— Quando ele vai acordar? — Alfa Dérik perguntou com olhos atentos ao homem desacordado sobre a esteira.
O velho curandeiro do clã acabara de adentrar o pequeno cômodo de sua velha cabana. Era seu lar e laboratório, um tango desorganizado para os olhos desatentos dos visitantes, mas o velho Agar sabia onde estava cada um de seus objetos. Sua cabana era humilde e minimalista, sem a presença do menor luxo. Era toda de madeira com prateleiras em todas as paredes, uma extensa mesa na sala principal, frascos e livros espalhados por todo lado. Ele vestia-se sempre de branco, embora suas vetes fossem infinitamente remendadas e encardidas, ele era meticuloso e asseado quando preparava suas “misturas”.
Ele sorriu mostrando os dentes amarelados, trazia uma bandeja em mãos, contendo duas jarrinhas de uma bebida de cor e sabor duvidosos. Depositou a bandeja em cima de um aparador no canto, empurrando alguns frascos vazios com a própria bandeja. Um dos frascos caiu no chão e rolou até os pés do Alfa, que o estraçalhou ao pisar nele.
O velho ergueu uma sobrancelha ao ouvir o ruído do vidro quebrando antes de se virar de frente para o líder do clã.
— Esse frasco era usado para armazenar infusões e xaropes, está cada vez mias raro encontrar frascos de qualidade como esse….
— O velho resmungou com a voz pesarosa e salpicada de um tantinho de deboche.
— Eu te fiz uma pergunta, velho!
O Alfa desviou finalmente o olhar do homem desacordado para o curandeiro.
— Sim, sim, algumas vezes, como se eu pudesse dar uma resposta diferente apenas porque você repetiu a pergunta. Tome, beba isso!
Inspirando o ar devagar para tentar permanecer paciente com o anfitrião, o Alfa aceitou a beberagem e a engoliu de uma vez.
— Que porcaria horrorosa é essa?
— Algo para acalmar a sua terceira forma, Alfa, antes que destrua minha cabana. E sobre o gama Adanir, bem, ele perdeu muito sangue e sofreu uma forte pancada na cabeça. Podemos apenas esperar que decida acordar antes que o corpo enfraqueça demais sem comida.
— Nenhuma de suas poções poder fazer com que ele acorde, pelo menos por algum tempo?
— Infelizmente não, Alfa. — O velho bebeu um pequeno gole do conteúdo da jarrinha, olhou para o angustiado Alfa de soslaio e escondeu o sorriso antes de continuar. — Gama Adanir estar vivo já é um milagre da grande deusa. Deve ter algo a ver com a pequena que você trouxe para a nossa terra….
O Alfa de um passo na direção do idoso, olhos atentos nas expressões faciais do rosto magro e enrugado. A barba comprida e amarelada úmida pela bebida pouco escondiam do pequeno sorriso zombeteiro.
— O que sabe sobre isso, velho?
O idoso deu de ombros, bebericou mais um gole devagar antes de responder:
— Nada de mais, Alfa, apenas ouvi o burburinho que corre entre meus aprendizes… Ah…. E a nítida energia de uma Luna de Nascimento entrando em nossas terras.
— Pôde senti-la?
— Oh, pude. Não sabe como meu velho coração se encheu de alegria. Deve ser forte e poderosa essa fêmea para se fazer sentir assim….
O velho analisava as expressões do Alfa, curioso a respeito da visitante. Dérik, por sua vez, franziu o cenho. Aquela pequena fêmea lhe pareceu fraca e frágil, nem de longe essa Luna “forte e poderosa” que o curandeiro disse sentir.
— Fique atento, Alfa Dérik, certamente eu não fui o único a sentir a energia dela. Sou apenas um Delta, qualquer um com sangue nobre no clã sabe o que ela é….
Dérik fechou as mãos em punho. O velho estava certa, àquela altura a chegada de uma Luna de Nascimento já devia ter chegado nos ouvidos dos anciãos do clã, ele precisava se preparar para a astúcia dos aliados, e mais ainda, para os ardilosos críticos de seu reinado. Ser uma Alfa era como caminhar em um ninho de serpentes, qualquer passo em falto seria fatal.
— Não se preocupe, ela está me meus aposentos, ninguém tem acesso a não ser meus Betas.
— Hm… Me diga uma coisa, Alfa…. Como sua natureza reagiu a ela?
— Minha b***a sentiu-se atraído por ela, é claro, é uma Luna não marcada….
— Ah…. Eu me refiro a sua terceira forma, Alfa. — O velho encarou o Alfa com seus olhos astutos. Apesar de ter nascido um Delta, ele conseguia encarar qualquer alfa sem se abalar, o que era um mistério para os mais jovens.
Dérik encarou o velho de volta, sem ameaça ou opressão, apenas um olhar que dizia mais do que palavras.
— Ele sentiu antes mesmo que eu pudesse vê-la ou farejar a menina. Ela é apenas uma menina e ele queria… Foi difícil controlar os instintos…
— Entendo… Talvez ela seja muito poderosa e a fera deseje possuí-la como substituta. Sabe o quanto a força atrai nossa natura…
— É…. Pode ser…— As palavras do Alfa pareciam vazias até para ele mesmo. A atração era mais forte do que por puro poder. Além disso, a pequena Luna era a Fêmea mais fraca que ele já tinha visto.
— Ou, talvez, Alfa, ela seja a sua companheira….
— É impossível, eu a senti morrer naquele dia…. A dor, o vazio, a angústia… Ainda sinto, sentia.— A voz do Alfa se tornou mais baixa conforme as pronunciava.
— Não sente mais o vazio? — O velho perguntou, olhos brilhantes de esperança.
— Não tenho certeza, minha terceira forma voltou, talvez seja apenas isso. Ela não pode ser minha companheira, ela morreu naquele dia….
— Nunca encontramos o corpo… Acreditamos na época que os deuses do oceano o recolheram, mas e se….
Alfa Dérik passou as mãos pelo rosto, angustiado. A lembrança do sofrimento que o abateu quando perdeu sua companheira era forte demais, como se tivesse acontecido recentemente.
— Eu senti a dor da perda, velho, não crie fantasias absurdas.
O velho suspirou, decepcionado. Ele adoraria que a Luna de seu clã estive-se milagrosamente viva, mas o alfa estava certo, era apenas uma fantasia….
— Me perdoe, Alfa, por ser um velho t**o. Ela estar viva a essa altura seria um imenso milagre, e estou velho demais para desejar tais coisas…