Capítulo Sete

1695 Words
Depois de escrita a carta, guardei num dos bolsos da minha pasta, enviaria na segunda-feira, ao voltar da escola, tomei um banho frio, jantei arroz e matapa¹⁵ Depois do jantar, lí mais um capítulo do livro “ mulheres de cinza” do escritor Mia Couto. Na manhã seguinte, o dia estava cinzento, acordei indisposta, pois, voltei a sonhar com ele novamente, já era rotina sonhar com ele e ficar indisposta logo em seguida. Saí para escola sem a mínima vontade, quando lá cheguei, encontrei Antônio na porta. — Bom dia linda, como está? Você parece triste — cumprimentou com seu típico tom alegre, mas o mesmo não durou muito, parecia até que ele sabia exatamente como eu me sentia, como se ele conseguisse apalpar a minha tristeza. — Bom dia lindo! Estou bem, eu não estou triste — tentei disfarçar a minha tristeza, mas estava praticamente impossível fazer isso, o meu coração estava doendo e parecia que a dor me levaria desse mundo. — Vamos entrar?— disse e logo em seguida me empurrou para a sala. Entramos na sala e não durou muito para que o professor de psicologia entrasse logo em seguida, o mesmo pediu que fizéssemos um exercício de introspecção, em meio ao exercício, o mesmo questionou o por quê de termos escolhido medicina ao invés de outros cursos, cada um deu sua explicação e quando chegou a minha vez, eu gelei, o meu dia já estava péssimo e piorou quando o professor fez aquela pergunta. Quando você está se recuperando do luto, não é preciso de muito para que se regrida no tratamento, as vezes uma roupa faz você ter uma recaída, às um cheiro, uma música ou uma simples frase, uma frase tão inocente e inofensiva mas que causa um verdadeiro tsunami dentro de você. A pergunta do professor foi essa frase simples, ela parece uma questão rotineira de início de todo o curso, mas foi o meu pivô. — Por quê, você escolheu esse curso Isabel— Antônio questionou achando que não ouvi o professor falar, mas a insistência dele, só fazia com que eu quisesse me trancar no lugar sozinha e nunca mais sair. — Bom! Esse não é o meu sonho de menina, na verdade, eu nunca havia sonhado antes em ser médica, até — Eu tentei falar sem perder o meu controle emocional, o meu estômago já dando sinais de que a qualquer momento iria começar a doer. — Até? — um dos colegas instituiu, mas eu tentava pensar na resposta, mas o suor frio dentro de mim me forçava a não trazer de volta aquelas lembranças de volta. — Até — respirei fundo, puxei e tirei o ar, eu sabia que a maldita torneira que existia nos meus olhos estaria aberta em segundos — Até, o dia dezasseis de abril de dois mil e quinze, quando a minha mãe foi diagnosticada o cancro de mama — respirei fundo mais uma vez, a torneira já estava cheia, eu sabia que iria desabar — fizemos tudo á nosso alcance,mas... — levantei os ombros para mostrar que nada funcionou, então quando menos esperava duas cascatas caíram dos meus olhos e chorei como um bebê chorão. Depois que a minha mãe morreu, eu não mais chorei até aquele momento e quando escrevi a carta do dia anterior . — Está tudo bem, querida, caso não consiga não conte está bem?— enquanto o professor falava, eu continuei chorando igual a um bebê chorão. — Está tudo bem sim — retruquei logo em seguida maneiei a cabeça para baixo e para cima — A minha mãe era médica, essa foi uma das causas também — falei já mais calma — Quando ela morreu em janeiro do ano seguinte, eu jurei que faria o que estivesse ao meu alcance para salvar o número de vidas possíveis — falei já com á postura recuperada, odeio que as pessoas sintam pena de mim. — Muito obrigada, sente-se por favor — falou o professor. Quando a aula terminou, fugi da sala, não queria que as pessoas sentisem pena de mim, seria h******l ver a cara de pena de Antônio e outros colegas, então fugi como sempre, quando pessoas são confrontadas por demônios do passado, elas têm diversas reações usadas como válvulas de escape para a dor, a minha válvula de escape era fugir á olhares penosos. Assim que cheguei a casa, recebi uma mensagem. “Tuas lagrimas foram rios de emoÇoes que contavam uma historia.... lagrimas lindas de ver e ouvir” Não respondi a mensagem, eu precisava dum tempo comigo mesma e com Deus, fiz uma oração, pedi a Deus que me ajudasse a não mais ter os malditos pensamentos. Depois da oração escrevi uma outra carta para ele. Carta número cinco Caro Haru, hoje eu tive uma sessão de introspecção na aula de patologia e o docente perguntou por quê que eu escolhi o curso de medicina. Lembrar o motivo da escolha do curso, fez com que,eu me lembrasse que a minha mãe não está mais aqui, fez com que eu lembrasse que quando ela partiu eu fui fraca e em como deixei a dor me levar,mas o que eu quero dizer nessa carta, é obrigado, obrigado por salvar a minha vida. Eu estava me afogando num mar de tristeza tão profundo, que pensei que morreria. Mas você chegou, como uma luz, como uma brisa de ar fresco e voltou a abastecer os meus pulmões, quando eu olhei para os seus olhos em meus sonhos, eu senti como se estivesse olhando para um milhão de estrelas cadentes e como se elas me levassem a uma dança sem fim, tal dança que me trouxe de volta ao mundo dos vivos e tirou-me daquele abismo sem fim. Muito obrigado, por tirar-me daquele abismo. Com amor Isabel. ericaisabellanga@g*******m. Assim que terminei a carta, guardei junto da outra carta, peguei em minha bolsa, saí para a baixa da cidade de Maputo. Entrei num smartkika com rumo a baixa da cidade, como sempre o smartkika estava lotada não tinha espaço nem para soltar um peido, se bem que peidar naquele momento seria como detonar uma bomba biológica, no centro da cidade... Assim que cheguei nos correios de Maputo, retirei às cartas da minha pasta, coloquei num envelope e entreguei ao recepcionista. — Suas encomendas sempre me chamam atenção, para quem são? Um familiar, Amigo ou namorado? — o recepcionista questionou. Não estava com a mínima vontade de responder as questões dum fofoqueiro, mas o fiz mesmo assim. — São para alguém muito especial e importante, passar bem — cortei a conversa. No final de minhas actividades nos correios de Maputo, passei do cemitério de lhanguene e visitei a campa da minha mãe, eu adorava conversar com ela. — Oi mãe, como tem passado? — sussurrei feliz. Conversar com ela me trazia paz, eu costumava imaginar as respostas dela, o cheiro dela e a voz. — O quê? Novidades? Uhm! Eu estou apaixonada e estou sofrendo de amores — completei com um sorriso no rosto, imaginando as respostas que me daria. Ela certamente diria para resolver logo o problema, caso não, eu ficaria velha antes do tempo, de tanto me preocupar. Depois de muito conversar com a minha mãe, voltei a casa, com um alívio no peito, mas a incerteza sobre a existência de Haru, a nostalgia sentida há horas atrás na aula, eram como nuvens brancas e densas, que juntas formavam uma nuvem n***a e tempestuosa. Eram as minhas nuvens de emoções, criavam tempestades em mim e eu ficava igual ao o mato depois da chuva. Húmido e escorregadio, eu tentava a todo custo calar a voz, a maldita voz dentro da minha cabeça, aquela voz que falava para mim que a morte era a melhor solução para todos os meu problemas, a maldita voz que queria o meu fim. — Onde esteve? — meu pai indagou olhando para mim de uma forma acusatória, como se ele se importasse por eu ter chegando a casa tão tarde. Pelo horário, ele nem devia estar em casa mesmo estando em casa, ele nem devia estar na sala ou controlar os meus horários, ele devia estar fingindo que eu não existo. — Boa noite pai, eu fui dar uma volta na praia depois das aulas — respondi com o meu melhor sorriso falso, eu estava fazendo todo o possível para não chorar naquele dia, pelo menos não frente dele, eu queria que ele voltasse a fingir que eu também morri com a minha mãe. — Uma volta na praia, e isso é hora de voltar para casa? — ele saiu de onde estava sentado e veio até próximo de mim, o rosto dele parecia transfigurado e decepcionado, eu não sabia o que tinha feito para ele estar me olhando daquela forma. — Desculpa pai, eu perdi a hora — me desculpei só para que ele me deixasse em paz, eu só queria dormir naquele dia e esquecer qualquer dor ou qualquer outra coisa. Inesperadamente, meu pai segurou em meu braço e levantou minha camisola, procurando alguma coisa em meus pulsos, ele achou que tentei fazer novamente. — O que foi pai? — indaguei tentando afastar meu braço de seu aperto mas ele estava tão firme que me assustou tremendamente. — Desculpa filha, eu fiquei desesperado quando vi a lâmina em seu quarto e você não chegava, eu fiquei assustado, eu não quero perder você, você é tudo o que me resta na vida — meu pai murmurava com lágrimas nos olhos, o desespero em sua voz era tanto que me deixou angustiada também. Aquela, foi a primeira vez que o meu pai demonstrou que estava triste com a morte da minha mãe, ele não chorou quando ela foi enterrada, não chorou escondido depois, não chorou quando quase matei, não chorou quando culpei ele por tudo. Ele simplesmente ficou quieto, como se nada estivesse acontecendo, mas naquele dia, naquela momento, ele me mostrou que se importava comigo, sentia medo de me perder, só não durou tanto tempo como esperado, na manhã seguinte tudo voltou ao normal. ____________________________________ 15. Matapa ( Caril tipo Moçambicano, folhas da mandioqueira preparadas com amendoim e côco).
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