Uma Luna Bondosa e abençoada

1651 Words
Toc, toc, toc As garras pretas que atravessaram os meus dedos batiam ruidosamente na madeira do braço da cadeira onde estava sentado. Diante de mim, estava o grupo de anciãos do clã, sentados num semi-circulo no meio da minha sala de trabalho. Podia sentir o cheiro de naftalina, elixir de longevidade e marasmo. Se aporrinhação tivesse um fedor característico, seria o que eles exalavam na minha presença. Suas túnicas pomposas e exuberantes representavam status e riqueza entre eles, o que diferia em muito das minhas vestes. Minha escolha é apenas calças de couro de um dos animais que cacei. Estaria nu, não fosse pelo fato de estarmos nos aproximando do inverno. Interessante como estavam tão falantes até eu entrar e sentar em minha cadeira. Alguns até bradavam sua importância no clã e como mereciam mais respeito e consideração. — Devo interpretar o silêncio dos senhores como confirmação da confiança de todos nas decisões tomadas em benefício deste clã? Normalmente, eu manteria o silêncio até que um deles tivesse culhões para falar alguma coisa, entretanto, estava sem paciência para jogos políticos. — Alfa, o senhor trouxe uma Luna para o nosso território. Uma jovem Luna não revindicada, por assim dizer… Virei meu rosto para encarar o ancião. Oseias, o mais tradicionalista entre eles. No evento da nomeação de Hira, foi o único que se manteve contra a decisão até o último minuto. Grande devoto de Hecate e zelador de seu templo. Para ele, Lunas de nascimento são insubstituíveis. — Hm… — Minha resposta não passou de um resmungo enquanto observava a cara enrugada do ancião. Havia um brilho de satisfação nos olhos altivos de Oseias, seu queixo estava ligeiramente erguido. Pelo menos alguém estava contente com a chegada de Nadja, ainda que as razões não fossem as mais altruístas. — Devemos convidar todos os alfas aliados ainda solteiros o mais rápido possível! — Antenor disse empolgado, se dirigindo aos demais anciãos, na tentativa de angariar aliados. — Se um deles a reconhecer como companheira, o clã inteiro não será grato, além de um grande dote que terão que pagar por uma Luna em nossas terras! O braço da cadeira se estilhaçou sob minha mão enquanto um forte rosnado ecoou pela sala, minha natureza, possessiva como era, detestou as palavras do velho. Caninos cresceram em minha boca tão rapidamente que cortaram meus lábios e um filete de sangue escorreu pelo meu queixo. Meu Beta pousou a mão em meu ombro, assegurando minha fera de que estava tudo sob controle. Parecia que a criatura confiava mais nele do que em minha forma humana. Os idosos se encolheram em seus lugares, olhos arregalados ao notarem a presença da minha terceira forma, ainda que não tenha havido transformação, a aura que emanava era inconfundível. — Não creio que seria conveniente, lorde Antenor. — Por que não, Beta? — O velhote insolente acreditou ser mais seguro se dirigir a Eli do que a mim ao fazer a pergunta. — Ela é jovem demais para reconhecer o companheiro, é arriscado expor a sua existência, qualquer Alfa poderia afirmar que ela pertence a ele e estar mentindo. — Não podemos arriscar. Lunas são sagradas, a presença dela em nossas terras é um presente da deusa. Finalmente teremos uma Luna em nosso clã! — Afirmou com soberba O velho Oseias. Os olhos da minha fera o avaliaram com favor. Ela chegou a conclusão de que ele não era e******o, não precisávamos matá-lo. — Nosso clã já tem uma Luna! — Antenor vociferou irritado. — Um engodo. Sua sobrinha nunca será uma verdadeira Luna! O barulho do soco que deferi sobre a superfície da mesa de madeira fez com que se calassem. Minha mão estava coberta por pelos negros que se estendiam pelo braço, as garras negras estavam totalmente expostas. Os dentes afiados dificultavam a minha fala quando ordenei que se calassem. Todos estavam de joelhos no chão devido à autoridade que emanava da fera. Até mesmo meu Beta teve dificuldade para manter o corpo em pé. — Essa noite teremos a cerimônia de aceitação da pequena Luna em nosso clã. Ninguém de fora precisa ser informado e- — Não terei problema em arrancar a língua de vocês para evitar que falem! — Interrompi Eli exibindo um sorriso perverso. Sem preâmbulos, saí da sala que já estava fedendo a naftalina e formol. Não que estivesse realmente com tal cheiro, mas era como me fazia sentir. *** Conheci muitas outras fêmeas no harém, pouco mais de vinte no total moravam ali. Era como uma mansão, com vários quartos para elas. Sunna e Hadit, por serem irmãs, habitavam o mesmo, onde eu me encontrava enquanto Tabita usava a pintura delas em meu rosto. — Você é muito bonita, Luna, essa maquiagem vai apenas realçar que a deusa lhe deu. Esse era o nome que davam para a tintura que passavam no rosto: maquiagem. Elas pareciam estar se divertindo pintando o meu rosto. Vira e mexe, discutiam sobre alguma cor escolhida, qual seria mais apropriada para mim. — Ela tem olhos lindos, grandes e negros, o delineador vai deixá-los ainda mais evidentes. — Essa cor para os lábios, um bocão que todos vão desejar morder. Essa última frase me deixou apreensiva, mas quando questionei se tudo aquilo era para me sacrificarem como alimento da tribo, elas riram ainda mais alto. — Bobinha, é uma Luna de nascença, os machos solos e muitas das fêmeas vão desejar te devorar hoje, mas de um jeito delicioso. Ai ai…você é muito novinha para entender… Essa era a Hadit, depois que Eda se retirou, ela ficou muito mais amigável e falava pelos cotovelos, especialmente coisas obscenas que causavam risadinhas entre ela e Tabita. — Ei, ela não é a única que não experimentou do que estão falando, tenham compaixão de nos duas! — Ah, Sunna, mas a sua hora está chegando, posso sentir o cheiro da sua loba! Tem vários machos de olho, torcendo para pertencer a um deles! Estão fazendo fila para quem vai ser o primeiro a montar nessa lobita! As bochechas de Sunna ficaram vermelhas e ela ficou ainda mais bonita. Ficava tímida quando falavam desses assuntos, mas Hadit e Tabita pareciam não s importar, aliás, quanto mais Sunna ficava pudica, mais elas a provocavam. — Se eu não encontrar meu companheiro, não ficarei mais no harém! — Por que não? — Tabita a olhou, surpresa. — Não seja boba, pode levar anos até que o encontre, isso se o encontrar, não pode perder toda a diversão! — Eu cansei de esperar o meu companheiro, dois anos depois da minha loba surgir. — Hadit deu de ombros. — Não faz ideia de como o ciclo é incômodo. Não podemos engravidar, mas a natureza segue seu fluxo. Um macho viril e fogoso faz milagres! — Já conversou com a Luna Hira sobre isso? — Disse Tabita em tom mais sério. — O velho curandeiro disse que a sua loba pode surgir a qualquer momento. Alguns machos já se ofereceram para cuidarem dela quando chegar, e sabe o que isso significa para os lobos…. — Falarei com o ela amanhã. — Fale logo com Hira, querida, porque hoje de manhã, o general Azis se ofereceu para ser o seu primeiro. — Não! — Sunna arregalou os olhos. — Ele não combinou com você antes? — Perguntou Hadit confusa. — Não! Ele se ofereceu, mas eu o rejeitei! — Eli me contou que ele disse que você concordou, está tudo combinado com o Alfa, se sua Loba surgir, ele vai montar em você. Eu pensei que você soubesse, por isso puxei o assunto…. Eu sabia, machos não respeitam as fêmeas e as forçam a fazer… coisas... com eles. Se o Alfa permitir que um macho a use, nãon haverá nada que ela possa fazer... — Falarei com Luna Hira agora mesmo, me esperem, meninas! Hadit e Tabita se entreolharam e percebi algo que não tinha notado antes. — Vocês são irmãs? Ambas pareciam constrangidas antes de responder. — Somos primas, nossas mães eram. Irmãs gêmeas. O constrangimento desapareceu e não pude compreender a sua causa. Ambas voltaram a tagarelar e pintar o meu rosto. Não satisfeitas, penteiam meus cabelos, usaram uma espécie de óleo perfumado nele. Quando terminaram, me pediram para me olhar no grande espelho no canto do quarto. Eu sabia que era eu, mas m*l pude acreditar no que via. Minha aparência tinha mudado, era o mesmo rosto, mas não tinha mais aspecto doente e pálido. Estava com a aparência saudável, a pele viçosa e mais feminina. O corpo, no entanto, parecia ainda mais imaturo dentro da túnica de tamanho inadequado. A porta do quarto se abriu e Sunna voltou sorridente. — Falei com Luna Hira e ela disse para que não me preocupasse, pois estarei guarda. Quando minha loba se apresentar, sairei do Harém e me mudarei para a mansão do alfa. Luna Hira vai arranjar uma função para mim. Mal pude acreditar no que ela dizia, e pela felicidade e alívio que irradiavam dela, era verdade! Essa Luna Hira deve ser uma fêmea muita bondosa e abençoada pela deusa! — Os machos não poderão te forçar?— Perguntei para ter certeza. Um fio de esperança tentou pousar me meu peito. — Claro que não! Alfa Dérik proibiu que machos force fêmas desde que subiu ao trono. — Que bom, irmã, já pode ficar despreocupada agora e curtir a lua! O general não vai gostar, mas ele que se vire na mão quando sentir o cheiro de carne nova. Sunna parou na minha frente com um belo sorriso no rosto. — Luna, se não for atrevimento, posso te oferecer um dos meus vestidos? É usado, mas está novinho e vai ficar lindo em você. Não pude resistir ao pedido dela, e confesso que internamente que queria estar bonita pela primeira vez em minha vida, e se aquela jovem fêmea queria me ajudar, por que não?
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