CLAYTON (Café narrando)
Em meio ao som abafado das conversas e ao vapor que subia dos copos quentes no pequeno café da comunidade, eu abaixo a cabeça, respirando fundo. Desde a morte de minha amiga, irmã de vida, o morro nunca mais foi o mesmo. Eu me lembro do dia que o morro da Castanheira ergueu a bandeira do luto. Em sinal claro de revide, uma promessa de que a perda não ficará impune. A sede de vingança ainda corre forte nas minhas veias e de todos que vivem no movimento daqui, mas alguma coisa mudou. O morro, antes era cheio de vida e cores, agora esta completamente cinza, sem brilho. A dor da ausência se reflete nas vielas, nos barracos, nas faces do corre ,tudo perdeu a graça e a cor pra mim,pra onde olho encontro dor e trevas ,não consigo mais olhar o mudo de outro jeito ,arrancaram brutalmente minha maninha da minha vida.
O que me mantém ainda de pé, apesar de tudo, é minha fiel Mirella. meu amor por ela é como uma âncora que me impede de afundar por completo. Agora moramo juntos no morro da Castanheira. No começo, a família dela não quis aceitar a ideia, talvez pelas circunstâncias difíceis que eu vivo nessa vida do crime, ou pelo medo de que a escuridão que me ronda pudesse tocar nela. Mas, com o tempo, as coisas ficam se acertarando. Hoje, tudo tá mais de boa entre nois e os pais da Mih super entendem nossa decisão, a coroa dela não aceita muito ainda ,mais não dá pitaco e pra mim já tá de bom tamanho.
Mirella tem um dom que eu nunca soube explicar. Mesmo nos dias mais sombrios, quando a falta da minha amiga pesava no meu peito , ela consegue me trazer um pouco de luz. Com um sorriso, um toque ou até mesmo o simples fato de estar ao meu lado, Mirella me tira da escuridão, dando um novo motivo para continuar, apesar do vazio que a perda deixou nela também.
Mirella também sente muita falta da nossa Paty da glock ,mais decidiu guardar o seu luto no coração pra tentar me salvar e resgatar o irmão que hoje se encontra nas sombras de um coração devastado.
tô aqui, sentado na beira do barranco, olhando pro alto do morro onde a lua m*l iluminava as vielas. meus pensamentos tão no Matheo, o parceiro de várias batalhas e dono do morro. O silêncio da noite me faz refletir sobre a mudança que tomou conta do cara nos últimos tempos.
Matheo... Hoje vive na escuridão de um coração destruído, eu digo em um tom baixo, quase como um sussurro, enquanto puxo o ar pesado da noite.
- Parece que virou um morcego noturno, vagando pelas vielas do morro, silencioso, sempre nas sombras. Ninguém vê, mas ele tá lá. Sempre lá. Com aqueles olhos de águia, atentos a qualquer sinal, por menor que seja. Nada escapa dele.eu digo pra mim mesmo,com um sorriso fraco
faço uma pausa, olhando pro nada, tentando encontrar as palavras certas para descrever o que o mwu amigo tinha se tornado.
- É como se a dor tivesse roubado a luz dele, e agora ele só existe nesse mundo de sombras, esperando... talvez um novo começo, ou quem sabe um fim.
conheço ele e tá quieto de mais ,depois da perda já se foram três amargos anos e ele até agora não deu um passo em frente pra começar o revide ,sei que coisas grandes vão acontecer ,quando Matheo Sair desse transe de dor.....eu digo sussurrando puxando um baseado
A lua cheia ilumina fracamente o morro, com uma névoa leve cobrindo as vielas silenciosas. eu ainda to aqui sentado no barranco, olhando pro nada, com um baseado aceso entre os dedos. Eu trago devagar, deixando a fumaça sair dos meus pulmões como se tivesse tentando exalar também a dor que me corroí por dentro. O vento leve trás um pouco de alívio, mas não o suficiente pra afastar o peso do luto.
O ronco distante de uma moto quebrou o silêncio da noite, mas eu m*l me movo. E já sei quem é, antes mesmo de eu ver. Poucos se atrevem a andar por essas bandas a essa hora, e menos ainda chegam perto de mim sem aviso.
Matheo para a moto poucos metros, desliga o motor e desce. Como uma sombra, caminha até o barranco e se senta do meu lado, sem dizer uma palavra. tá imóvel, quase uma estátua. O capuz do moletom cobre metade do rosto, mas eu sei que os olhos de Matheo tão perdidos no mesmo vazio que os meus.
nois dois ficamo em silêncio por um tempo, apenas ouvindo o som do vento passando pelas folhas e o farfalhar distante da cidade lá embaixo. A única companhia é o cheiro da fumaça do baseado que eu tô soltando no ar. Matheo estende a mão e eu, sem perguntas, passo o baseado. a gente fuma juntos, como se assim fosse a única maneira de se conectar de verdade.
- Tá chegando a hora, irmão, Matheo diz de repente, sua voz grave, cortando o silêncio.
- A hora do arrevanche. Não vai demorar! ele avisa sem me olhar tragando o baseado
dou uma última tragada, absorvendo as palavras. Sabia o que Matheo queria dizer. Sabia que a dor que nois carrega tava prestes a ser despejada em forma de violência. Não respondeo, apenas concordo com a cabeça lentamente, entendendo a necessidade dele e a minha também
Matheo se levanta sem pressa, pega a moto liga o motor. Não houve despedidas,nunca tem, nenhuma palavra a mais. Ele se foi do mesmo jeito que chegou, como fumaça dispersando na noite, me deixando sozinho outra vez, com o peso da perda e o gosto amargo da vingança iminente.
Eu deixo o olhar perdido no horizonte. As luzes da comunidade piscam de longe, como se tivessem em outro mundo, distante da realidade brutal que me cerca. Eu sei que a calmaria que paira sobre o morro é apenas a quietude antes da tempestade. Matheo havia avisado: o momento estava chegando. O ciclo de violência e caos que vinha se desenrolando aos poucos agora tá prestes a explodir de vez.
Eu acendo outro fumo e trago fundo o cigarro entre os dedos, tentando encontrar um resquício de paz em meio aos pensamentos confusos que me assolam. Não tem como fugir da verdade. A vingança pela morte da Paty se aproxima, e todos iriam pagar o preço. Eu sinto o peso da responsabilidade e da dor, não só por Matheo, mas por mim mesmo. Paty não era apenas uma amiga, era como sangue, e perder alguém assim cria um buraco que nada pode preencher.
"Matheo deve ter um plano", penso ,comigo memso tentando acalmar a ansiedade que ferve dentro de mim. "Ele sempre tem." O cara se tornou frio, calculista, e embora a dor o tivesse consumido ele nos últimos tempos, eu sei que Matheo não faria nada sem pensar nos mínimos detalhes. Mas seria suficiente? A vingança por mais sede que ela nos dê ,nunca devolve o que foi tirado. É algo que eu conheço bem.
Enquanto as sombras da noite envolvem o morro, eu entendia que não tinha como evitar o inevitável. O caos tá na porta, e quando a hora chegar, não haverá como voltar atrás. Tudo o que restava agora era esperar e se preparar para o que viria, com a esperança de que o plano de Matheo fosse bom o bastante. Porque quando o primeiro tiro for disparado, não haveria inocentes. Todos vão pagar, e o morro jamais seria o mesmo.