Cidade de São Paulo
Sarah
O sol do domingo entra lentamente pela janela, como se estivesse se arrastando para dentro da sala de estar, iluminando os móveis antigos da casa da minha tia com um brilho suave e quente. Mas apesar dessa luz acolhedora, sinto o peso do silêncio ao meu redor, como uma manta pesada que me sufoca. A perna elevada em cima de almofadas já não dói tanto, mas a imobilidade me consome. Cada minuto que passa sem poder me mexer livremente só reforça a sensação de estar presa, e não apenas fisicamente.
Minhas mãos brincam distraidamente com o tecido do cobertor sobre o meu colo, mas minha mente está a quilômetros daqui. Estou com Pedro em pensamento, como se houvesse um imã que constantemente o puxasse para a minha consciência, não importa o quanto eu tente afastá-lo. Fecho os olhos, mas é inútil. O nome dele, a presença dele, continuam ali, dominando tudo.
Ele não me procurou.
Ele não me ligou.
E isso dói. Uma dor que vai além da fratura no tornozelo; é uma dor mais profunda, mais intensa, que corrói minhas esperanças aos poucos. Não consigo evitar o impulso de pegar o celular e olhar, como se de repente, por algum milagre, uma mensagem dele estivesse ali, esperando para ser lida. O silêncio do aparelho parece zombar de mim. Ele sabe que eu estou esperando, mas não faz nada.
Meus pensamentos vagam entre a frustração e a saudade, um ciclo interminável de perguntas sem resposta. Por que Pedro tem que ser assim, tão... teimoso? Ele sempre foi orgulhoso, sempre acreditou que tinha que ser ele o dono de suas decisões, de suas emoções. Mas isso... isso está me matando por dentro.
Minha mente volta para aquele dia, meses atrás, quando planejamos ir ao aniversário de Rebeca juntos. Eu estava tão animada, tão ansiosa para passar aquela noite com ele. Já tinha escolhido o vestido, passado horas me arrumando, imaginando os olhares de aprovação que ele me daria quando me visse. Mas ele nunca apareceu. Esperei até tarde, sozinha na sala, olhando para a porta como se pudesse abrir a qualquer momento e ele entraria sorrindo, explicando o atraso. Quando finalmente apareceu, estava sujo, suado, exausto. Não pude evitar sentir aquela pontada de decepção.
"Eu não aguento sair hoje", ele disse com a simplicidade brutal que sempre o caracterizou. "Estou morto. Vamos deixar isso para outro dia?"
Lembro de como aquelas palavras pareceram tão afiadas na minha alma. Eu queria chorar, queria gritar e perguntar se eu realmente importava. Como ele podia simplesmente descartar um compromisso nosso assim, sem pensar duas vezes? Mas, em vez disso, o observei por um momento, vendo as olheiras sob seus olhos e a tensão em seus ombros, e me forcei a engolir o que sentia. Ele estava cansado, eu me lembrava disso constantemente, e seu trabalho era árduo.
Mas quanto mais penso nisso agora, mais percebo que, de certa forma, eu sempre cedia. Sempre deixava minhas vontades e expectativas de lado para atender às necessidades dele. E isso me desgastava, mesmo que eu não quisesse admitir. Porque o amor... Ah, o amor exige sacrifícios, não é? E eu sempre sacrifiquei meus desejos, minhas vontades, esperando que, de alguma forma, ele entendesse. Mas Pedro nunca foi do tipo que lia entre as linhas. Ele não conseguia ver o que se passava dentro de mim, ou, se via, nunca soube como lidar com isso.
Outra memória surge, uma cena que já revivi tantas vezes em minha mente: nosso aniversário de namoro. Eu passei o dia inteiro planejando um jantar especial, preparando tudo com o maior cuidado. Cada prato, cada detalhe, era uma pequena demonstração do quanto eu queria celebrar aquele momento com ele. Mas ele não chegou. Liguei, e quando finalmente atendeu, sua voz era quase um sussurro de cansaço: "Desculpa, Sarah. O trabalho na fazenda foi complicado hoje. Não vou conseguir ir."
Eu queria gritar, queria deixar que toda a frustração saísse de dentro de mim como uma tempestade furiosa. Mas mais uma vez, me calei. Mais uma vez, escolhi entender. Escolhi amar. Mas o amor não deveria ser uma escolha tão constante, deveria?
Suspiro enquanto a imagem de Pedro, sujo de terra e suor, me vem à mente. Eu o amava, sem dúvida. Amava sua força, seu comprometimento com o que fazia. Mas, ao mesmo tempo, não podia ignorar como isso me fazia sentir, como me sentia sempre em segundo plano. O trabalho, a fazenda, a família. Tudo parecia sempre vir antes de nós.
E agora? Agora estou aqui, sozinha, com o tornozelo imobilizado, esperando por uma ligação que provavelmente nunca virá. A saudade de Pedro pesa sobre mim como uma sombra que não consigo afastar, e eu odeio-me por isso. Me odeio por ainda querer ouvir a sua voz, por ainda querer sua presença ao meu lado, apesar de tudo.
Decido que basta. Pego o celular e, antes que possa pensar duas vezes, disco o número dele. O meu coração acelera enquanto o telefone toca uma, duas, três vezes. E então... uma voz feminina responde.
Minha respiração trava. É uma voz suave, quase melosa, com um toque de i********e que faz o chão sob os meus pés tremer.
— Alô? — ela diz, e de repente, sinto como se o mundo estivesse desmoronando ao meu redor.
Quem é ela?
O que ela está fazendo com o telefone de Pedro?
A confusão rapidamente se transforma numa onda de ciúmes e raiva que se espalha por todo o meu corpo. Tento falar, mas as palavras parecem presas na minha garganta. Minha mente trabalha a mil, procurando por alguma explicação lógica. Talvez eu tenha discado o número errado. Talvez seja só uma amiga. Talvez...
Mas a voz dela continua, doce e cheia de uma i********e que me faz querer gritar.
— Pedro não está agora. Posso deixar um recado?
As minhas mãos tremem. Uma mistura de desespero e angústia me invade, e eu desligo o telefone abruptamente, incapaz de lidar com a realidade que essa voz está me apresentando.
Pedro está com outra pessoa?
O meu peito aperta, e o quarto ao meu redor parece encolher. A respiração fica pesada, o nó na garganta impossível de engolir. Fecho os olhos, tentando manter o controle, mas tudo o que consigo ver é Pedro nos braços de outra mulher.
Um turbilhão de pensamentos corre pela minha mente, enquanto tento processar o que está acontecendo. A voz suave e sedutora do outro lado da linha contrasta cruelmente com o tumulto emocional que estou enfrentando.
Quem é essa mulher?
O que ela está fazendo atendendo o telefone de Pedro?
E onde diabos ele está?