Capítulo 03 - Keila

1284 Words
KEILA NARRANDO Oi pessoal, me chamo Keila Rodrigues Sabri, tenho 26 anos e sou Carioca da Gema. Nasci e cresci na Rocinha, minha comunidade amada. Quando eu tinha 9 anos, minha avó paterna faleceu e nos deixou uma casa. Na época, morávamos em um barraco na rua debaixo, não por causa da minha avó, mas por causa da minha mãe que nunca foi uma boa pessoa. Ela e minha avó não se davam bem. Meu pai era o único filho que minha avó tinha aqui no Rio de Janeiro; os outros moram no Nordeste e nunca ligaram para nada. Logo após o sepultamento da minha avó, nos mudamos para a casa. Não é me gabando, mas é uma das melhores casas que tem na comunidade e que não pertence ao Comando. Quando eu tinha quinze anos, meu pai faleceu em um acidente de trabalho. Ele acabou sendo atropelado por uma retroescavadeira. Meu pai trabalhava como topógrafo, aquelas pessoas que trabalham em BR, pistas, avenidas, fazendo calçamento. Como meu pai trabalhava de carteira assinada, minha mãe ficou com a pensão, e foi aí que começou o maior tormento da minha vida. A pensão que minha mãe recebia era direcionada para mim, por eu ser menor de idade. Ela e meu pai não eram casados legalmente, mas o advogado já tinha alertado minha mãe sobre isso: quando eu atingisse a maioridade, 18 anos, não receberíamos mais nenhum centavo. Dos 15 aos 18, tive que aguentar muitos machos escrotos dentro de casa e ouvir os gemidos da minha mãe a noite toda. Cada dia era um homem diferente. Virei a palhaça da rua, virei a palhaça do morro. Todo mundo me chamava de a verdadeira filha da püta. Isso me doía muito. Além de tudo, eu parecia mais empregada do que filha. Sempre fui eu que limpava a casa, cozinhava, lavava, passava e comecei a fazer doces para vender e conseguir juntar dinheiro para comprar um celular, porque nem isso a minha mãe nunca me deu. Quando completei 18 anos, a pensão foi cortada, como o advogado falou. E a primeira coisa que minha mãe fez foi me colocar para trabalhar. Ainda bem que eu já tinha pelo menos terminado o ensino médio. Com a minha experiência com doces, mesmo sem fazer nenhum curso, eu consegui aprimorar a minha confeitaria vendo vídeos no celular. Mesmo antes de trabalhar na padaria, eu já pegava encomendas de bolos e docinhos para festa. Tinha que andar com dinheiro no bolso, porque se deixasse em casa, a minha mãe gastava tudo. Entrei na padaria como balconista. Em um certo dia, o padeiro faltou e havia algumas encomendas de tortas para aniversário. Seu Joãozinho, o dono da padaria, sabia apenas fazer pão. Então, pedi para ele me deixar fazer as tortas. Mesmo receoso, ele pagou para ver e recebeu inúmeros elogios. Os clientes antigos, que comeram a torta nesse dia, começaram a falar muito bem. Então, fui promovida de balconista a confeiteira da padaria, onde trabalhei por anos. Minha mãe cresceu o olho no meu trabalho e eu era obrigada a dar todo o meu salário dentro de casa. Ela sempre gritava na minha cara que eu tinha obrigação, já que o inútil do meu pai tinha morrido e deixado ela sem nada. Só para não ouvir ela falar esses absurdos do meu pai, eu dava tudo para ela. Só que depois, as coisas que já estavam ruins ficaram ainda piores quando ela resolveu se casar com um dos homens que frequentavam nossa casa. Esse homem começou a me perseguir, dando em cima de mim. Chegou até a tentar me agarrar. Falei para ela algumas vezes e apanhei na cara, enquanto ela me chamava de mentirosa e me acusava de estar tentando seduzir o marido dela, como se eu quisesse um bêbado encostado. Da última vez, ela presenciou ele tentando me beijar à força enquanto eu chorava e gritava por socorro. E sabe o que ela fez? Me colocou para fora de casa, depois de me bater por quase trinta minutos. E não foram só tapas, também foram socos, empurrões, bateu minha cabeça na parede e me chutou várias vezes, enquanto me chamava de vagabünda, vadïa, essas coisas. A minha sorte foi o vizinho da frente que arrombou o portão e entrou para me socorrer. Os próprios vizinhos pediram para que eu procurasse o Tártaro, que na época era o dono da quebrada, e assim eu fiz. Procurei a falecida esposa dele. Agora vou contar a vocês algo que ninguém sabe. Eu sempre fui muito solta, não no sentido figurado da coisa, mas sempre tive liberdade para sair e fazer o que bem entender da minha vida, até porque minha mãe nunca ligou mesmo. Depois que meu pai faleceu, eu comecei a frequentar baile funk. Só bebia e às vezes bolava um, mas nada que pudesse chamar de vício, e nem para ficar loucona, só para curtir a onda mesmo. E eu sempre ficava de olho no TH, o neto do DK, o homem mais lindo que eu já vi na vida, mas nunca tive coragem de falar com ele. Sempre me achei inferior. Ele era, na época, o Sub, mas eu o amava desde sempre. Eu achava que homens como ele, cheios de dinheiro e poder, procuravam mulheres bonitas e que tivessem algo para oferecer. O que eu poderia oferecer? Uma vida cheia de problemas? O tempo foi passando e o TH tomou conta dos meus pensamentos, dos meus sonhos e do meu coração. Ele sempre frequentou a padaria e começou a comer os meus doces. E eu notei que o doce que ele mais gosta é quindim de doce de leite, então aprimorei cada vez mais a receita para agradá-lo, mesmo que indiretamente. Nos bailes, eu ficava com os meninos do asfalto, mas só coisa de beijo e abraço. Nunca deixei ir além. Para mim, o baile mais triste da minha vida foi quando o TH apresentou a sua ex, que faleceu há um tempo, como fiel. Nessa noite, parece que alguém pegou um punhal e enfiou nas minhas costas. Para mim, o baile acabou ali. Fui para casa e chorei horrores. E chorei mais ainda quando vi ele desesperado pela morte dela. Ver ele tendo surtos e chorando quebrou o meu coração. Como eu queria que ele não sofresse daquela forma! Se eu pudesse, tinha pegado toda a sua dor para mim. Me aproximei da falecida e, um dia, a mãe do Thiago me convidou para almoçar na casa deles. Segundo ela, eu podia ajudar de alguma forma, tirar ele da tristeza. Eu fiz a minha receita de quindim de doce de leite e, nesse dia, fisguei o gato pelo estômago. Depois de uns dias minha mãe foi assassïnada, ela o marido, eu voltei para casa que era herança do meu pai. E descobri que tenho um irmão mais velho, ele é filho do meu pai, e foi ele que matou minha mãe e meu padrasto, para me defender. Negueba se tornou meu alicerce, o melhor irmão do mundo. Comecei uma amizade com o Thiago. Eu já estava de olho nele há tempos e ele começou a sentir ciúmes, e foi com ciúmes do Thiago com a minha amizade com o Negueba, que descobrimos que ele era meu irmão, até então eu não sabia, Thiago se declarou e ficamos. Namoramos e, pouco tempo depois, Thiago veio assumir o Babilônia e me chamou para vir com ele. Só vou dar o papo reto uma vez: quer vir de caô pro meu lado, beleza, mas se mexer com o meu marido, ou com a minha sogra, aí o bïcho pega. Vou te mostrar a verdadeira face da Baba Yaga, o bïcho-papão.
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