Pathetic

2329 Words
Sábado por volta das quatro e meia da tarde, Marcelina, Maria Luísa, Vitória, Marcela e Juliana estavam sentadas no pátio da casa da dinda dividindo um chimarrão. Duas garrafas térmicas repousavam no chão enquanto a cuia passava de mão em mão após cada uma terminar o mate. Por hora a cuia estava com a dinda, e Juliana estava sentada na ponta da fila olhando uma revista. - Mãe olha aqui. - Ai Juliana não me olha com esses olhos que eu não tô podendo! - Mãe é só um batom. - Pra que tu precisa disso se tu nem sai Juliana? - O que tem aí? - Um batom lindo e maravilhoso dinda. Mas a mãe é mão de vaca e não quer me dar. Juliana desviou de um tapa desferido por sua mãe. - Escolhe meu amor. A dinda te dá. Malu ficou visivelmente contrariada pela atitude da cunhada mas nada disse. O assunto prosseguiu, e de repente Ciro saiu de dentro de sua casa com um cortador de grama. Deixou o objeto parado na porta e foi até a roda de conversa das mulheres. - Boa tarde. - Boa! - Vocês ainda vão ficar muito tempo sentadas aí? É que eu vou cortar a grama. - Já vamos nos levantar pra não atrapalhar o moço. E também já tá ficando frio aqui! Como você consegue ficar só com essa camisetinha meu filho? E aberta ainda por cima? Juliana estava quase de costas para ele e se virou, esforçando-se para encarar o rosto dele e não olhar pra baixo. Ciro riu e baixou a cabeça, olhando para Juliana por um instante. - Já estou acostumado. Elas levantaram e cada uma pegou sua cadeira. Ciro foi até a porta pegar o cortador e Juliana o viu olhar para trás em sua direção mais uma vez rapidamente. Ela estava louca, ou ele, um homem adulto estava olhando para ela adolescente? Não podia ser sério. Devia ser só imaginação. Entraram e foram tomar café. Daí a minutos a porta abriu e o rapaz apareceu. - Dona Celina, a senhora tem extensão pra eu poder cortar aqui do lado? - Até tenho mas o Guido levou pro serviço e não trouxe. - Que pena. Eu queria deixar a grama baixinha. - Daqui a pouco quando o Guido chegar você pede pra ele. Quer um pedacinho de pão? - Não vou incomodar? – Perguntou ele hesitante. - Não vai não, pode entrar. Juliana sentiu o coração doer pelo aceleramento súbito. E tudo isso seguido de um peso no corpo. Ele se aproximou ainda como se controlasse os passos e foi encorajado pela dona da casa. - Pode se servir. Ela abriu a geladeira e tirou alguns complementos para o pão e os colocou sobre a mesa. -Você não está com fome? Pode pegar. Tem Nescau também. - Completou Celina. Ele parou ao lado de Juliana, porém como alguns minutos antes, ela estava sentada na na cadeira e ele em pé. Não por vontade própria, pois haviam poucas cadeiras e sua patroa também estava em pé. - Homem sozinho deve sentir muita fome né? Imagino que nem deva cozinhar. – Perguntou Malú. - Sim. Faz falta a casa da mãe por que as mães nunca deixam a gente ficar muito tempo sem se alimentar. - A casinha da mãe é sem igual mesmo. - O pão tá ótimo. – Disse Ciro já cortando outro pedaço do pão caseiro e se servindo de café preto. Juliana o observava de canto enquanto comia o pão. Ciro estava cheiroso e ainda mantinha a camisa aberta, fazendo a menina ter torções no estômago e olhar de vez em quando por milésimos de segundo para que ninguém visse. - Você não está com frio? - Ai desculpa dona Celina. É que lá dentro de casa tava calor e eu ia cortar a grama. – Disse ele já abotoando a camisa. Juliana protestou, ainda que em silêncio. - Qual é sua idade? – Perguntou dona Malú. - 27. - Que engraçado – Prosseguiu Marcelina – Já estamos aqui há um ano e só agora estamos conversando. Você é muito quieto e reservado, nunca veio aqui se enturmar. A gente não morde. Às vezes a gente briga, mas não morde! O rapaz riu. - Eu vou pegar mais um pedaço de pão e vou pra casa. Se me dão licença. - É claro, pode levar. O rapaz se levantou levando o pão e se despediu. - Rapaz querido ele. Educado. - Nunca tinham conversado? – Perguntou Malú. - Não. Ele não vem aqui. Antes ele trabalhava de dia mas agora parou. Quem mais fala com ele é o Guido. Aliás já vai ser seis da tarde. Cadê o Guido? E sábado ainda, sábado ele só trabalha até meio-dia, quando tem serviço. - Já deve estar vindo mãe.- Disse Vitória. - Pois é, agora fiquei preocupada. Mas volto à dizer: Que rapaz bonito, educado. Daria um bom namorado pra ti Ju. Ele tem 27 anos e parece bem novinho! - A Juliana tinha um namorado, mas ela não quis mais ele. – Emendou a mãe. Ouviu-se um som de curiosidade vindo da dinda e das primas. -Hnmmmmmm. Qual era o nome do sortudo? E o que ele fez pra ti não querer mais? - Era Willian. Ah, ele fez muita coisa que eu não gostei. - O Willian aquele filho do padeiro? - Sim tia. - Ah mas que bom que tu te livrou dele Ju. Ele tá preso. Juliana sentiu o mundo desabar. - Que? - Sim e foi preso agora acho que quarta né? – Disse a madrinha procurando se lembrar. - É acho que foi. Eu tava lá na hora, chegou polícia e tudo mais. Parece que foi assalto.- Comentou Vitória. - Não tô acreditando tia. - Sim Ju. – Disse Marcela. – Ninguém acreditou. Tu tava na praia com o tio e aconteceu isso. Encheu de polícia na padaria. - Mas assaltou quem que a gente não ficou sabendo? Uma cidade desse tamanho a gente já tinha que saber. – Dizia a mãe de Juliana em tom exaltado. - Ninguém sabe. Mas deve estar no presídio já. – Disse Vitória. - E o Wilian tem idade pra tá no presídio? - Sim dinda. Ele já tem 19 anos. - Meu Deus! Parece tão novinho. - É. A cara dele engana, literalmente. A notícia de que o primeiro homem de sua vida agora era um presidiário afetou Juliana de um jeito que ela não imaginou. Relembrou de quando sua irmã, ainda na adolescência, saiu de casa com o primeiro marido e passou poucas e boas nas mãos dele. Lembrou do desespero dos pais pela má índole do rapaz, e de todas as vezes em que viu a irmã com marcas roxas pelo corpo. Quando ela enfim voltou pra casa, seu pai bradou pra quem quisesse ouvir que jamais haveria outro bandido na família. É, parece que não foi bem assim. Percebendo o abalo da menina, a tia e a mãe trataram de mudar de assunto, e começaram a falar do aniversário de 15 anos de Vitória que já estava chegando. Mas nem isso a tirou do transe. Juliana sentou na beira do sofá e continuou com o olhar vazio em direção à janela. Será que as pessoas falariam m*l dela por aí? Todos sabiam que os dois haviam namorado. Wilian foi uma desgraça completa em sua vida. Além de ter pego nojo dele após terem transado, até depois de ex e preso ele conseguiu estragar mais alguma coisa. Ciro esteve ali, pertinho dela e ela sequer conseguia ficar feliz com a lembrança. - Mãe eu vou ali na rua um pouco. Já volto. Juliana se levantou e foi até o pátio, mas em vez de ir até o portão ela tomou a direção oposta, e foi até a beira da lagoa. Parou à centímetros da água e olhou para o reflexo. Suspirava profundamente olhando toda aquela água que parecia não ter fim, e as árvores e morros em volta. Pensou que em um dia de sol poderia passear com as primas por lá e tirar fotos. Quanto tempo não se arrumava para uma foto? Quanto tempo não fazia algum passeio? Subitamente lembrou do rapaz com quem ficou na festa e de quando ela e as colegas apontavam algum garoto na escola ou na rua e diziam cheias de si: Já fiquei com ele. Como mais um para a conta e cada um à mais parecia elevar o nível de “experiência” perante as amigas, e por conseguinte o respeito no grupo de colegas, elas já ficavam com alguém pensando em contar para as colegas e pensando nos “benefícios” que isso traria. Agora ali sozinha Juliana ria olhando pro ar e pensando o quanto aquilo era patético. Todo mundo sabia o quanto era ridículo beijar ou t*****r com alguém apenas para somar uma listinha, mas ninguém tinha coragem de interromper aquele comportamento e cair no limbo da escola. Então elas apenas continuavam, e a falação também continuava, já que moravam em uma cidade pequena. Seus pais e os mais velhos sempre diziam que “depois todo mundo comer” e a moça já estar “bem rodada”, aí ela arrumava algum trouxa que casasse com ela e pagava de mulher puritana e de família, se tornando o “pilar moral” da cidade e achando que enganavam alguém. Pensou estar sendo observada e olhou para trás. Qual não foi sua surpresa quando viu Ciro parado alguns metros atrás dela. - Oi. Está tudo bem? - Oi. – Disse ela estarrecida – Você quer tomar banho...aqui? Eu saio. “NÃO! SUA ANTA! COMO QUE ELE VAI TOMAR BANHO NA LAGOA NESSE FRIO?!” – Gritava a consciência de Juliana após a pergunta. Ciro deu uma gostosa risada à ponto de se dobrar e se apoiar nos joelhos. - Não. Eu até tomo banho aí, mas quando tá calor e não tem mais ninguém em casa. - Ah. Tá. – Respondeu sem graça. – A mãe e as primas tão lá dentro. - Sim. A TV tá alta, dá pra ouvir daqui. Também escutei um barulho de chuveiro ligado e conversas altas ali perto do banheiro. Juliana viu as janelas já fechadas e agradeceu por isso. Era costume de família fechar as janelas ao primeiro sinal de escuridão ou tempestade, e a menina nunca se sentiu tão grata por esta mania como agora. - Eu já vou entrar. - Você parece querer conversar. Ali dentro a gente nem se falou. Quer dizer, sua mãe e sua tia me bombardearam com perguntas, e você e suas primas não falaram nada. - É, a Vi é mais quieta mesmo, só fala quando tá muito à vontade. Geralmente com a gente que ela conhece. Ele ria enquanto falava, e isso o fazia ficar mais lindo ainda, porém deixava Juliana envergonhada. - E a sua outra prima? – Perguntou instigando. - Você já é adulto. Provavelmente deve ter percebido que ela gosta de você. - Gosta é? - Dizem que os adultos sempre percebem tudo, que pegam as coisas no ar. - É, a gente nota sim. Mas você não é criança. - Pela lei eu sou. Fiz 17 quinta. - Ah, essa semana foi seu aniversário? Parabéns. Quando eu cheguei de noite com o seu tio em casa a sua tia tava no telefone com você te dando parabéns. - E como você soube que era eu no telefone? - Não tem outra Juliana na família. Ou tem? “ JULIANA NÃO SEJA BURRA” Juliana tentava seguir uma conversa normal com Ciro, mas o nervosismo e não sei mais o quê faziam ela falar uma série de bobagens. As lembranças vergonhosas não a deixariam dormir mais tarde. - Tá frio. Você trocou de camisa mas não colocou um casaco. - Esqueci. – Disse ele dando de ombros. Por que ele não parava de sorrir? - Eu vou entrar. Boa noite. Quando ela foi dar um passo ele foi até ela e parou em sua frente, lhe dando um beijo e pondo as mãos em sua cintura. Juliana foi pega de surpresa com o beijo. Embora tivesse sentido um clima por ele ter ido vê-la quando estava longe da vista de todos, não imaginou que chegariam a um beijo. Na verdade não imaginou que ELE fosse querer algo com ela. Por que ela? Por que não Marcela? Primeiro o momento, depois as divagações. Se entregou ao beijo e finalmente tocou nos ombros dele, subindo por seus cabelos. Achou que seu coração fosse explodir no peito, quando então ele parou o beijo. Será que ela pareceu muito afoita? - Uou. – Exclamou Juliana. Ele respirou. E riu. - Por que você não para de rir? Eu sou engraçada por acaso? - Não. Eu gostei. Quando eu gosto eu sorrio. Foi a vez dela rir. Se deram mais um beijo, dessa vez mais calmos. - Eu tô bem na frente da janela. Se elas abrirem a janela vão ver a gente. Eu vou entrar. – Disse ela rindo. - Tá bom. Ela entrou em casa com o coração à mil. Quando olhou para a televisão entendeu por que mesmo estando na sala, elas não ouviram a conversa dela com Ciro na rua, e por que o volume estava nas alturas. Estava passando Crepúsculo na TV à cabo, e as primas assistiam compenetradas, ainda que pela milésima vez. “Patético”, pensou Juliana. Marcela e Vitória nem piscavam. Ela ria debochada e nem conseguia esconder. A risadinha quase proibida de Ciro havia lhe contagiado. Passou pela sala e foi pegar uma roupa para tomar banho. Já embaixo do chuveiro Juliana ergueu os pés para olhar pela basculante. Enxergou quase o telhado da casa ao lado e lembrou de minutos antes. Que importava o por que dele ter ido atrás dela ou ter preferido ela e não a prima? Ele a quis, e pronto.
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