Por fim, consigo articular uma deixa para a minha saída:
— Ainda bem que não tenho essa capacidade e, talvez, se tivesse, meus dedos estariam na sua cara bonita. Bom dia, senhor Çelik, e bom apetite.
Eu vou deixando a sala escutando a sua risada baixa.
— Espere! — ele então diz.
Solto o ar e me volto para ele. Nos encaramos. Ele recosta melhor na cadeira, com uma expressão que me deixa tensa.
— Já disse que senhor aqui é meu pai, apenas Murat. E por falar nele, teremos uma festinha hoje. Você já deve estar sabendo.
— Sim. Inclusive, estou ocupada com os preparativos.
Ele vai abrindo o sorriso, um jeito jocoso, como se estivesse se divertindo comigo. Meu estômago dá um nó.
— Sei... sei... Tudo bem, não vou te deixar em paz agora. Pode se refugiar na cozinha antes que você perca essa fachada de durona e demonstre que, no fundo, está louca para eu materializar seus desejos... meus desejos... fazendo esse vulcão enrustido, que conheço tão bem, explodir.
A sala parece ficar quente de repente. Não! Não é a sala. Sou eu. Meu rosto arde, e sinto o calor subir pelo meu pescoço. Minha respiração vacila, mas consigo disfarçar, mantendo meu semblante enigmático, embora por dentro um turbilhão de sentimentos me ronde.
Preciso fugir de suas insinuações. Não o confronte, uma voz me alerta. Você virou uma espécie de divertimento, e ele logo desistirá de você.
Mas não consigo. Minhas palavras saem antes que eu possa controlá-las, carregadas de um sorriso debochado:
— Esse tipo de falas deve funcionar para suas mulheres, mas não comigo. Aquele dia, devido aos problemas, eu estava fora de mim, por isso me deixei ser levada por um homem como você.
Os olhos dele brilham diferentes, intensos, e isso dispara meu coração. Um sorriso diabólico se forma em seus lábios, me desarmando por dentro. Ele parece me ver como um desafio, e algo em sua postura me faz estremecer inteirinha.
— O quê? Você está jogando cartas de negação? Ah, cabelos de fogo, melhor você fugir ou vai provar das minhas palavras em dois tempos. E verá como tenho razão.
Ele passa os olhos pelos meus lábios e coloca as duas mãos na mesa, como se estivesse pronto para se levantar. Meu pânico é instantâneo, o ar quase me falta. Mas o que mais me assusta é como parte de mim parece querer ver até onde ele iria.
Com esforço, mantenho meu semblante passivo, relembrando como lidava com minha mãe, que detestava choro.
— Com sua licença. Esse papo está me cansando. — Digo e saio, ouvindo aquela voz interna insistindo: Fuja dele.
Sua risada alta, cheia de uma satisfação odiosa, ressoa atrás de mim enquanto entro como um foguete na cozinha. Norma me avalia com os olhos, sua expressão curiosa.
— Murat acordou de bom humor hoje. — Ela diz com um sorriso, claramente ouvindo a risada daquele b****a sádico. — Você disse algo que o divertiu?
Não. Eu sou seu divertimento!
— Não, ele que riu de sua piada particular.
— Ah, deve ser uma de suas piadas turcas. É difícil mesmo entender, precisa conhecer a cultura.
Forço um sorriso para ela.
— É, deve ser isso mesmo.
Eu me sento, tentando recuperar o fôlego.
Que gringo dos diabos! Ele se acha o máximo. Arrogante!
Pior que preciso do emprego. Que d***a!
Inspire, expire... Como Rose falou, vida nova. Preciso lidar com as situações que surgirem da melhor forma possível.
⏰⏰⏰⏰⏰⏰
A Festa
Murat
Meus, tios, tias e primas estão aqui. Todos envolvidos com a fábula que em uma dessas festas eu me prenda a alguém. Meu pai dessa vez foi bem ardiloso. Ele está usando a minha ambição para me ligar a Hazal. Ela é, simplesmente a filha de um dos nossos maiores concorrentes. Estará aqui hoje para me conhecer.
Solto o ar irritado.
Quando eu entro na sala a tagarelice sem sentido das mulheres cessam e meus tios sorriam para mim, eu correspondo com meu melhor sorriso, mas minha atenção não fica neles por muito tempo e foco Ester a garota com impressionantes olhos verdes e cabelos vermelho. Lobos babões! Eu percebi como os meus tios a olhavam minutos antes enquanto ela os servia. Mas a noite está quente, mais para mim do que para qualquer outro. Ester não tem ideia o quanto ela mexe comigo. Meu sangue corre rápido em minhas veias, cheio de adrenalina. É sempre assim quando a vejo. Nunca senti isso por mulher nenhuma. Não sei o que ela tem? Mesmo sabendo que tudo não passou de um jogo para me prender, me conquistar, sinto como se eu tivesse levado uma flechada do cupido. Agora tento respirar devagar, controlado, ao mesmo tempo que sinto minha ereção pulsar cheio de vida louco para entrar naquela toca quente, úmida...
Allah! Será que ela tem ideia o quanto é bonita?
Aperto os lábios. Claro que sabe, essa ruivinha sabe o poder que tem sobre os homens. Agora ela está muito magra, mas quando a conheci suas curvas eram muito deleitáveis.
Per-fei-ta.
Sorrio quando reparo no seu leve tremor quando ela me vê. Sua respiração agitada a delata sempre, mesmo que ela mantenha aquela postura rígida e seu rosto enigmático. Sim, eu a afeto. Mas agora não sei se é porque eu a desmascarei ou pelo desejo que provoco nela. Minha cabeça anda uma confusão, entre raiva e o magnetismo que me puxa para ela. Mas hoje eu a pego de jeito, quero muito tirar minhas dúvidas. Penso maquiavélico.
Quando ela se vira e vejo seu rebolado sob aquele vestido um pouco largo, os pelos na minha nuca eriçam e eu preciso me conter para não ir até lá e tirá-la dessa festa e rosnar no seu pescoço. Nem preciso dizer como fica o meu amigo dentro das minhas calças.
Minutos antes....
Ester
Embaixo do arco da entrada da cozinha dou uma espiada.
Deus! De onde veio todo esse mar de turcos e suas mulheres com a cabeça coberta com o hijad exibindo suas joias caríssimas? Parece que estou em Istambul.
Ainda bem que não fizeram as empregadas colocarem o lenço na cabeça. Inclusive, estou sem o chapéu de cozinha. Meus cabelos vermelhos estão presos no alto da cabeça.
Suspiro satisfeita em ver que tudo encaminha bem. Também, trabalhamos praticamente o dia inteiro para ficar tudo pronto. Observo os pais de Murat conversando entre si.
Hoje fui apresentada a eles logo que chegaram de viagem. Eles foram muito simpáticos e receptivos comigo. Foi um impacto ver a mãe dele. Ela entrou com sua maleta de viagem com um vestido fechado e seus cabelos cobertos. Só quando pisou em casa tirou o hijad.
Ayla é uma mulher distinta, muito bonita apesar da idade, a pele lisa, os cabelos grisalhos. Fiquei sabendo que ela tem 65 anos.
Nem parece!
O pai de Murat, Ahmed é um homem bonito. Não é como esses velhinhos segurando uma bengala. Ele é alto, imponente, porte altivo, ombros largos. O cabelo todo branco lhe dá um certo charme. Segundo Norma, ele tem 70 anos de idade. Murat é simplesmente a cópia de seu pai charmoso.
Pensando nele me pergunto: E Murat? Desde que chegou do trabalho está enfiado no quarto.