Falando Francamente

2242 Words
- O Guido é doente da cabeça. Se ele não tiver algum problema eu não sei quem tem. Onde já se viu botar um homem pra dentro de casa tendo duas filhas adolescentes? - Mas eu liguei pra tia esses dias, e ela disse que precisa do capataz por que lá é muito retirado e tem que ter alguém pra ajudar a cuidar. - Ajudar a cuidar? Ele deu a chave do galinheiro pra raposa, isso sim. O cara vai é comer as filhas dele e vai largar fora. Se é que não é algum ex presidiário e ele nem sabe. - E esse cara veio da onde? - Não sei Maria, mas Charqueadas é ali do lado e tem dois presídios né. Diz a Celina que ele cuidava ali por que o outro vizinho era caminhoneiro. - Pois é pai. Mas que loucura vender a casa ali dentro da cidade, perto de todo mundo e ir se enfiar sabe Deus onde. Onde que é essa casa deles? - É lá pra banda do Pires. Pega a estrada e vai, passa a rua do Serraria aquela que dá pra ver o hotel, e é um pouco depois. Até tem o bairro ali atrás, mas na estrada dos Pires ali só tem eles. Muita doidura. - Estranho isso aí. - Muito estranho. Eu pra mim o teu tio tá enrolado com alguma “coisa”, se tu me entende. - É, trair ele sempre traiu. Mas daí a vender a casa e levar a família pro meio do nada? Juliana abriu a porta e entrou, e o pai e a irmã imediatamente gelaram a conversa e mudaram de assunto. - Peguei os pão e trouxe um refri. Tinha mais alguma coisa? Já tavam até fechando. - Não, era só isso. Estavam na casa da irmã de Juliana. Eram quase dez da noite, mas chegaram tarde por que saíram da casa dos padrinhos já pelas 18 horas. Ana Maria morava com o marido no litoral e estava grávida de oito meses. Ela e Juliana tinham sete anos de diferença. - Vamos tomar um café, não vou fazer janta por que tô destruída. A vontade que dá é só dormir. - Dá tanto sono assim mana? - Se dá! Sono, vômito, tontura. Raiva de todo mundo. A gravidez não é essa coisa maravilhosa que tanto falam. – Disse ela rindo. - Pena que quando ele chegar eu vou estar na escola né pai? Tinha que ser que nem era antes, que a gente ia pra casa das irmãs ajudar a cuidar. - Ai Juliana faz me rir. Tu sabe o que é cuidar de um nenê? Eles acordam várias vezes de madrugada, querem mamar toda hora, enchem a fralda e não pode deixar sujo, tem que trocar se não assa. - Credo. Mas são tão lindinhos, dá vontade de apertar. - E tu nem tem noção de quantas gurias fazem filho só por que acham bonitinho. - Uma que logo vai embuchar é a Marcela. Meu Deus do céu, tem piedade! - Pois é pai. Nem perguntei como que tão as gurias. - A Vitória tu tem que ver. É uma educação exemplar. Quieta, comportada, fala direito com a gente, sabe se vestir, estudiosa. A Marcela minha Nossa Senhora, é uma p*****a desgraçada. Só fala em homem, homem, homem. O pai manda ela lavar uma louça já começa bate boca, briga, responde. As roupas dela é de dar vergonha, parece que tá pelada. Perguntei pra ela o que ela quer fazer depois que terminar a escola e ela: “Não sei. Não gosto de estudar”. E eu perguntei :”É? E do que é que gosta?. Ela me respondeu : ”Homem”. Ana Maria arregalou os olhos. - E eles deixam? No meu tempo uma olhada já bastava. Mas credo se eu dissesse uma coisa dessas pra alguém. - Eles dizem que é fase, que passa. As roupas a Celina diz que é jovem, que depois ela vai passar a vida inteira se vestindo como uma senhora, então agora tem que aproveitar. Eu não falo nada. Ele não passa o laço na guria agora, daqui a pouco o homem lá passa o couro e vai embora. - Que vergonha essa geração de hoje em dia. – Ela se virou para a irmã – E a festa tava legal mana? Aqui nem tem. Eu sinto saudades das festas de lá. - Tava ótima. Tirando a mãe bêbada nem ter me procurado por que o pai tava na mesma mesa que eu. Marcos caiu na risada. - Tua mãe não foi lá por minha causa? - Sim né pai. E depois o senhor sumiu. Fomos pra pista dançar e o senhor ficou sentado na mesa falando com desconhecidos. - Fiquei cuidando vocês de longe. Juliana ficou nervosa, mas buscou responder com naturalidade. - A festa tava ótima, dancei bastante até com as gurias. Mas tava mais vazio que em outros anos. Acredita que eu esqueci da festa e não levei roupa? A Marcela me emprestou roupa pra eu ir. Nem a mãe lembrou de me mandar roupa. - Uma minissaia e uma camisa totalmente transparente. Tu tava só de sutiã praticamente. - Ai pai! Que saco! O senhor não dá um elogio, nada. - Se tu estiver bonita eu falo, tu parecia uma prostituta. Também, essas roupas da tua prima. – Marcos virou para Maria – Fiquei sentado eles foram dançar. Bebi e conversei com o pessoal e fiquei cuidando vocês. Como tavam atrás de uma parede eu não conseguia enxergar. Fui no banheiro e passei por vocês. Maria! Eu achei que ela ia ficar pelada. - Quem pai? – Perguntou Ana Maria rindo surpresa. - A Marcela. Tava o cara lá com uns outros homens e ela dançando pra ele. Quase peguei o extintor. Ana Maria baixou a cabeça e riu. - O capataz esse? Ai pai. Não acredito que ela está assim. Lembro dela pequeninha! Que isso! - Tô falando. Se não comeu ainda, logo come. - Pai o senhor pode parar de falar da Marcela? Que tanto fala dela e não fala de mim que sou sua filha! Que saco! Veio aqui só pra falar dos outros?! Tanto a irmã quanto o pai olharam surpresos para Juliana. A fala dela era de raiva, coisa que não lhe era comum. Sentaram na sala e assistiram o filme que passava. O cunhado de Juliana chegou e os cumprimentou, ao que a conversa se seguiu em volume mais baixo em razão da TV ligada. Juliana ostentou a mesma cara emburrada que tinha desde o ataque de raiva na mesa do café até ir dormir. Estendeu cobertas no chão da sala e deitou, mas não adormeceu. Não sabia o por que, mas em determinadas épocas do mês se sentia queimar por dentro. Sentia um desejo quase fulminante por qualquer homem bonito que enxergasse, e sua mente ia à mil. A mistura de sensações era agradável, e depois que ela passava, Juliana ficava abismada com a capacidade de sua imaginação. Por vezes nem acreditava que conseguia pensar o que pensava, e se perguntava por que o ato em si não chegava à ser tão bom quanto sua imaginação. Costumava pensar em rapazes aleatórios, e as vezes até em homens, embora não se achasse capaz de provocar cobiça em ninguém maior de 18 anos. Agora quem estava povoando seus pensamentos mais íntimos era Ciro. A visão dele sem camisa, os olhares, o cabelo molhado e quase despenteado dele para a festa eram o suficiente para ela puxar um pouco o lençol pois o calor já começava à incomodar. Virou para o outro lado e ainda os olhos azuis lhe impediam de pegar no sono. Ele era lindo demais. Devia ter uns 25 anos, era alto, magro mas tinha jeito de quem malhava, os cabelos eram negros e a pele muito branca, em perfeito contraste. Embora o tivesse visto poucas vezes, estava alucinada. Queria enxergar ele sempre que pudesse e não conseguia parar de imaginar como devia ser o beijo do rapaz. Sentiu um alívio percorrer seu corpo e tentou continuar pensando mas não conseguiu, como se sua cabeça tivesse chegado à um limite. Em seguida ela dormiu. Acordou já tarde na manhã de terça e a irmã estava arrumando a casa com pressa pois trabalhava de tarde. Ainda grogue ela foi tomar café. Ana Maria era técnica de enfermagem no hospital da cidade e seu marido trabalhava num supermercado. A casa que estavam construindo era linda, três quartos, banheira e chuveiro, área de serviço, um pátio enorme. Quem dera no dia em que Juliana casasse ela pudesse essa sorte. Na escola as meninas diziam que casamento era prisão e que homem era folgado e prendia demais a mulher, embora quase nenhuma delas já tivesse sido casada. Juliana tinha o sonho de casar e ser feliz, formar sua família, mas não comentava com ninguém já que o casamento de seus pais fracassou e ela tinha vergonha de contrariar as colegas. Tinha medo de ser chamada de criança ou ser tida como uma i****a por querer essas coisas, e já estava tão acostumada a guardar para si o que sentia que nem lhe passava pela cabeça contar isso e diversas outras coisas para ninguém. Afinal, se mesmo não sendo casadas ou mães, suas colegas eram chamadas de “experientes”, quem era ela para pensar diferente? Depois do almoço ela e o pai foram passear de carro na casa de outros parentes que moravam próximo dali. Os assuntos sempre os mesmos e as perguntas que lhe faziam sempre repetitivas e superficiais: “Está namorando?”, “Como vai a escola?”, “O que vai fazer de faculdade?” a irritavam. Começou a refletir sobre como foi bom retomar o contato com os padrinhos e conhecer um lugar novo, e só de lembrar que passada aquela semana ela voltaria para a casa e tudo seria igual novamente a desanimava. Voltaria pra casa onde vivia sozinha com a mãe, levantaria cinco da manhã para ajudar a mãe a assar os pães e depois iria para a escola. Passaria tarde até um pedaço da noite dentro de um mercado atendendo, e em um certo horário ficaria tomando conta sozinha pois sua mãe saía para entregar os ranchos. Teria que ficar pendurada no telefone anotando as listas de compras de pessoas que não podiam ir até lá comprar. Suportar sua mãe distante dela e reclamando de tudo. Ela havia repetido o segundo ano do ensino médio e isso atrasou sua ida para a Federal em um ano. No entanto ela nem havia decidido o que queria fazer da vida. Seus pais estavam guardando dinheiro para pagar o curso pré vestibular e alguma pensão para que ela morasse, caso não conseguisse o alojamento da faculdade. Mas e se ela não passasse? E se ela quisesse mudar o curso já tendo iniciado? Ela conseguiria viver sozinha, sem os pais em uma cidade como Porto Alegre? Era verdade que a capital ficava há 70 quilômetros de São Jerônimo, mas ela nunca havia morado sozinha. E de repente aquilo que era um sonho e sinônimo de paz e objeto de desejo agora era uma incógnita. Juliana odiava não saber o que ia acontecer. Seus pais e as pessoas mais velhas diziam para ela não se apegar à ninguém, baixar a cabeça e focar nos estudos. Mas o que fazer quando ela queria ter alguém ao seu lado? Ela via algumas meninas – apesar de ser raridade – namorado há bastante tempo, com planos de casar, namorados carinhosos que pareciam se amar. Uma havia se casado no ano anterior e seria mãe, ao passo que ela teve dois namorados e ambos foram ruins e não duraram. Juliana se perguntava o que teria de errado consigo mesmo para que ninguém se interessasse por ela. Já em outros momentos ela queria ser a mulher fatal que via nos clipes e novelas. Queria chamar a atenção por onde fosse e ser desejada pelos homens. Se achava muito magra, queria ter mais corpo e um cabelo mais bonito. Queria que alguém quisesse estar com ela e que seu corpo fosse chamativo, mas não era. Essa dualidade deixava Juliana confusa. No fundo ela invejava a coragem que Marcela tinha. Em seus pensamentos ela também chamava a atenção e dançava daquele jeito, sem se importar com o que os outros pensavam. Também peitava os pais e não levava desaforo pra casa. Mas por que não conseguia fazer a imaginação virar realidade? Por que ela era tão travada? Ela e o pai voltariam para casa na sexta, e decidiu que quando chegasse em casa pediria para a mãe para passar o próximo fim de semana na casa dos padrinhos. Queria outro banho de lagoa caso o tempo permitisse, queria respirar o ar dos campos em volta da casa. Queria ver Ciro de novo sem camisa mesmo de longe, já que era impensável para ela poder apreciar tal cena mais de perto. Pegou o telefone e foi até o pátio ligar para a madrinha. Pediu à ela o que queria e também pediu que a dinda ligasse para sua mãe e pedisse por ela, já que assim teria mais chances. No início da noite sua dinda retornou avisando que sua mãe permitiu que ela fosse passar o último fim de semana com os padrinhos. Seu coração gritou de felicidade.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD