Fantasias

1048 Words
— Quando ele vai acordar? — Alfa Dérik perguntou com olhos atentos ao homem desacordado sobre a esteira. O velho curandeiro do clã acabara de adentrar o pequeno cômodo de sua velha cabana. Era seu lar e laboratório, um tango desorganizado para os olhos desatentos dos visitantes, mas o velho Agar sabia onde estava cada um de seus objetos. Sua cabana era humilde e minimalista, sem a presença do menor luxo. Era toda de madeira com prateleiras em todas as paredes, uma extensa mesa na sala principal, frascos e livros espalhados por todo lado. Ele vestia-se sempre de branco, embora suas vetes fossem infinitamente remendadas e encardidas, ele era meticuloso e asseado quando preparava suas “misturas”. Ele sorriu mostrando os dentes amarelados, trazia uma bandeja em mãos, contendo duas jarrinhas de uma bebida de cor e sabor duvidosos. Depositou a bandeja em cima de um aparador no canto, empurrando alguns frascos vazios com a própria bandeja. Um dos frascos caiu no chão e rolou até os pés do Alfa, que o estraçalhou ao pisar nele. O velho ergueu uma sobrancelha ao ouvir o ruído do vidro quebrando antes de se virar de frente para o líder do clã. — Esse frasco era usado para armazenar infusões e xaropes, está cada vez mias raro encontrar frascos de qualidade como esse…. — O velho resmungou com a voz pesarosa e salpicada de um tantinho de deboche. — Eu te fiz uma pergunta, velho! O Alfa desviou finalmente o olhar do homem desacordado para o curandeiro. — Sim, sim, algumas vezes, como se eu pudesse dar uma resposta diferente apenas porque você repetiu a pergunta. Tome, beba isso! Inspirando o ar devagar para tentar permanecer paciente com o anfitrião, o Alfa aceitou a beberagem e a engoliu de uma vez. — Que porcaria horrorosa é essa? — Algo para acalmar a sua terceira forma, Alfa, antes que destrua minha cabana. E sobre o gama Adanir, bem, ele perdeu muito sangue e sofreu uma forte pancada na cabeça. Podemos apenas esperar que decida acordar antes que o corpo enfraqueça demais sem comida. — Nenhuma de suas poções poder fazer com que ele acorde, pelo menos por algum tempo? — Infelizmente não, Alfa. — O velho bebeu um pequeno gole do conteúdo da jarrinha, olhou para o angustiado Alfa de soslaio e escondeu o sorriso antes de continuar. — Gama Adanir estar vivo já é um milagre da grande deusa. Deve ter algo a ver com a pequena que você trouxe para a nossa terra…. O Alfa de um passo na direção do idoso, olhos atentos nas expressões faciais do rosto magro e enrugado. A barba comprida e amarelada úmida pela bebida pouco escondiam do pequeno sorriso zombeteiro. — O que sabe sobre isso, velho? O idoso deu de ombros, bebericou mais um gole devagar antes de responder: — Nada de mais, Alfa, apenas ouvi o burburinho que corre entre meus aprendizes… Ah…. E a nítida energia de uma Luna de Nascimento entrando em nossas terras. — Pôde senti-la? — Oh, pude. Não sabe como meu velho coração se encheu de alegria. Deve ser forte e poderosa essa fêmea para se fazer sentir assim…. O velho analisava as expressões do Alfa, curioso a respeito da visitante. Dérik, por sua vez, franziu o cenho. Aquela pequena fêmea lhe pareceu fraca e frágil, nem de longe essa Luna “forte e poderosa” que o curandeiro disse sentir. — Fique atento, Alfa Dérik, certamente eu não fui o único a sentir a energia dela. Sou apenas um Delta, qualquer um com sangue nobre no clã sabe o que ela é…. Dérik fechou as mãos em punho. O velho estava certa, àquela altura a chegada de uma Luna de Nascimento já devia ter chegado nos ouvidos dos anciãos do clã, ele precisava se preparar para a astúcia dos aliados, e mais ainda, para os ardilosos críticos de seu reinado. Ser uma Alfa era como caminhar em um ninho de serpentes, qualquer passo em falto seria fatal. — Não se preocupe, ela está me meus aposentos, ninguém tem acesso a não ser meus Betas. — Hm… Me diga uma coisa, Alfa…. Como sua natureza reagiu a ela? — Minha b***a sentiu-se atraído por ela, é claro, é uma Luna não marcada…. — Ah…. Eu me refiro a sua terceira forma, Alfa. — O velho encarou o Alfa com seus olhos astutos. Apesar de ter nascido um Delta, ele conseguia encarar qualquer alfa sem se abalar, o que era um mistério para os mais jovens. Dérik encarou o velho de volta, sem ameaça ou opressão, apenas um olhar que dizia mais do que palavras. — Ele sentiu antes mesmo que eu pudesse vê-la ou farejar a menina. Ela é apenas uma menina e ele queria… Foi difícil controlar os instintos… — Entendo… Talvez ela seja muito poderosa e a fera deseje possuí-la como substituta. Sabe o quanto a força atrai nossa natura… — É…. Pode ser…— As palavras do Alfa pareciam vazias até para ele mesmo. A atração era mais forte do que por puro poder. Além disso, a pequena Luna era a Fêmea mais fraca que ele já tinha visto. — Ou, talvez, Alfa, ela seja a sua companheira…. — É impossível, eu a senti morrer naquele dia…. A dor, o vazio, a angústia… Ainda sinto, sentia.— A voz do Alfa se tornou mais baixa conforme as pronunciava. — Não sente mais o vazio? — O velho perguntou, olhos brilhantes de esperança. — Não tenho certeza, minha terceira forma voltou, talvez seja apenas isso. Ela não pode ser minha companheira, ela morreu naquele dia…. — Nunca encontramos o corpo… Acreditamos na época que os deuses do oceano o recolheram, mas e se…. Alfa Dérik passou as mãos pelo rosto, angustiado. A lembrança do sofrimento que o abateu quando perdeu sua companheira era forte demais, como se tivesse acontecido recentemente. — Eu senti a dor da perda, velho, não crie fantasias absurdas. O velho suspirou, decepcionado. Ele adoraria que a Luna de seu clã estive-se milagrosamente viva, mas o alfa estava certo, era apenas uma fantasia…. — Me perdoe, Alfa, por ser um velho t**o. Ela estar viva a essa altura seria um imenso milagre, e estou velho demais para desejar tais coisas…
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