Martha Bones deixou a Fazenda no inverno. Especificamente, ela acabou indo embora na manhã seguinte ao mesversário de seis meses da pequena Bárbara, com uma carona de Lorena: com todo o processo de divórcio devidamente desenrolado, com a Fazenda mais ou menos em ordem, com Sophie adaptada à sua rotina e com Lorena como funcionária efetiva da casa, para ajudar em tudo o que fosse necessário com as meninas. Sophie agora estaria sozinha, por sua conta e risco, para o bem ou para o m*l. Gonzalo havia sido obrigado a aceitar que ele também precisaria ceder quanto às visitas das meninas, o que significava que uma vez por mês, ele as buscaria na Fazenda e na outra, Sophie as levaria até a cidade onde ele agora vivia com a amante.
- Sabe que eu acho um absurdo que você ainda precise ver ele e ficar levando as meninas - Inácio diz em uma das tantas tardes frias que ele ficava na Fazenda com Sophie, quando estava de folga.
- Acho que é melhor assim - suspira ela enquanto arruma as roupas de Bibiana dentro da gaveta - sabe, se eu ficar trancando, dificultando tudo, Inácio, pode ser que piore...
- E o que é que seria "piorar", exatamente? - ele pergunta.
- Acho que ele pode simplesmente se afastar das meninas... A Bibi é apegada demais à ele para que eu permita isso - confessa.
- Ele ameaçou deixar elas de lado ou coisas assim? - Inácio pergunta.
- Não - responde ela - só acho que sei lá, poderia acontecer, entende? E eu prefiro não arriscar - ela fecha a gaveta e volta a dobrar roupas.
Inácio tem sido um bom amigo. Um bom parceiro também. Desde que Sophie havia voltado para a Fazenda, ele voltara a ser uma das visitas mais frequentes, sempre disposto a ajudar no que fosse preciso. Claro que o pai dele, Antônio Ottero, achava que o rapaz estava perdendo tempo e que tudo o que ele realmente deveria fazer era "fisgar de vez" a amiga divorciada, afinal, segundo ele mesmo, isso era o que resolveria todas as coisas.
Inácio não tinha o mesmo pensamento que o pai, obviamente, apesar de saber muito bem que casar-se - e ainda mais com Sophie - podia sim ser a solução de uma série de questões que muito provavelmente nem mesmo o seu pai fazia ideia de que eram problemáticas para ele e ainda assim, ele não faria isso, não aproveitando-se da vulnerabilidade emocional dela naquele delicado momento.
Quando voltou para casa, naquela noite, Inácio acabou precisando ouvir um longo discurso sobre o que deveria ou não ser feito com relação à Família Bones.
- Eu não entendo o motivo de tanta insistência - revira os olhos Inácio - Sophie e eu somos apenas amigos, de muitos anos.
- Eram bem mais do que amigos e você, infelizmente, não conseguiu fazer o mínimo para resolver tudo quando ainda eram jovens... - o velho resmunga.
- Tem ideia do que é que teria acontecido se eu tivesse engravidado Sophie naquele tempo? - o garoto pergunta - Pelo amor de Deus, ela nunca teria cursado a faculdade que ela queria, nunca teria viajado ou realizado os sonhos dela...
- E o que é que me importam os sonhos dela? - ri o velho - Você é mesmo um frouxo, Inácio... Eu não vou admitir morrer sem ter de volta o que é meu - o velho grita.
- Mas você vendeu aquelas terras para o Bones - Inácio ri - foi você quem negociou, fez por que quis...
- Eu fiz o que precisava ser feito - o velho grita - precisava de dinheiro, para a sua mãe, para o tratamento, para você e todas as suas necessidades, as coisas estavam difíceis e eu precisei vender - ele responde - agora tudo o que eu pedi em troca era que você honrasse as bolas que eu te dei, engravidasse ela, se casasse e colocasse uma criança de sobrenome Ottero, um garoto, para herdar tudo de volta.
- Você é doente - Inácio diz.
- E você é um maldito v***o - grita o velho - que nunca vai honrar o nome, nunca vai me dar um neto... Pelo amor de Deus, acha que eu não sei o tipo de gente que você é? Eu te conheço.
O silêncio mais uma vez toma conta do ambiente. Aquilo não era bem verdade mas também não era de todo mentira. Inácio havia tido alguns relacionamentos com outros homens, desde a adolescência, com Jimmy... Ele simplesmente encerrou a discussão sem dizer mais nada, voltando para o seu quarto e decidido a ir embora daquele lugar o mais rápido possível.
Já na manhã seguinte, Inácio carregou parte de suas coisas na pick up e foi para a cidade. Alugaria um apartamento, uma casa, um quarto, o que fosse necessário, até mesmo em um hotel ele poderia ficar por alguns dias mas estava realmente decidido a nunca mais colocar os seus pés na casa do seu pai, ao menos não enquanto Antônio Ottero não estivesse morto.