Assim que completei um mês desde que enviei a carta para ele, comecei a ficar desesperada, Haru não respondeu as minhas cartas, eu vivia controlando o meu e-mail há cada segundo. Naquele um mês, Antônio e eu tornamo-nos muito amigos. Mesmo que eu tenha feito absolutamente tudo ao meu alcance, para ficar longe dele, parecia que existia algo unindo nós dois, nos colocando um no caminho do outro. Foi só colocarem, nós dois no mesmo grupo de trabalho para iniciarmos uma amizade que nos forçava a conversar o tempo inteiro, sobre tudo e mais um pouco talvez eu o tivesse julgado m*l no princípio, ele era um tipo de crush literário perfeito, bonito, alto, inteligente e fofo. Talvez eu não devesse pensar dessa forma, mas eu estava cogitando tentar alguma coisa, mesmo que ele não tenha se confessado para mim, a ideia de deixar Haru ir e tentar algo novo com alguém real, parecia realmente tentadora, mas quanto mais uma pensava nisso, mais a culpa me matava. Mas com a culpa me matando, foi impossível não me tornar amiga dele, nos tornamos tão amigos a ponto de chegarmos a ter apelidos carinhosos um com um outro, me condenem, mas foi praticamente impossível resistir a todas as vezes em que surgiu para mim, sorrindo como se nada mais importasse além de nós dois, eu sei, parece um exagero de minha parte, mas naquele um mês para o meu prazo com a dourado Gleice, tive que ser extremamente forte para resistir a ele.
— Oi Joaninha, o que acha de darmos um pulo no jardim Tunduro? — sim, ele escolheu justamente esse, o apelido da Ladybug, se gostei? Eu não gostei, eu amei. Antônio estava diante de mim, vestindo seu jaleco de médico, acabávamos de sair da aula bioquímica, estivemos no laboratório e a imagem reflectida de Antônio vestindo um jaleco branco e óculos de grau, foi uma verdadeira tentação a minha sanidade mental.
— uhm! Agora? — só consigo falar isso, ele esteve tão próximo de mim, seu perfume de café impregnando o ambiente e me deixando embriagada.
— Sim, tem algo por fazer agora? Podíamos começar com o trabalho de bioquímica lá, o que acha? — sugeriu sorrindo para mim, mesmo que naquele momento ele pedisse para assaltar um banco, eu o faria sem pensar duas vezes, seu sorriso afetou de forma considerável o meu raciocínio lógico.
— Ah! Está bem, mas você vai me pagar um lanche — retruquei sorrindo, ele abanou a cabeça de um lado para o outro ainda sorrindo.
Saímos da faculdade, rumo a paragem esquina, pegamos um carro até a baixa da cidade, pegamos a estrada da avenida vinte e cinco de setembro, passamos pelo museu da moeda, o banco de Moçambique e finalmente chegamos ao jardim botânico. Sentamo-nos num dos bancos do jardim, Antônio tirou seu laptop, começamos fazendo uma pesquisa sobre o trabalho que nos foi dado, discutimos sobre que fontes usar e enquanto planejavamos o dia para compilar as ideias meu estômago roncou.
— Uhm! Parece que alguém está com fome — Antônio riu da minha cara de esfomeada.
— Claro né! Eu estou sem comer desde ontem — respondi revirando os olhos.
— Vem, vou te pagar um lanche — disse organizando nossos materiais.
Saímos do jardim botânico, voltamos a baixa da cidade, pagamos um autocarro e descemos no jardim dos Mad in Germane, atravessamos a estrada, andamos um pouco e chegamos ao King pie. Pedimos os nossos King pies, pedi um simples e Antônio pediu um de piripiri ¹⁴, comemos nossos lanches acompanhados duma Fanta gelado, depois de saborear nossos lanches, pedimos sorvetes, eu pedi um de chocolate e Antônio pediu um sabor diferente.
— Chocolate? Que falta de criatividade — provocou olhando para mim, segurando o riso.
— Não é falta de criatividade,eu só gosto de chocolate — respondi me sentindo ofendida, voltando a tomar o meu sorvete.
— Prova o meu, você vai gostar é de mirtilo — falou, empurrando o copo com o sorvete dele.
—Está bem mas, você provará o meu também — concordei, empurrando o meu copo de sorvete também.
— Está bem — concordou pegando em meu copo.
Peguei em seu copo, com a colher tirei uma pequena quantidade, não queria me arriscar, provei a pouca quantidade e logo na hora amei, tirei um pouco mais, mas dessa vez tirei uma boa quantidade.
— Uau! Você amou o meu sorvete, tanto que nem pensa em devolver — Antônio disse, olhando para mim duma forma diferente como nunca antes.
— Claro que eu vou devolver só que, ele está tão bom! — respondi sorrindo e devorando o sorvete dele.
— Ah! Você sabe que nos beijamos não sabe? — questionou, esboçando um sorriso ladino. Não o respondi com palavras, só o direcionei um olhar interrogativo.
— A colher de sorvete, que você usou eu também usei, nós trocamos os copos mas, não trocamos as colheres — explicou, apontando a colher em minha mão.
— O que? Não, nós não nos beijamos, que coisa mais clichê você achar que isso foi um beijo — retruquei sem graça. O que ele estava pensando? Que a troca não directa de salivas podia ser considerada um beijo?
— Claro que sim, nós nos beijamos e foi bom, só espero que quando formos dar o nosso primeiro beijo você ache os meus lábios doces como agora — respondeu, sorrindo de lado e quando ele sorriu assim, ele perdeu todo ar inocente e ficou extremamente sexy. Terminamos o sorvete num silêncio constrangedor, bom, eu estava constrangida já ele? Ficou lançando malditos sorrisos ladinos e sexy's.
...
Quando voltei para casa, não parei de pensar que o meu até então mais novo amigo, flertou comigo há horas atrás. Ele obviamente estava interessado em meus beijos, mas e eu? Eu queria beija-lo, eu queria saber se os lábios dele eram tão macios e sedosos? Eu claramente precisava de conselhos.
« Amiga, está em casa? » enviei uma mensagem para Isa.
« Oi amiga, estou sim, tem novidades do seu marido da noite? »
Assim que lí a mensagem, me matei de rir, ela não conseguia chamá-lo de Haru.
« Ele tem nome e é Haru, mas não é sobre ele »
ela visualizou a mensagem e logo em seguida digitou a resposta que não tardou a chegar.
« Uhm! Se não é sobre o marido da noite, então é sobre o crush real »
logo chegou a resposta dela.
« Sim é sobre ele, me espera que eu vou te contar pessoalmente »
digitei e saí de casa, rumo a casa da Isa número dois, isso mesmo, eu e minha melhor amiga, temos o mesmo nome, mas no caso dela, ela tem um e único nome e eu tenho um nome composto, Érica Isabel.
— Bom! É basicamente isso, eu estou num dilema digno de novela mexicana — murmurei assim que finalizei a minha história. Eu contei para ela, o que aconteceu no King pie entre mim e Antônio.
O que aconteceu entre nós foi algo realmente clichê, mas o facto de ele ter conseguido me desestruturar só com uma brincadeira boba, foi realmente um verdadeiro feito da humanidade, por alguns minutos eu realmente me esqueci que Haru existia.
— UAU! Mas você não devia contar como se sente para sua psicóloga? Eu vou te dar conselho de uma mera mortal e não de alguém com doutoramento em psicologia — deu-me uma resposta inesperada, sem gritos nem piadas bobas.
— Sim, eu devia, mas ela me deu um prazo de dois meses para provar que não estou louca — respondi desanimada e ao invés de compartilhar do mesmo desânimo comigo, ele riu da minha cara.
— UAU! Sua psicóloga confia mesmo em você, bom! Como você não terá uma psicóloga por dois meses, eu serei a substituta dela — disse e logo em seguida pegou em seus óculos de vista, mudou sua postura e se endireitou na cadeira.
— Ah! Pára com isso maluca, me fala o que você achou da atitude de Antônio no jardim? — retruquei um pouco séria. Afinal de contas, eu fui atrás dela procurando por uma resposta e ajuda de dela.
— Eu achei fofa, ah! Dá uma vontade de pegar nele e tranca-lo num potinho, ele é tão fofo, você devia dar uma chance ao Antônio — retrucou voltando a ser a Isa de antes, ela gesticulava ao imaginar o que estava falando.
— Têm vezes que fico imaginando como seria se eu me atrevesse a tentar e me sinto h******l por pensar numa coisa dessas, toda vez que eu penso nisso, eu me lembro dele, das cartas que ele não respondeu, se ele realmente existe e se existe por quê diabos não responde as minhas cartas? — falei tudo muito rápido e desesperada. As dúvidas sobre a existência dele, estavam acabando comigo e com a minha sanidade mental, a luta dentro de mim era tanta que até nos sonhos elas estavam presentes.
— Oh! Fica calma, respira menina — Isa tentou me acalmar assim que percebeu que estava me fechando no meu mundo novamente, se ficasse pensando tanto em minhas emoções, eu voltaria a me trancar novamente entre os meus muros.
— Eu estou calma, você é quem parece nervosa — retruquei com um sorriso descontraído só para que ela não ficasse preocupada comigo.
— Bruxa, me respeita sou tua psicóloga, mas eu sou da mesma opinião que a verdadeira psicóloga, vamos esperar os dois meses passarem, depois nós vemos o que fazer — murmuro séria dessa vez. Ela assim como a doutora Gleice, parecia certa sobre o insistencialismo de Haru, faltou as duas me convencerem disso, que tudo era só coisa da minha cabeça e que eu precisava seguir em frente.
— Sim, vocês têm razão, mas me conta sobre você, o que tem aprontado na up? — concordei com um olhar derrotado, talvez não fosse fácil fazer tal coisa, mas eu me convenceria que ele era só coisa da minha cabeça.
Desde que comecei com as cartas, tornei-me negligente com a minha amiga, tinha que dar mais atenção a minha amiga. Ficamos jogando conversa fora, até que deu minha hora de voltar para casa. Assim que voltei a casa, escrevi uma outra carta. A carta que escrevi, não foi como todas as outras três que escrevi, escrever a carta número quatro foi doloroso, foi como se estivesse me espetando uma série de facas em meu peito, como se estivesse me forçando a tirar Haru do meu coração sendo que estava enraizado em meu coração, até às profundezas do minha alma e fazer aquilo não parecia o certo a se fazer.
Carta número quatro
Caro amado Haru, talvez você tenha estranhado a minha ausência, talvez tenha se perguntado. Por onde anda aquela maluca? Por quê não enviou outras cartas? Será que desistiu de mim? Ou será que deu-se conta que isso é uma loucura. Amado Haru, ainda estou em Maputo, não enviei outras cartas porque ando muito ocupada com a minha faculdade. Não falei nas duas cartas anteriores, me estou fazendo medicina na melhor universidade de Moçambique e uma das melhores em África. Caro Haru! Eu não desisti de você, ainda estou aqui, esperando o seu retorno,mas, depois de muito esperar e refletir no por quê da sua falta de retorno, cheguei a três conclusões. Primeira: você não é real, é só um fruto da minha imaginação; Segunda: você é real e é comprometido; Terceira: você é real e não é comprometido,mas me acha louca. Meu amado, todas estas conclusões são dolorosas para mim,mas,ao escrever as duas primeiras cartas eu sabia que estava dando um tiro no escuro. Se a terceira conclusão for a certa fique tranquilo, daqui a um mês e duas semanas você ficará livre dessa maluca, não escrevo está carta com a esperança duma resposta e sim para que saiba que ainda estou aqui, da sua amante desconhecida Érica. ericaisabellanga@gmail.com
Terminei a carta com lágrimas nos olhos, era uma realidade eu tinha que estar preparada para tudo, eu sabia que precisava parar com aquela loucura, eu sabia que Haru podia muito bem não ser real, mas eu não conseguia me imaginar com outro, sentia muito medo de deixar passar a minha única oportunidade de ter algo com alguém real, mas o outro lado, eu me sentia uma verdadeira traidora por estar desejando um romance com Antônio, sendo que existia uma chance, por mais mísera que fosse de Haru ser real. Eu sou uma verdadeira romântica, uma romântica incurável, por toda a minha vida eu passei anos imaginando como seria ao me apaixonar por alguém, como eu me sentiria ao amar alguém, se eu sentiria o que os personagens dos livros da Júlia Quinn sentiam, se eu seria o tipo de moça que se apaixona perdidamente por alguém ou se seria o tipo que teria um amor diferente em cada primavera e até aquele momento, eu não me encaixava em nenhum dos grupos, eu estava num grupo novo, um grupo exclusivo para pessoas malucas e esquizofrenicas, o grupo das pessoas que se apaixonam por personagens fictícios e irreais, o grupo que acredita que em alguma parte do mundo existe alguém com todas as características físicas e psicológicas do personagem amado.
____________________________________
1
4. Piripiri ( Pimenta);