Quase três meses haviam se passado do falecimento de seu pai, quase dois, haviam se passado desde a sua volta para a Fazenda e agora Sophie estava lá, encarando todos os registros de fluxo de caixa enquanto alisava carinhosamente a sua barriga. Seis meses de gestação. Lorena estava com a pequena Bibiana, provavelmente tentando convencer ela a dormir a sonequinha da tarde mas, a julgar pelos risos, ela não dormiria tão cedo. Sophie escuta uma caminhonete chegando, espia pela janela do escritório: era um dos Otteros. A julgar pelo horário e considerando que Inácio era agente de polícia, deveria ser Antônio - o que não era bom, afinal, ela já ouvira bastante sobre as investidas do velho em compras as terras que eram dela.
Em poucos minutos, a campainha toca a Sophie levanta-se com certa dificuldade para ir atender: sabia que não poderia fugir daquilo por muito tempo e também sabia que Antônio Ottero já estivera na Fazenda por duas vezes em sua ausência. Ele era um homem bem insistente e disso, ela não havia se esquecido.
- Boa tarde - ela diz sorridente abrindo a porta da frente.
- Boa tarde, moça - o velho sorri - tudo bem?
- Na medida do possível - ela suspira - e o senhor?
- Eu estou bem sim - ele sorri - por um acaso, você teria um minuto para conversarmos?
- É claro - Sophie responde - entre, por favor.
O frio do inverno era intenso naquela região, mesmo quando estava se tratando do fim da estação. Ela convidou Ottero para o escritório, afinal, aquele era o espaço para se tratar de negócios e tudo o que ela não precisava era alguém escugitando por dentro de sua casa:
- E então – o velho homem arrumava o bigode enquanto ajeitava-se na poltrona revestida de couro ao lado da lareira – como vai tocar os negócios? – ele encarou Sophie.
- Sr. Ottero – ela entregou-lhe um copo de whisky – ainda não tive muito tempo para pensar sobre isso ela suspira.
- Receio que seja necessário dar-lhe um conselho – o homem deu um gole – ninguém por essas bandas vai aceitar uma mulher tocando a Fazenda, mocinha... Ainda se fosse uma mulher casada, poderia ser possível, mas divorciada...
- Ah, Sr. Ottero – ela riu – o senhor sabe que estamos no ano de 2015, não sabe? As coisas não são mais como eram antigamente...
- Por essas bandas, elas ainda funcionam exatamente daquele jeito – ele riu irônico – vocês progressistas chamam de “machismo velado” ou seja lá que bosta... Enfim, dois milhões e meio, porteira fechada e você vai para onde quiser.
- Não tenho interesse – ela mesmo deu um gole em seu copo de whisky – pretendo continuar com o negócio.
- E se por acaso você casasse com o Inácio? – o velho insistiu, fazendo-a rir alto.
- Impossível – ela deu outro gole no seu whisky – Inácio e eu somo apenas bons amigos.
- Namoraram na juventude – o velho sorriu.
- Sim – ela suspirou – uma parte linda da minha vida, mas não me cabe mais – ela sorriu – e a propósito, acredito que consigo tocar tudo sozinha.
- Vai ter dificuldades... - ele observa.
- Eu sei – ela suspirou – como já manifestei, tenho interesse em dar continuidade, sozinha, aos negócios do meu falecido pai. Mais algum assunto?
- Não – o velho resmungou e esvaziou o copo – tenha uma boa tarde.
- Obrigada – ela disse e sinalizou para que Joana, uma funcionária da casa acompanhasse o velho até a porta.
Ao menos havia acabado rápido - ela riu assim que ele saiu dali. Sophie não conseguia parar de pensar no absurdo de ser ameaçada dentro de sua própria casa. Havia pouco dias que ela havia começado a analisar as coisas para tentar estabelecer um plano de ação... Era só o que faltava mesmo. Caminhou novamente até a mesa do escritório onde sentou-se na cadeira e encarou a grande pilha de papeis a sua frente: anotações, livros contábeis e registro de funcionários... Por que é que meu pai não informatizou essa tranqueira toda? - ela se pergunta. A verdade era que Sophie tinha ficado fora por anos, precisava se inteirar do que realmente estava ocorrendo na sua fazenda mas ela simplesmente não conseguia se concentrar em absolutamente nada.
Pegou o telefone celular e resolveu que falaria com Inácio. Será que ele ao menos sabia que o seu pai estava, literalmente, oferecendo a mão dele em casamento? – ela riu – Pelo amor de Deus, desse jeito parece que estamos em mil e oitocentos...
- Sophie – a voz animada do amigo fez com que ela sorrisse de imediato – tudo bem por ai?
- Oi Inácio – ela responde animada – estou bem e você? Trabalhando muito?
- Pausa para um café – ele suspira – o frio está terrível e como sabe, não tem muito o que acontecer por aqui nesse fim de mundo, ainda mais nesse frio.
- Verdade – ela suspira – deixa eu te contar... O seu pai esteve aqui, agora há pouco.
- Ah, meu Deus – ele parece um tanto desconcertado – não me diga que ele ainda quer comprar...
- ... ele ofereceu sua mão em casamento – ela ri.
- Ele fez o que? – Inácio agora não acredita no que ouve.
- Ele deu a entender que eu deveria me casar com você – ela repete.
- Sophie, isso é... – ele começa.
- ... uma loucura – ela completa – e eu sei disso. Só estou te contando por que eu acho que deveria estar a par do que o seu pai anda fazendo, principalmente quando ele o faz em seu nome.
- Claro - ele concorda - sim, e muito obrigada por me contar eu vou... Muito provavelmente precisar colocar aquele velho em uma camisa de força o mais rápido possível - ele ri - por favor, me desculpe pelo transtorno, Sophie.
- Está tudo bem - ela suspira - eu não me importo com as besteiras que o seu pai fala, sabe que ele faz isso há anos.
- Sim - ri o homem - bem, e se precisar de alguma coisa, sabe que pode me chamar, não?
- Claro - ela concorda.
Tão logo os dois se despedem, Sophie afasta a cadeira da mesa e começa a rir: quem é que Antônio pensa que é para vir dar palpites onde ele não deve e falar toda aquela baboseira que falava...