Os olhos dele são azuis como o céu que acabou de amanhecer, claros e frios como a água gelada. Senti como se pudesse me afogar neles, me perder para sempre. Bonito, nunca qualifiquei um homem desse jeito antes, me pareciam todos iguais, violentos e cruéis, mas ele era agradável à vista.
Aquele macho tinha o céu da manhã no olhar e a escuridão da noite nos cabelos. Eram longos como de uma fêmea, presos por uma trança atrás da cabeça. Não sabia que machos podiam ter cabelos longos, como não notei antes? Antes era um monstro, estava tão assustada que não notei suas feições.
Era alto mesmo em sua forma humana, o peito desnudo por roupas era coberto de tatuagens, palavras de uma língua estranha. Apenas uma calça de pele de animal adornava suas pernas.
Ele não sentia frio?
Eu estava arrepiada mesmo no aconchego daquele quarto enquanto ele vinha de fora sem nada para aquecer a pele.
Forte, músculos bem construídos pelo corpo e peito. Parecia estar contendo uma fúria tremenda, mas, sua voz, apesar de autoritária, se tornou suave quando se aproximou.
Quando menos esperava, ele estava tão perto, que o calor do seu corpo tocava a minha pele.
— Qual a sua idade, Nadja?
Ele perguntou. Sua voz estava diferente e o hálito quente atingiu minha orelha, causando um arrepio que não era de medo. Fechei os olhos enquanto ele dizia aquelas poucas palavras, saboreando a sensação nova que causava.
O fato de eu ter demorado a responder deve ter sido engraçado, pois ele deu uma risadinha baixa antes de tocar o meu pescoço com o nariz e inalar profundamente. Segurou uma mecha dos meus cabelos entre os dedos e se afastou, apenas um passo nos separava.
— Uma fêmea que ainda não é uma mulher, mas cujo corpo reage tão prontamente, deve estar quase madura.
Havia satisfação na voz dele, um contentamento com a crença de que meu corpo estava se aproximando da maturidade. Ele me encarava, curioso e atrevido, mas seus olhos não eram cobiçosos como dos carcereiros da outra tribo.
— Creio que ela deva ter uns quatorze ou quinze ciclos no mínimo, Alfa. Apostaria em quinze, não creio que tenha mais do que dezoito. Não entendo razão de não estar madura ainda….
Ele virou de costas para mim e de frente para Tabita.
— O corpo dela é como de uma menina, como é possível?
Tabita passou pelo Alfa e parou ao meu lado com a fisionomia preocupada.
— Má alimentação, ela foi obviamente m*l tratada no passado… — A preocupação se esvaiu e ela exibiu um enorme sorriso. — O senhor notou que ela se excitou com…
— Já basta, Tabita! Ajude-a a se vestir!
*****
Tive que cortar a fala de Tabita antes que acabasse constrangendo a menina. Eu me aproximei para testar a idade dela com o faro, mas não consegui perceber nenhum óvulo pronto. Ainda não estava capacitada para procriação, o que significava que era uma filhote ainda. Magra e pequena, seu corpo não tinha curvas, nem s***s evidentes ou b***a, mais uma indicação de que estava abaixo do tempo, no entanto, a fera de minha natureza discordava, gritando que ela estava pronta para uma cerimônia de cópula.
“ Já temos uma Luna, a cerimônia já foi feita!”
Gritei mentalmente, mas a fera nunca havia aceitado Hira, e agora, obcecado por essa Luna como estava, jamais a aceitaria. Meu peito ardia e era difícil me manter racional se até mesmo minha forma humana a reconhecia como minha.
A ideia de roubar a Luna de algum Alfa inferior não me era de todo descartável, mas havia muito mais para se levar em conta, como o fato de ser apenas uma criança!
Me virei de costas para que Nadja se vestisse, respeitando sua idade, nudez e… merda, era impossível que ela fosse uma criança, minha fera era instintiva, não tinha como se enganar. Se minha fera estivesse certa, ela já tinha a idade consentida pela deusa mãe, seus óvulos já deveriam estar prontos e fecundos a cada lua cheia…. Exceto caso….
Como uma Luna poderia não ser fértil?
A cada informação sobre Nadja, eu ficava ainda mais confuso. Minha companheira morreu, e aqui estava uma jovem fêmea que eu poderia jurar ser minha com todos os meus sentidos. Sem curvas como uma mulher deve ter, mas ainda uma mulher.
Havia uma fêmea em meu clã que poderia encontrar as respostas, era a função dela cuidar das demais fêmeas, mas não podia confiar em deixar Nadja nas mãos dela.
Hira sempre foi forte, uma guerreira, a beta fêmea original de nosso clã. Se ela sequer desconfiar do que minha fera sente por Nadja….
— Ela está pronta Alfa, já pode olhar.
Tabita estava estranhamente contente, seu tom de voz não escondia a satisfação com a situação. Uma Luna de nascimento em nossas terras aumentava a chance de ela conseguir engravidar e manter a gravidez. Aliás, se a presença de Nadja se espalhasse por meu povo, as fêmeas entrariam em frenesi e os machos teriam muito pelo que agradecer.
Ela estava diante de mim, vestida com uma túnica vermelha um pouco grande demais para sue corpo. Teria que servir até as fêmeas do harém prepararem vestimentas para ela.
— Venha aqui, pequena Luna.
Sem levantar a cabeça, ela deu apenas um passo adiante. Estava assustada, podia sentir o cheiro do medo dela. Me aproximei e ela deu um passo para trás, escondendo parte do corpo atrás de Tabita.
— Está assustada, Luna? — Perguntou Tabita.
A respiração dela estava acelerando junto aos batimentos do coração. Ela estava apavorada. Fechou os olhos com força, mas não respondeu.
— Tabita, me espere do lado de fora, preciso falar com nossa hóspede.
— Mas Alfa, e se ela-
Tabita era a companheira do meu Beta, que era o que mais próximo eu tinha de um amigo, por conseguinte tinha o irritante hábito de me questionar.
— Saia!
Não estava com paciência nem tempo para dar explicações. Precisava falar com Nadja como Alfa do meu clã, mas também, como homem e ela estava atrapalhando.
Nadja se encolheu quando ordenei que a Beta se retirasse. O fedor do medo aumentou e ela se encolheu no canto da parede, como se quisesse se esconder em si.
Se esconder de mim.
— Por que tem tanto medo de mim, pequena Luna?
— Eu… eu não...
— Não minta para mim, Luna!
Eu odiei ouvir uma mentira sair daquela boca.
— Você- — Ela parou de falar e respirou fundo antes de se corrigir e continuar, — O senhor é um Alfa.
— Que tal me contar algo que eu ainda não sei? Por que tem medo de mim?
— Alfas machucam as fêmeas e os ômegas, forçam as Lunas e-
Não pude controlar o rosnado que saiu de dentro do meu peito. Eu estava irritado com todos os significados do que ela estava dizendo. A beberagem controlava minha terceira forma, mas era o lobo que estava em fúria. Lunas são sagradas, nenhum alfa tem direitos e forçar uma Luna!
Segurou o rosto dela entre minhas mãos e a olhei nos olhos, para que enxergasse a verdade nos meus.
— Alfas não forçam fêmeas!
— Eu vi, mais de uma vez… os ômegas e as Lunas quando ficavam maduras…. Eles as compravam e elas choravam muito!
Eu ouvi boatos de que haviam grupos bárbaros que capturavam fêmeas para escravizá-las, porém, nunca me deparei com nenhum meliante do tipo. Devido às guerras, Lunas eram cada vez mais valorizadas nos clãs, respeitadas e amadas. Ela se referiu a Lunas, no plural. E ômegas, tão raros…. Que clã teria tantos para vender? Quanto alfas estariam envolvidos em um esquema tão sórdido? Eu precisava entrar em contato com meus aliados, temos que investigar esse assunto mais a fundo, porém…
— Olha para mim, Pequena, eu não sou um bárbaro. Não forçamos nossas fêmeas. Se um dia se deitar comigo, vai ser por sua vontade, e garanto que vai ser prazeroso para nós dois, e ficará satisfeita.
As bochechas dela ficaram vermelhas e ela abaixou a cabeça mais uma vez. Eu não deveria estar dizendo essas coisas para uma menina… mas minha fera insistia que ela não era o que o corpo aparentava.
— Tenho uma pergunta para você, Nadja. Gostaria de fazer parte do meu clã?
— Eu posso ser uma boa serva para o senhor, eu sei cozinhar e limpar e-
— Não quero você no meu clã como serva, Luna, quero que seja uma de nós.
Meu clã precisava desesperadamente de um milagre para não ser extinto, e aquela pequena Luna poderia salvar o futuro do meu povo por um tempo. Em breve, poderia me deitar com ela para que as fêmeas se tornassem férteis, e sendo ela uma Luna de nascimento, havia esperança de que a gestação prosseguisse até o final. Hira não tinha esse poder, mas uma Luna de nascimento teria.
Talvez poderia ser minha fêmea do harém até que seu companheiro a encontrasse…
“Minha!”
Minha terceira forma não aceitava a possibilidade de ela ser de outro macho, o desejo de tê-la como minha era tão intenso que tive que abraçá-la. Ela ficou imóvel enquanto eu inalava o perfume dela, acalmando minha natureza.
“Minha!”
Emoção x Razão, Instinto x hierarquia social, Desejo x Realidade.
Paradoxos que me torturavam enquanto segurei a mão dela e a levei para fora do quarto. Nadja precisava se alimentar e o lobo precisava prover a pequena fêmea, missão mais importante para ele do que os dilemas que me atormentavam.