Estava começando a escurecer quando Rebecca resolveu voltar para casa. "É isso então", pensou consigo mesma. Andava de cabeça baixa, relembrando seus dias com John e segurando o presente.
-Não vai jantar, Becca? - Acabara de chegar na pensão.
-Não estou com fome. Vou pro meu quarto.
-Certo, querida.
Madame a olhou com tristeza, sabia que ela estava muito m*l com a despedida de John. Becca subiu as escadas e trancou a porta do seu quarto, com um semblante caído olhava a caixinha em sua mão.
-Muito bem, farei o que você mandou John...
Com isso abriu a gaveta da mesinha e retirou de lá três fotos que eram seus bens mais preciosos. Uma delas mostrava seus pais juntos, a segurando nos braços quando bebê, era a única imagem que possuía de sua mãe. A outra era uma foto de seu pai e sua tia, que ela mesma tirou, cortando o topo de suas cabeças, mas o rosto estava intacto. A terceira imagem era ela e Johnny quando crianças, uma boa lembrança.
As lágrimas recomeçaram a cair pela sua face. Por que ela tinha de ter uma vida tão difícil? Secou o rastro molhado e recomeçou a tarefa de guardar seus bens.
Dentro da caixa ela também colocou sua munhequeira (ninguém sabia que ela possuía, era de seu pai) anéis e pulseiras, algumas eram de sua mãe, outras de sua tia, outras ela ganhara ou comprara.
Se dirigiu à escrivaninha e pegou uns papéis guardados dentro de um grande envelope. Eram as cartas de Johnny, que também foram para dentro da caixa. "Engraçado como as coisas de valor não são ouro e prata, e sim, lembranças", refletiu consigo mesma.
Desviando o olhar, acabou encarando o reflexo no espelho e, prestando atenção no vestido que usava, teve uma ideia. "Será que a caixa entra...?" A peça de roupa tinha um bolso falso, na realidade havia rasgado e ela o remendou com essa função. "Nossa, cabe direitinho". Ela estava se divertindo com a própria descoberta a meio desse pensamento quando ouviu uma explosão vindo da cidade. Rapidamente foi até a janela aberta e viu...
Não poderia ser!
Mas era!
Um navio pirata estava atacando Turniffe, como há 5 anos atrás!
BUM
Outro tiro.
Pensando rápido, saiu do quarto e encontrou Melany na escada.
-O que está acontecendo?
-É um ataque Madame! Piratas!
-Piratas? - A mulher mais velha falou com um tremor na voz que denotava seu terror.
-Isso, pegue o que lhe é de valor e corra pro forte! É o único lugar seguro!
-Antes avisarei os hóspedes! Mas vá, Becca, corra!
Rebecca deu um forte abraço em Melody ao passar por ela a caminho do andar de baixo.
-Nós nos encontraremos de novo minha querida, agora corra!
Não precisou ouvir novamente. Desceu as escadas e escancarou a porta, fechou-a em seguida e saiu para a escuridão da noite.
Era tudo como seu sonho, que estranho! Fogo, gritos, pessoas correndo desesperadas... Rebecca fora empurrada umas três vezes e por duas caiu no chão. Estava suja e seu ombro sangrava, mas não podia parar, ela já podia ver o forte ao lado do ancoradouro, a única passagem seria correr por ele e rezar para que nenhum pirata a pegasse. Ela já estava na metade do caminho, ignorando o queimar da respiração na garganta, quando sentiu-se sendo puxada para trás. Se desequilibrou e caiu no chão, logo olhou para cima para ver o que tinha a atacado quando viu um pirata com dentes dourados no sorriso falho encarando-a de cima.
-Ora, ora... Vejamos o que temos aqui.
Rebecca se levantou e tentou fugir, mas sentiu que ele a segurava fortemente pelo braço.
-Aonde pensa que vai? Pra que a pressa? Vamos, eu vou te levar para o capitão!
Ela foi f*****a a entrar em um bote e a embarcar no navio pirata.
Quando terminou de subir as escadas, o homem ainda a segurava fortemente pelo braço e chamou seu superior.
-Tenho algo para o senhor!
Ele era um homem alto, com um chapéu grande e uma bandana azul que ajudava a manter os cabelos escuros longe do rosto, porém o que chamava maior atenção eram os olhos, negros e penetrantes. Rebecca estava muito fraca, não tinha se alimentado, se machucara e ainda fora raptada. Sentia o nervoso bombear seu sangue pelas veias, uma falta de ar a lhe sufocar.
-Por que a trouxe?
-Um divertimento, capitão.
-Não estamos fazendo reféns, fique aqui e não permita que nenhum homem traga mais alguém para este navio!
-Sim, senhor!
Rebecca olhou novamente para aqueles olhos escuros, e foi a última coisa que viu, antes da escuridão.
Ela desmaiara.
-Mais essa agora!
O Capitão a pegou nos braços e a levou para sua cabine. Depositou-a cuidadosamente sob sua cama e ficou a olhá-la.
-Realmente um divertimento viria a ser útil...Afinal, há tanto tempo uma mulher diferente não sobe a bordo do navio.
Ele puxou uma cadeira e se sentou, ficou ali por duas horas, o navio já havia abandonado a cidade há muito quando ela começou a dar sinais de vida.
Rebecca tinha imagens em sua mente, de tudo que acontecera, acordou assustada, fechou os olhos e disse para si mesma:
-Outro sonho, não há por que se preocupar.
-Creio que não foi sonho, querida.
Ela olhou assustada para a direção da voz e encontrou sentado o mesmo homem de seus sonhos.
-Quem é você? - Olhou ao redor - E onde estou?
-Meu nome é Vicenzo Matteo, Capitão – deu ênfase - Vicenzo Mateo. E você se encontra a bordo do meu navio, o Sereia Esmeralda.
Vicenzo, Sereia Esmeraldo...Já ouvira esses nomes antes, veio à sua lembrança histórias do espantoso Capitão Matteo, o italiano que aterrorizou a Europa e depois veio ao Caribe e seus feitos. Ela estava a bordo de um navio pirata!
-O QUÊ?
Rebecca se levantou tão rapidamente que sentiu uma tontura, colocou a mão na testa e voltou a se deitar.
-Descanse, você me parece muito fraca...
Ele se levantou e saiu da cabine, fechando a porta.
Sua v*****e era sair dali o mais rápido possível, mas o cansaço foi maior e Rebecca fechou os olhos e dormiu profundamente.
Quando acordou o sol já entrava forte pela janela de vidro no aposento. Ela se virou e deu de cara com uma bandeja de comida deixada sobre a mesa. Um pouco cambaleante, foi até lá e começou a devorar a comida, estava faminta!
“E se a comida estiver envenenada?”, o pensamento veio rápido, fazendo-a soltar a maçã que comia. “Bem, estou com tanta fome que antes morrer a servir aos caprichos desses piratas”, até na sua mente a palavra era dita com ódio. Em quinze minutos já havia comido tudo, voltou para a cama e se sentou, no momento em que a porta era aberta e Matteo entrava por ela.
-Vejo que já se alimentou, bom...
-O que você quer? O que fizeram comigo? - Perguntou aflita.
-Nada, ninguém fez nada a você, e eu só quero conversar...Por enquanto.
-Por que me trouxeram? -falou, tentando manter uma conversa longa.
-Um dos meus tripulantes achou que você seria bem-vinda aqui, e não se enganou...
-EU PREFIRO MORRER A TER QUE SERVIR AOS CAPRICHOS DE MALDITOS PIRATAS!
-Calma, calma, querida! Não precisa se agitar, ninguém fará nada a você, palavra de pirata!
-Como posso acreditar na sua palavra?
-Querida, eu sou um homem de palavra.
-É um pirata...
-Posso saber por que tanto ódio de piratas? Já a ameaçamos alguma vez?
-Não - Respondeu abaixando a cabeça.
-Então, qual o problema?
Ainda de cabeça baixa respondeu. - Vocês são a escória da sociedade, ou acha que a população não os odeia? Além do mais...Não lhe devo satisfação. - Terminou, mudando de ideia de se abrir mais.
-Ah, então aconteceu algo. E muito se engana, você me deve satisfações enquanto está em meu navio. E eu seria mais agradecida, se não fosse por mim, nunca se sabe o que lhe poderia ter acontecido, gracinha. Agora, me diga, qual seu nome?
-...Rebecca Beckey.
-Hum, estamos melhorando, quantos anos você tem, Rebecca?
-Dezesseis.
-Dezesseis? Curioso... Bem, já estamos no meio da tarde, você está no meu gabinete, na minha cama...
-O que você está querendo com isso? - Falou rispidamente.
Vicenzo abriu um sorriso e disse:
-Estou querendo dormir, pois desde ontem não o consegui fazê-lo, já que você estava aqui. Então, se me dá licença...Vá passear pelo navio, mas cuidado, fique perto de Alfredo ou Giovanna.
Rebecca saiu atordoada da cabine e seguiu por um corredor, passando por várias portas fechadas em que se ouvia vozes. Ela não sentiu nenhuma v*****e de abri-las e ver quem estava lá. Quando chegou ao fim do corredor, onde a luz do sol brilhava mais forte, subiu uma escada e viu-se na proa de um navio, cercada de água por todas as partes. Aquilo a deixou desesperada, tinha esperanças de poder pular do navio e nadar de volta à sua casa, mas via agora que era impossível, estava presa naquele lugar, cercada daquilo que mais odiava na sua vida: piratas.
-Hey, garota!
A voz a distraiu dos seus pensamentos, virou na direção chamada e viu um homem gordo, careca, com uma barba rala no leme. Ele parecia gentil então foi cautelosamente na sua direção.
-Você é Alfredo? - Achou melhor perguntar,
-Aye, sou sim. E não é bom você ficar zanzando por aí, hunf! Uma mulher já é má sorte, duas então! - Terminou como se falando para si mesmo.
-Pelo que eu saiba nunca tivemos problema!
Viraram-se e viram uma mulher de pele n***a, cabelos e olhos pretos os encarando apoiada num barril.
-Giovanna, imagino ? - Se acalmou um pouco ao ver que realmente tinha outra mulher ali.
-Isso mesmo. E você, quem é? - A expressão carrancuda continuava no olhar n***o.
-Rebecca Beckey, ahn...fui...
-Eu sei, raptada – Giovanna não a deixou terminar. - Mais jovem do que imaginei, quantos anos você tem? Dezessete, dezoito?
-Dezesseis.
-Ah... Presumo que o capitão esteja variando.
-Ele não está variando nada! -Falou um pouco irritada, que mulher prepotente! Como resposta a outra só levantou as sobrancelhas.
-Espirituosa você, não? Acho que o Vicenzo gosta de mulheres com opinião...
-Se ele gosta ou não, não sei e realmente não me interessa!
-Certo, então...Alfredo, onde o Vicenzo está?
-Dormindo...Ele não o faz há tempos.
-Então vou cuidar do almoço, com licença, srta. Beckey. - Fez uma mesura exagerada com a clara intenção de ironizar e, dando as costas, foi embora.
-Não ligue pra Gioavnna, ela é um pouco cética...
-Um pouco?
-Hehe, de qualquer forma , garota, não é seguro você ficar passeando por aí, mesmo com a ordem de Vicenzo não é bom desafiar o inimigo!
-Ordem? Inimigo?
-Sim, Matteo não lhe contou? Ele proibiu os homens de chegarem perto de você, mas mesmo assim é bom não lhes dar a chance, aye?
-Concordo, mais Vicen...Digo, o Capitão, me pediu pra deixá-lo dormir.
-Então é isso que deve fazer. Os homens estão recolhidos, passeie pelo navio, eu ficarei de olho.
-Obrigada, com licença...
Foi andando com passos lentos pelo convés olhando tudo, só parou quando chegou no final do navio e ficou observando o pôr-do-sol. Era diferente visto a bordo de um navio, e Rebecca se sentiu confortada, mesmo estando à frente do desconhecido que seria sua vida a partir daquele momento.