Ele mostrou o guarda chuvas dela no canto
- Intuição.
Ela se aproximou, encostou ao lado séria
- Pode ir pra sua casa, não tem muito o que fazer com o tempo assim mesmo.
- Tira o dia de folga.
Ele se virou para vê-la
- Não tenho o que fazer lá também.
- Se a patroa quiser posso fazer reparos na casa, começando com a porta que eu arrombei ontem.
Ela se sentou ao lado no mesmo banco
- É, pode ser.
- Você viu alguma coisa?
- Carro, moto, qualquer coisa?
Ele disse que não, ela pegou o celular tocando do bolso
- Com certeza foi o Matteo meu ex, eu não devia ter colocado fogo no carro dele.
- Ele não vai parar até tirar tudo de mim.
- É melhor vocês irem indo embora, antes mesmo de fechar o mês.
- As coisas estão piores do que eu imaginei. Vou me virar sozinha!
Se levantou o olhando séria fixamente
- E funcionário nenhum vai me respeitar mesmo, não é?
Ele estava descascando uma laranja com um canivete
- Eeeeee dona, você não tá achando que foi gente daqui né?
- Não vem querer me acusar de nada não.
- A única coisa que eu quero é trabalhar e ganhar meu dinheiro honesto.
Ela foi pegar o guarda chuvas
- Quando a gente é traído, por quem mais confia, aprende a não confiar em absolutamente ninguém.
- Não estou te acusando de nada, só acho que como se não bastasse a desgraça toda que a minha vida está.
- Ainda perdi todos os bons funcionários da época do meu pai, homens que iriam me escutar com respeito.
- Acatando as minhas ordens, me ajudando.
- Eu não sou tola, estudei com mais de cinquenta homens, vocês são muito mach istas nessa área.
- Acha que eu não sei, que você fez tudo o que foi pedido, errado de propósito?
Ele ofereceu metade da laranja pra ela, rindo com deboche
- Pega aí dona Otávia.
- O meu problema não é receber ordem de mulher, eu só não gosto de quem não sabe mandar.
Se levantou a olhando fixamente com provocação
- Com todo o respeito, cê não sabe cuidar desse lugar aqui não.
- Enquanto não for o exemplo e ter força pra liderar, ninguém vai te seguir.
- Nem homem e nem mulher, tá todo mundo indo embora desacorsoado e você nem fica sabendo patroa.
Ela não pegou a laranja, ficou emotiva séria, com os olhos marejados
- É, deve ter razão, então aproveita e vai com eles.
Saiu do estábulo arrasada, foi direto atrás de Amélia na cozinha, entrou tirando as botas
- Preciso de um favor.
- Tudo bem por aqui?
- Alguém ligou?
Amélia se aproximou apreensiva
- Tudo! Ligaram três vezes, pra saber de você. Um Évan e uma mulher do banco.
- O que precisa dona Otávia?
Otávia foi indo para o escritório
- Sabe dirigir? Tem habilitação?
- Sabe montar?
Amélia disse que sim, Otávia foi abrindo o notebook
- Vou ter que dispensar todos os funcionários.
- Incluindo você, mas antes, acho que posso participar de um rodeio, com feira de exposição e conseguir vender outros cavalos, eu não sei.
- Preciso fazer alguma coisa.
- Se você for comigo, pode montar e me ajudar, vou te pagar por isso.
- Ainda temos algum tempo.
- Você é linda!
Amélia ficou olhando confusa
- Como assim montar?
Otávia começou olhar o site, virou a tela
- É, não vai dar tempo, é exigir demais, de você.
- Pensei que podia participar das provas de mulheres.
- Os tambores, laço.
- Porque mesmo que perca, o cavalo vai ganhar visibilidade.
- Só de me acompanhar, pode tentar ser a rainha ou madrinha do rodeio, o que acha?
- Não cresceu no sítio?
Amélia começou rir com desdenha
- Não acho possível mesmo, parei de montar a muitos anos, quando sai de casa, nunca mais subi num cavalo.
- A minha mãe já foi rainha do rodeio, e foi assim que engravidou de mim.
- Ao invés de montar no touro, se deixou ser montada por um boi.
Otávia ficou curiosa
- Olha que legal, ela ter sido. A minha irmã também foi.
- Eu sempre tive vergonha dessas coisas.
- Sua mãe sabe onde você está?
Amélia se afastou
- Mais o menos, ela não se importa, pode acreditar.
- Essas coisas tem prêmio em dinheiro as vezes né?
Otávia disse que sim, começou a explicar tudo olhando no site, ligou para um amigo, pedindo um favor, colocar Amélia nas finalistas, conversando as duas perceberam que iriam precisar escolher, entre montar ou tentar ser rainha, Amélia disse que podiam fazer um teste, no dia seguinte, ver se ela ainda tinha chance.
Otávia concordou, até se animou um pouco, se lembrou de sua irmã falecida, que era parecida com Amélia, desastrada, encrenqueira, a chamou para ir olhar as coisas guardadas de Anilara, ver se algo servia, quando abriu o quarto, Amélia ficou muito surpresa, tudo estava como se alguém ainda morasse lá.
As duas calçavam o mesmo número, Amélia foi provando as botas caríssimas com um sorriso espontâneo, conhecia as marcas, os anos de lançamentos, se distraiu falando demais, Otávia percebeu que ela devia ter tido boas condições um dia, achou muito estranha a história de vida dela e resolveu pesquisar, pediu um documento para fazer a inscrição, Amélia disse que depois daria a ela, mas não deu e Otávia se esqueceu de pedir para averiguar depois.
As duas passaram o resto do dia juntas, Miro não foi lá na casa arrumar nada, quando estava anoitecendo, parou de chover, Otávia já ia deitar, cansada com muitas dores nas costas, onde apanhou, resolveu ir pagar Miro, pensou que ele estivesse precisando do dinheiro, talvez para mandar a família.
Foi até a casa dele, de calça jeans, blusa de moletom e botas galochas, com uma arma e um canivete na cintura, foi usando uma lanterna, tudo estava escuro lá, ela achou estranho, o chamou de longe
- Miro? Oiii? Está aí?
Ele estava deitado, saiu na janela com uma lanterna
- Isso é invasão de propriedade dona. Eu podia achar que veio me roubar.
- Aconteceu alguma coisa?
Ela foi se aproximando, entrando no quintal
- Não tem um interfone aqui, se tivesse eu não invadia. E duvido ter algo pra ser roubado!
Escorregou quase caindo no barro
- Aiii que porcaria. Porque está tudo escuro aqui?
Ele saiu na porta
- Acabou energia. Cuidado pra não cair, nas minhas armadilhas.
Esticou a mão clareando
- Tira as botas, não vai sujar a minha casa, limpinha.
Tinha um pedaço de madeira na porta, ela segurou na mão dele, foi tirando as botas e entrou
- Vim te pagar. Aiii cuidado!
Ele encostou nas costas dela, a amparando para pular a madeira
- Desculpa. Tá doendo muito?
- Era bom de ir no hospital.
Ela pegou o envelope na mão
- Toma, referente até o dia de hoje.
- Eu m*l consigo me mexer, tenho que andar dura.
- Mas logo vai melhorar.
Ele pegou o envelope, começou olhar
- Clareia aqui o dona.
- Posso olhar? As suas costas?
Estavam no escuro, só usando as lanternas, ela se virou foi levantando a blusa, pegou a ar ma na mão, tirando da cintura
- Pode! Já quebrou ou trincou alguma costela?
- Sabe como é? A dor?
Ele clareou para olhar
- Jaaaa, várias.
Foi indo para o quarto
- Tenho um remédio caseiro aqui, quer tentar usar?
- É bom demais! Tudo o que eu me machuco, passo.
Foi guardar o dinheiro dentro de um sapato embaixo da cama, ela foi atrás apreensiva
- Quero!
- Você tem família Miro? Esposa?
Ele disse que não, pegou um potinho no guarda roupa, foi se aproximando sem a lanterna
- Não tenho ninguém. E gosto assim!
- Pode guardar isso aí patroa, você não vai atirar em mim e nem eu em você.
- Deixa eu passar, levanta a roupa aí.