Medo

1606 Words
Alfas são cruéis e perversos. Nas celas da tribo que me aprisionou, não tinham apenas Lunas, tinham ômegas, machos e fêmeas. Rebecca me disse uma vez, que ômegas são sagrados, e únicos, não têm alma gêmea, suas almas são completas. Eles não precisam de Lunas para serem férteis e gerar vida. O nascimento de um ômega na terra de Rebecca era festejado. Ômegas sãos doces e amigáveis, odeiam violência e são incapazes de machucar alguém. No entanto, a tribo que me capturou os usava da maneira mais vil. Eram alugados como objeto s****l para quem pudesse pagar, até mesmo de outras espécies. Da minha cela, eu podia ouvir os gritos de dor e desespero dos ômegas, misturados a grunhidos e gemidos de prazer daqueles que pagavam para usá-los. Teve uma noite que foi a pior. Lembro-me de Rebecca chorando de olhos fechados, enquanto tapava os meus ouvidos. Um ômega macho bem jovem, muito magro e de aparência frágil foi escolhido. Ele costumava ser esperançoso e tratava a todos com gentileza, mesmo em meio aos maus-tratos oferecidos por nossos algozes. Um alfa ficou obcecado quando o viu, exigiu que o líder da tribo o vendesse para ele, mas o valor de venda era tão alto que o alfa acabou aceitando alugá-lo por uma noite. O jovem ômega gritou por socorro a noite inteira, nunca esquecerei o desespero na voz dele. No dia seguinte, ele não ajudou nas tarefas, nem nos dois dias subsequentes. No quarto dia fui encarregada de levar o seu almoço e ele estava lá, caído no chão da cela, com hematomas por todo o corpo. Seu rosto irreconhecível e sangrava pelo ânus. Seus olhos estavam vidrados no nada, vazios e sem brilho, como se a sua alma tivesse escapado do corpo. Eu o alimentei e limpei da melhor maneira que pude, mas ele permaneceu como morto, embora respirasse. Poucos dias depois, os guardas levaram o seu corpo sem vida para fora, o jovem ômega tinha se matado. Nesse dia, Rebecca me fez prometer que, não importa o que acontecesse, eu nunca tiraria a minha própria vida. Eu prometi. Ela também prometeu. Fazia algum tempo que eu não pensava tanto no jovem ômega, antes tão cheio de esperança. A mesma esperança que eu tive ao juntar-me ao clã dos Lobos Negros… Aquela foi uma nova modalidade de tortura, mostrar-me tudo o que eu poderia ter, só para tirar de mim. Eu estava acostumada a ser apenas um escrava, a servir calada, a temer e me preparar para a punição. Quando cheguei aqui, estava apavorada, decidida a encontrar um meio de fuga, mas me iludiram. Mostraram-me como é ser querida, como é fazer parte de um clã, ser livre e ter a possibilidade de sonhar com um futuro melhor. Sabia que era bom demais para ser verdade, mas acabei acreditando. E quando acreditei, quando me senti feliz depois de tantos anos de sofrimento, me bateram, machucaram, humilharam e jogaram de volta numa cela. O lobo Alfa me atacou e eu vi a morte nos seus olhos. Meu coração se partiu em tantos pedaços que não acredito que seja capaz de consertar. Eu não fiz m*l ao filhote, mas ninguém quis me dar a oportunidade de me defender, o lobo Alfa nem sequer duvidou das acusações e me atacou. Quando acordei de volta numa cela, desejei terminar com tudo, mas eu prometi. Eu prometi a Rebecca! O velho de barba comprida apareceu pouco depois dos guardas me jogarem aqui. Quando me viu, ele balançou a cabeça de um lado para o outro devagar. Seus olhos astutos percorreram a cela fria e vazia. Paredes de pedra e grades de metal circundavam-me, na parede dos fundos, uma esteira de palha coberta com um tecido encardido simulava uma cama. Num dos cantos havia um balde de metal, creio eu, para o prisioneiro fazer a suas “necessidades”. Um guarda abriu a porta da cela e o velho entrou, cofiando a barba branca. — Esse não é o lugar adequado para uma Luna, não mesmo…. Eu deveria puxar a orelha de Derik por ser tão t**o! Continuei parada, como se não o tivesse visto. — Não me ignore, Pequena Luna, eu vim para te ajudar. Deixe-me ver o seu ferimento. Ele parou na minha frente e segurou as mãos que eu mantinha no pescoço. A ferida ainda ardia e estava molhada e eu temia que mais sangue escapasse do meu corpo. Eu prometi…. — Anda, confie em mim, Luna. Eu conheci as duas últimas Lunas desse clã, era leal a elas como serei a você. Não sou mais tão útil como Delta, o meu corpo está velho e enfraquecido, mas a mente nunca esteve tão boa! Ele deu uma risadinha e me encarou com os seus olhos gentis. Eu não tinha razão para confiar em ninguém daquele clã, mas, confesso que estava carente de ter, pelo menos, uma pessoa que acreditasse que eu era inocente. — Boa menina. Oh… aquele lobo e******o fez um estrago… Tsc. Sabe, lobos são muito protetores da sua prole. Alfas então, nem se fala. Além disso, Rael é mais do que apenas um filhote no nosso clã. Ele falava enquanto limpava o meu ferimento com um líquido que fedia como cocô de cavalo. Não pude deixar de torcer o nariz. — Tem um cheiro desagradável, não é? Ele riu mais uma vez, parecia estar bastante contente. Claro, não era ele quem sentia dor! — Não se preocupe, o cheiro vai mudar quando começar a fazer efeito. Sua loba insiste em não cicatrizar as suas feridas? Dei de ombros. Desde que o Lobo me atacou, não senti mais a presença dela na minha cabeça. O que para mim era um alívio, não estava acostumada com ela. — Ela deve estar magoada, e bem irritada com o Dérik, e com razão! Olha para mim, querida, deixe-me ver o seu rosto. Tsc tsc… Espero que aquela imprestável seja punida! Como se atreveu a levantar a mão contra uma Luna? Ele tirou um pote da enorme bolsa que trazia. Era um pote de creme que ele passou no meu rosto, onde Eda tinha me dado um tapa. A sensação do creme na minha pele era gelada, mas agradável. — Esse tem cheiro de rosas, bem melhor, não é? Vai desinchar o seu rosto e apagar essa marca vergonhosa. — Eu trouxe roupas e… bem, não tem como tomar um banho nesse lugar tenebroso. Fechei os olhos envergonhada. Estava suja e as minhas roupas fediam a urina. — Eu vou falar com Dérik e vou ralhar com ele! Esse menino precisa aprender como tratar sua Lu- — O que está tagarelando sobre mim, velho? Eu não raciocinei, meu corpo agiu por instinto e me arrastei como pude para o canto mais escuro da cela, na tentativa de não ser vista pelo Alfa. Encolhi as minhas pernas e escondi o meu rosto entre os joelhos. Não queria que ele me visse, não queria vê-lo. Ele iria terminar o serviço e me matar, me torturar ou coisa pior…. Alfas são cruéis e perversos! ****** Mais desagradável do que o forte odor de urina e dos remédios do velho curandeiro, era o fedor de pavor vindo de Nadja. A figura suja e encolhida no fundo da cela diferia enormemente da bela Luna de vermelho da noite anterior. A culpa era minha, eu fiz isso com ela. — Dérik! O que a sua mãe diria se visse os modos que trata a sua Luna? Me segurei para não revirar os olhos ao ouvir o velho sonso, mas as últimas palavras me chamaram a atenção. — Minha Luna? Ele fez cara de espanto, como uma criança pega com a mão dentro do pote de biscoitos. No entanto, tal reação me pareceu um pouco forçada. Velho sonso. — Eh… oh, eu quis dizer, ela é uma Luna e é m****o do seu clã, você é o Alfa, então… — Fecha a matraca, velho! Já terminou com ela? — Fiz o que pude nesse lugar horroroso. Quando entrei na cela, ela encolheu-se ainda mais e o fedor de medo empesteou a cela e os corredores. A fera de minha natureza estava furiosa comigo, como se esquecesse que é parte de mim, me arranhou por dentro, causando uma dor que fez os meus olhos lacrimejarem. — Olha para ele, Pequena Luna, Dérik está tão arrependido que está até querendo chorar! Velho sonso filho da mãe! — Não estou chorando, velho! — Mas está arrependido! Mostre-lhe o quanto está arrependido, garoto! — Se eu não tivesse prometido a minha avó que não te mataria- — Eu sei, Derik, mas você prometeu! Bom garoto! Venha, pequena Luna, já ficou tempo demais aqui, o nosso Alfa veio te salvar da cagada que ele mesmo fez! Ignorei o velho e estendi a mão para ajudá-la a se levantar, mas ela rastejou para longe de mim. A minha cabeça parecia que ia explodir com a força que a terceira forma estava fazendo para tomar o controle e marcá-la como sua. A fera estava interpretando o medo de Nadja como rejeição. “ Por favor, não me machuque” A sua voz era tão baixa que poderia ter sido levada com o vento. Seu corpo inteiro tremia violentamente e temi que tivesse uma convulsão. — Não vou machucá-la, dê-me a sua mão. Ela levantou o rosto um pouco, pude ver os seus olhos amedrontados como os de uma presa diante do predador. Era assim que ela me via agora… — Eu não ataquei o filhote. — Eu sei, Pequena Luna, você é inocente e eu vim te levar de volta para o seu lugar.
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