CAPÍTULO III

2162 Words
O dia seguinte amanheceu mais claro e mais quente. Camilla acordou tarde e pediu que lhe trouxessem chá gelado. Lá pelas cinco horas, tomou um longo e refrescante banho e arrumou os cabelos. Colocou o vestido azul e branco, e mais uma vez experimentou a deliciosa sensação da sensualidade que a seda lhe provocava. O corpete ajustou-se firmemente a ela, moldando agradavelmente a forma de seus s***s pequenos e firmes, e o tecido caiu macio ao redor de seus quadris. Com um batom de cor suave e um toque de sombra nos olhos, para salientar o bronzeado que o rosto adquiria, ela estava pronta para sair. Na rua quente, ficou surpresa por não conseguir um táxi. Todos que passavam pareciam estar ocupados. Passou vinte irritantes minutos ao sol e ao barulho do tráfego, andando lentamente em direção à casa dos Hagan. Mas ela ficava do outro lado da cidade, no subúrbio de Karte Char, e levaria no mínimo uma hora para andar até lá. Havia sobrado pouco da fresca e serena criatura que há instantes deixara o Hotel Cabul, quando ela finalmente conseguiu um táxi. Karte Char, cinqüenta afeganes disse o motorista. A tarifa era exorbitante, mas Camilla não tinha disposição para discutir. Quinze minutos depois, o carro estacionou próximo à alta parede de cimento, que, como em todas as casas que pertenciam a estrangeiros ou aos ricos cabulis, circundava a casa dos Hagan. Ela se aproximou da larga porta de madeira e tocou a campainha. Oh, Camilla! Nós já estávamos pensando que você não vinha! Entrou e foi cumprimentada por uma mulher bonita, de expressão ansiosa, com calça comprida e uma bata para grávidas. Ela apertou a mão da recém-chegada calorosamente, e Camilla perguntou: Você deve ser a Sra. Hagan. Acertei? Janet, querida. Por favor, chame-me de Janet. Oh! Estou contente em vê-la! Entre, por favor. Camilla observou o andar gracioso de Janet. Ela era esbelta, e tinha um tipo muito bonito, que chamava a atenção. De repente, Camilla sentiu-se abraçada, pelos joelhos, por um cão grande e muito peludo, que lembrava um urso cor de mel e que tentava lamber-lhe o rosto. Espero que você goste de cães, Camilla. Como não gostar? Qual é o nome dele? Elsa. A nossa cozinheira, Kayyum, deu-lhe esse nome porque achou que ela se parecia com os filhotes de leão que viu no filme A História de Elsa. Ela é realmente linda! De que raça é? Eu pensei que o único tipo de cão que havia no Afeganistão fosse aquele aristocrático Afghan Hounds. Ele é magnífico, não acha? Mas Elsa é uma c****a de guarda. Conversando, chegaram a uma sala de estar espaçosa e fresca, com chão de mármore. Camilla mergulhou novamente na glória do ar condicionado. Tome um refresco, Camilla ofereceu, Janet, passando-lhe um copo com um líquido gelado e sentando-se perto dela. Você parecia apressada quando cheguei aqui, Janet. Espero não ter aparecido em má hora. Bem, acontece que Johnny teve que sair às pressas, para ver um paciente, e eu vou me encontrar com ele daqui a pouco. Você sabe, trabalho como enfermeira de Johnny... Mas... na sua condição? Não existem outras enfermeiras? Alguém que possa substituí-la esta noite? Sim, existem. Se o paciente fosse qualquer outra pessoa, eu não iria. Mas o caso de Brody é muito especial. Ele já tem idade, e eu gosto muito dele. Está aqui há muitos anos, sabe? É uma pena que isso vá arruinar a nossa noite. Não tem importância. Haverá outras noites... Oh! O que foi. Camilla? Eu quase me esqueci! Pedi ao motorista do táxi que viesse me apanhar às onze horas. Você não sabe a trabalheira que tive para conseguir um. Infelizmente vamos precisar de Rajab, senão ele a levaria para o hotel. Mas você pode ficar aqui até que o táxi venha buscá-la. Eu não poderia... Claro que poderia! Veja que jantar delicioso eu preparei! Seria um desperdício se ninguém o comesse. Vou ficar muito contente em saber que alguém vai aproveitá-lo. É, tem razão, mas eu me sinto muito cansada. Creio que vou voltar e tomar outro banho. Você pode tomar banho aqui. Temos muita água quente, toalhas grandes e macias. Você é muito persuasiva, Janet! Janet deu um sorriso encantador. Como acha que consegui meu marido? Camilla riu. Bom, chega de discussões. Você vai ficar sozinha se voltar para o hotel e, já que eu estou quebrando todas as regras de hospitalidade, saindo apressada assim, o mínimo que posso fazer é deixá-la bem à vontade. Temos livros, rádio, fitas e discos. E Elsa. Está bem, você ganhou. A campainha tocou. É Rajab. Tenho que ir. Não se preocupe em trancar a casa, nós nunca trancamos. Sabe, adorei seu vestido. É da rua Chicken? Como você adivinhou? Conheço o lugar. Mas, se você pagou mais que quinhentos afeganes, foi explorada. Bom, então até qualquer hora. Ela se foi e tudo ficou em silêncio. A primeira coisa a fazer era tomar um banho. A casa era tão acolhedora que Camilla não se sentiu constrangida em fazer isso. Subiu a escada, à procura do banheiro, e achou um cômodo espaçoso, com porcelanas brancas e paredes azuis. A banheira era enorme, como uma piscina para crianças. A perspectiva de um banho quente era maravilhosa. Encheu a banheira, despiu-se e pendurou o vestido atrás da porta. Prendeu os cabelos no alto da cabeça e entrou no banho. Logo acostumou-se à água quente, e seus músculos relaxaram. Ela sequer conseguiu pensar sobre o problema da irmã: achou difícil concentrar-se em qualquer coisa. O calor do banho era relaxante. Por um momento, Camilla sentiu-se no paraíso. Afundou o corpo no quentinho envolvente da água, os olhos semicerrados... De repente, teve um sobressalto. Recuou, assustada, os olhos fixos na porcelana branca: entre as torneiras, apareceu o corpo sinistro de um grande escorpião n***o. Camilla ficou paralisada de terror. Só um metro a separava do bicho. Não ousou se mover; nem sequer ousava respirar. Não havia ninguém na casa. Só se ouviam os latidos de Elsa, em algum lugar. Mas, de repente, ouviu sons de passos. Talvez Janet tivesse voltado... O pensamento lhe deu coragem suficiente para pular fora da banheira. Rapidamente, ela se embrulhou numa grande toalha e correu para fora. Socorro, Janet, socorro! gritava, desesperada. Ninguém respondeu e, apesar do medo que sentia, ela se irritou por não obter resposta, pois sabia que havia alguém na casa. Correu, escada abaixo. Janet, por favor! Janet, Eu vi... E parou, as palavras morrendo na garganta, os lábios secos, o coração batendo forte. Um homem alto, de cerca de um metro e noventa, estava parado à sua frente. O rosto era bronzeado; os olhos, azuis como o céu, a estudavam demoradamente. Ele!, pensou Camilla, m*l podendo crer no que via. Não podia acreditar que ele estivesse ali, próximo o suficiente para ser tocado. E era isso que o magnetismo daquele homem provocava nela: uma vontade louca de tocá-lo, passar as pontas dos dedos por cada parte daquele corpo e confirmar que era real. Mas alguma coisa a impediu, e ela, cruzando os braços sobre o peito, disse: Você! Ele nada falou; apenas olhou-a de modo intimidativo. Só então Camilla lembrou-se da toalha que moldava suas formas provocantes e de seu cabelo molhado. Eu... Você é a Srta. Simpson, creio disse ele, com uma voz modulada e suave, como a de um ator. Sim, sou eu, e... Bem, eu estou meio aterrorizada, sabe? Tem um bicho enorme... preto e feio... está lá parado... eu estava muito assustada... pensei que fosse... quero dizer, eu estava tomando banho... Eu pensei que só existissem debaixo das pedras... Srta. Simpson, não deveria corar assim tão facilmente. Não combina com você. A voz. dele era sarcástica. Oh, eu gostaria que você o matasse... Srta. Simpson, do que está falando? Há um escorpião lá em cima, no banheiro. Ele é grande e preto, f**o e peludo, e... Os escorpiões nunca são peludos disse o homem, e subiu a escada. Ela, nervosa, sentou-se. Você se refere a esse pobre animal? ele perguntou, lá de cima. Devo matá-lo? Oh, por favor, depressa! gritou Camilla, mas ele reapareceu com um pequeno aracnídeo, que lutava para se livrar dos dedos que o prendiam. Recuando, ela não pôde evitar um grito. Você não precisa temer uma criatura que não lhe fará mais m*l do que uma mosca. Provavelmente ele está mais assustado que você. Jogue-o fora! Não vê que pode ser mortal? Não esse escorpião. Essa espécie é praticamente inofensiva. Uma batida da toalha e o bichinho teria fugido para o primeiro buraco que encontrasse. Ele abriu a janela e soltou o escorpião. Fechou-a novamente, pegou o casaco e dirigiu-se para a saída. Camilla o observou por um momento, incapaz de pensar ou de dizer alguma coisa. Receava ser, mais uma vez, alvo das irônicas observações dele. E ficou lá, parada, a água escorrendo do corpo para o chão de mármore, observando o estranho de olhos azuis partir. Espere! gritou, num impulso, e ele parou na porta aberta. Que poder tem esse homem que me perturba tanto?, pensou Camilla. Mas controlou-se e disse: Eu não queria que você pensasse que tenho por hábito chamar estranhos para m***r escorpiões. Ele levantou uma sobrancelha. Tenho certeza de que sempre poderá encontrar desconhecidos para fazer muitas coisas esquisitas para você, Srta. Simpson. Camilla corou e respondeu: Eu... eu pensei que você fosse outra pessoa... Não pensei que você estivesse me esperando, Srta. Simpson. Sou amiga dos Hagan. Vim para jantar, mas eles foram chamados para uma emergência. Faz pouco tempo que estou nesse país e... Ah, sim, é verdade! Eu sei tudo sobre você, Srta. Simpson. Como sabe meu nome? E o que está fazendo nessa casa? Também sou amigo dos Hagan. E me preocupo muito com o bem-estar deles. Mais, parece-me, do que outras pessoas. O que quer dizer com isso? Johnny contou-me tudo a seu respeito, Srta. Simpson. Conheceu a esposa dele? Janet? Sim. Ela foi muito gentil comigo. Eles são muito ingênuos, muito bons, acreditam demais nas pessoas. Eu detestaria que alguma coisa lhes acontecesse. O que quer dizer com isso? Não entendi. Sei que sua história é verdadeira. Lembro-me do incidente do desaparecimento da Sra. Cowley. Mas questiono seu caráter, Srta. Simpson. Você tanto pode ser uma pessoa sem princípios, à procura de grandes emoções, como uma menininha inocente, perdida num lugar estranho. E sua aparência, esta noite, indica-me a primeira possibilidade. A senhorita pode se meter em quantos perigos quiser, mas, pelo amor de Deus, deixe os Hagan fora disso. Logo entenderá que o Afeganistão não é lugar para se brincar de detetive. As grandes emoções deixam de ser emocionantes quando se fica face a face com um lobo, com uma cobra venenosa, com tribos sanguinárias, com ladrões de estradas, degoladores... Ou mesmo com a disenteria, a hepatite ou a malária. E, vendo como a senhorita reage a um inofensivo escorpião, duvido muito que esteja habilitada a competir neste mundo. O charme feminino conta muito pouco no deserto ou nas estepes. Ele a enfureceu, mas, assim mesmo, provocou nela um impulso irresistível de chamá-lo de volta. Baamane Khoda, Srta. Simpson. O que isso quer dizer? Que língua é essa? É persa. Quer dizer: "Que Deus a proteja. É muita gentileza sua. Agora era a vez dela ser sarcástica. É o adeus tradicional no dialeto dari. Seria bom se você aprendesse um pouco. E agora, a não ser que pretenda me manter em pé a noite toda ao lado da porta, eu gostaria de me despedir. E se foi antes que ela pudesse dizer alguma coisa. A imensa arrogância daquele homem! Aquele irritante ar de superioridade! Como ela poderia saber quais escorpiões eram perigosos e quais não eram? Aquele era exatamente igual ao homem que ela conhecera em Londres, pronto para ajudar a pobre e indefesa fêmea, mas rindo de sua fragilidade. Essa fragilidade, na opinião deles, os tornava indispensáveis. Como eles se atreviam? Johnny não poderia ter falado m*l dela, afinal de contas. E por que o faria? Na certa os dois homens eram amigos, senão o estranho de olhos azuis não saberia por que ela estava ali. Fosse como fosse, como ele se atrevera a interferir nos assuntos, nas decisões e nas amizades dela? Camilla estava furiosa, perdida em pensamentos, quando sentiu algo roçando sua mão. Elsa! Como você entrou? Aquele homem deve ter deixado a porta aberta... Não se preocupe, não vou mandá-la embora. Estou precisando de uma companhia que não exija nada de mim. Camilla subiu para o banheiro, vestiu-se e voltou para baixo. Colocou música suave no toca-fitas e sentou-se, deixando que os acordes invadissem seu mundo, enquanto as mãos acariciavam as orelhas douradas de Elsa. Uma cena pacífica, calma. Exatamente o contrário do que ela sentia: estava envolta num turbilhão de emoções, provocadas por perturbadores olhos azuis... Às onze horas o táxi chegou. E, enquanto ela se dirigia para o hotel, começou a se sentir mais em casa, nessa nova e exótica terra.
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