Diante das palavras dele, os membros do clã que estavam presentes uivaram e aplaudiram, Repetiram os desejos de boas-vindas e me parabenizaram simplesmente por ser quem sou…
Embora eu mesma não soubesse ainda quem era.
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Havia uns arbustos na tribo que me aprisionou, que conheci nas poucas vezes que nos deixavam ao ar livre. Tinha folhas pequenas e bem verdinhas, as suas flores brancas deixavam um cheiro agradável no ar. As frutinhas eram redondas e macias, nasciam verdes, ficavam vermelhas e então, quando maduras, pretas. Eu as adorava, uma das poucas fontes de doçura daquele lugar.
Uma vez, porém, havia poucos frutos, pois não era a época de colheita. Ainda assim, peguei as mais perto de amadurecer que encontrei, ainda vermelhas.
Quando as pus na boca, eram mais doces naquele estado do que quando maduras! Surpresa com o sabor ainda melhor, as devorei e… Logo que acabei de engolir, minha barriga começou a doer.
Passei a noite com dor no estômago e os intestinos desarranjados.
As palavras da Luna me fizeram lembrar das frutinhas vermelhas… Doces, porém, venenosas.
É difícil compreender as situações em que estamos quando não temos conhecimento do contexto. Tudo a minha volta era novidade. Estava naquele território a menos do que um dia completo, e estava sendo tratada como nunca. Me sentia acolhida e de uma maneira estranha, me sentia em casa, especialmente depois da cerimônia de aceitação.
Era parte daquele clã e os membros pareciam estar contentes com a minha chegada. Não teria problema algum em ser parte da criadagem, como a Luna mencionara, muito menos de servi-la após me receber com tanta generosidade.
Estaria sendo ingrata ao sentir que havia algo de errado com o modo em que me olhava?
Seu sorriso era deslumbrante, suas palavras soavam doces aos ouvidos, porém… Me senti aliviada quando ela ordenou às fêmeas marcadas que trouxesse a mesa do banquete para a borda do vale.
Pelo que entendi, a caçada de cortejo não tinha sido planejada e a Luna sugeriu que mudassem o banquete de lugar, para melhor receber os machos quando retornassem.
A Beta fêmea me levou para dentro do templo de Hecate. Enquanto andávamos, ela resmungava baixinho para si mesma. Estava zangada e batia o pé no chão ao caminhar. Achei engraçado, pois, o comportamento enfurecido combinava com seus cabelos ruivos.
Com tantas emoções confusas fluindo por meu corpo, a cena tão simples acabou transbordando e eu comecei a rir. Primeiro baixinho, mas logo, estava gargalhando descontroladamente.
A Beta olhou em volta, espantada com a minha idiossincrasia. Segurou o meu braço, pelo cotovelo e me empurrou para trás de uma pilastra.
— O que houve, Luna, do que está rindo tanto? — Ela cochichou, como se estivesse com medo de me ouvirem rindo.
Demorei uns segundos para me recompor, rosto molhado pelas lágrimas de riso.
— Não sei o que aconteceu comigo, sinto muito… eu…
Ela encarou meu rosto por um momento e seus lábios formaram um sorriso triste.
— Está tudo bem, acho que foram muitas emoções para você em tão pouco tempo… Chegou aqui ontem e não deve ser nada fácil… Está bem agora?
— Sim, Beta, mais uma vez, me perdoe por me comportar assim…
— Está tudo bem, não precisa ficar pedindo desculpas por tudo, é parte da nossa grande família agora, lembra?
Mesmo incerta se havia ou não sinceridade naquelas palavras, fui do riso ao choro.
— Oh, minha deusa! Luna, o que houve? Falei algo errado?
Ela me abraçou aparentando preocupação.
— Não, Beta Tabita, é que…. Eu acho que nunca tive uma família e… eu estava com tanto medo que me punissem, que me tratassem igual ou até pior do que a tribo de onde escapei… agora… as pessoas me trataram tão bem… eu… Não sei como agradecer!
— Oh, Luna, não chora… Não sei o que aconteceu com você ou o que te fizeram onde estava, mas aqui, estará segura! Cuidamos uns dos outros. Eh, e não precisa se preocupar, o Alfa nunca vai permitir que seja criada da Hira. — Ela revirou os olhos. — Argh! Não acredito que fui amiga dela!
— Eu não me importo de trabalhar como criada… Eu sei cuidar da limpeza muito bem! Eu vou fazer o meu melhor para agradá-la.
— Querida, você é uma Luna e vai ser tratada como tal!
— Nesse clã a Luna é ela, eu sou apenas uma recém-chegada e vou me sentir melhor se puder ser útil e não causar problemas.
A Beta sorriu e bagunçou os meus cabelos, como seu eu fosse uma criancinha.
— A Hira só queria impor a posição dela e te diminuir, não dê importância à infantilidade dela. Dérik não vai permitir que ela siga com essa pirraça ridícula, pode confiar!
— Mas ele é companheiro dela, eu ouvir dizer que os machos são muito protetores de suas companheiras.
A Beta bufou com desdém.
— Ela não é companheira dele! Bem que ela queria, hahaha!
— Não? Como assim? Ela é a Luna do clã, não é?
A beta suspirou e arrumou a bagunça que ela mesma fez nos meus cabelos.
— Ah, Luna Nadja, isso é uma longa história e não temos tempo para isso agora. Devemos voltar para a beira do vale!
— Mas… Por que me trouxe aqui?
— Para te tirar do meio da multidão e te livrar dos despeitados do clã. Sabe como é, todo lugar tem todo o tipo de gente… vamos andando, logo eles estarão de volta e temos que estar prontas para recebê-los! Porém, tenha certeza de uma coisa, o Alfa Dérik é livre e desimpedido!
Parei de andar e olhei para ela, incapaz de refrear minha curiosidade.
— Beta.. Hm… eu os vi juntos e pareciam bem íntimos agora há pouco….
A Beta riu, mas havia malícia em seu sorriso, especialmente quando mordeu o lábio inferior e me olhou com aquele jeito de quem sabe mais do que deixa transparecer.
— Os dois são livres e gostam de… você sabe, né? — Me acotovelou e riu-se mais um pouco. — t***o, menina! Na lua cheia e com uma Luna de nascimento aqui? Não imagina a loucura que está acontecendo com nosso hormônios…
Abaixei a cabeça, encabulada demais para encarar o olhar pernicioso.
— Minha simples presença faz diferença nessas coisas?
— Bem… — Ela parou de rir e franziu o cenho. — Agora que penso sobre isso, sua presença está fazendo diferença demais… Da última vez que tivemos uma Luna de nascença aqui, não fomos tão afetados. Tivemos que usar o óleo de Baco para ativar a ovulação…Hm… Com você aqui, nem foi preciso, eu estava quase subindo pelas paredes!
— Oh…
— Não fique tímida assim, se as fêmeas lhe são gratas, tente imaginar o quantos os machos estão! Vou te explicar tudo isso aos poucos. Derik me encarregou de cuidar da sua adaptação e lorde Agar ficou encarregado de te educar nos nossos costumes.
— Muito obrigada e me desculpa por estar dando tanto trabalho, Beta…
— Lá vem você pedindo desculpas novamente, e, por favor, pare de me chamar pelo título. Adoro o meu nome, sabe, minha que escolheu, me chame de Tabita, tá bom?
O sorriso dela era tão cativante que me fez sorrir também.
— Tá bom… Tabita!
Saímos do templo de mãos dadas. Ela agia naturalmente, deve ser parte de sua personalidade, mas, para mim, era como um sonho.
Ser querida era uma sensação desconhecida até então.
Estavam todos aguardando os machos que saíram para caçar. A maioria era comprometida, os “marcados”, mas alguns solteiros se aventuraram na empreitada, segundo o que Tabita me instruiu.