhar que considerava suspeito. Aqueles pequenos momentos me faziam sentir vivo, como se nada no mundo pudesse nos separar. Mas agora... tudo mudou. Deus, como eu preciso parar de pensar nela. Eu preciso parar de pensar nela. Saio do quarto, tentando afastar esses pensamentos, e encontro o meu pai no sofá, sua expressão desanimada refletindo a própria angústia que sinto por dentro. Ele tem enfrentado dias difíceis, mas eu também. E às vezes, parece que carregamos a mesma dor, só que em silêncios diferentes. — Tudo bem, pai? — Minha voz soa preocupada enquanto o ajudo a se levantar. Ignoro a dor em meu coração, tentando me focar nele. Ele me olha, seus olhos cansados encontrando os meus. — Estou com as pernas fracas... — Ele murmura, e eu sinto o aperto no peito aumentar ao ver sua vulnerabilidade. Não é fácil vê-lo assim, tão frágil, tão distante de quem ele costumava ser. — Por que não me chamou? — Minha voz sai mais firme do que eu pretendia. Tento manter a normalidade, mas é uma tarefa impossível com tudo o que se passa em nossas vidas. Ele suspira profundamente, um som cansado, cheio de dor. — Porque estou desanimado, filho... Estou cansado de lutar contra meus próprios demônios. Sinto o nó na garganta se formar. Suas palavras refletem a luta que também travo dentro de mim. Ele está exausto de sua própria batalha, e eu... bem, eu também estou. — E o rapaz que você contratou? Ele não está dando conta do recado? — Pergunto, tentando desviar o foco de nossas dores, focando em algo mais concreto, algo que eu possa controlar. Ele solta mais um suspiro, suas palavras pesando no ar. — Ele não é como você, Pedro. Não tem sua dedicação, sua determinação. Eu me afasto um pouco, tentando esconder a agonia que se instala no meu peito. — Pai, estou indo. Qualquer coisa, estou no celular. — Digo, colocando o chapéu de volta na cabeça e saindo de casa com um sentimento de impotência me acompanhando. Dirijo minha velha picape até a fazenda do senhor Alvarez. Pelo menos lá, o trabalho é certo. Sei que, no final do mês, meu salário estará garantido. É um lugar onde posso trabalhar sem medo, onde o trabalho duro é reconhecido, e isso é tudo o que eu preciso no momento. Assim que chego, celo meu cavalo, o Pé de Pano, e saio galopando pelo pasto. Ele é um cavalo forte, robusto, e sua beleza é inegável. Apesar de seu nome, ele não lembra em nada o cavalo do desenho animado do p**a-p*u, mas minha ruivinha adorava fazer essa piada. Ela achava hilário ele ser branco com manchas marrons e insistia em chamá-lo de Pé de Pano. Dois boiadeiros estão no meio de uma discussão acalorada quando chego, seus gritos cortando o silêncio do campo como trovões distantes. — Diabos, o que está acontecendo aqui? — Minha voz sai alta, uma mistura de irritação e cansaço. Eu já tinha o suficiente com que lidar. Eles se entreolham, percebendo a presença de um terceiro observador na sua briga. — Pedro, isso não é da sua conta! — Um deles rosna, seu rosto distorcido pela raiva. Eu os encaro, a minha própria frustração borbulhando sob a superfície. O dia m*l começou, e já tenho que lidar com isso. — p***a, cara. Vou meter a mão na sua cara. Valéria é minha. Não quero você de papo com ela. Claro que a briga é por causa de uma mulher... Salto do cavalo e caminho até eles, decidido a pôr um fim nisso. — Basta! — Minha voz soa firme, cheia de autoridade. — Isso é um local de trabalho, não um ringue de luta. Vocês dois, acabem com essa briga agora. Aqui é trabalho, e os assuntos pessoais não podem interferir. Quem está com quem não interessa. Se eu pegar vocês brigando de novo, é rua. Rodrigo me olha e funga, irritado, mas sobe em seu cavalo. Antes de se afastar, ele olha para Matheus com desprezo. — Se ela quiser dar sua b****a para mim, quem sou eu para negar? Mas que m***a! Matheus vai para cima dele e o arranca do cavalo. Desço o meu e os separo. — Deus! Aqui é trabalho, p***a! Você, Miguel, precisa deste emprego. Sua mãe depende de você. — Viro para Rodrigo. — E você, cara! Não é muito diferente. Brigar por causa de uma mulher? Ela está rindo de vocês dois e deve estar com outro. Os dois se entreolham, e eu continuo, minha voz carregada de irritação: — Essa briga acabou. Se eu souber que voltaram a brigar, não será mais ameaça. Eu vou agir. Miguel balança a cabeça, concordando. — Tudo bem, você está certo. Ela nem tem boa fama. Pode ficar com ela, Rodrigo. Olho para Rodrigo. — Quem disse que eu a queria? Não costumo comer restos dos outros. Eu quase rio. Esses dois estavam prontos para se m***r por causa dela, e agora... Dai-me paciência. Os encaro com uma expressão séria. — Ótimo. Agora vamos voltar ao trabalho. Temos muito gado para separar.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD